Renato Kramer

'Não me sinto velha, eu me percebo com 50 anos', declara Beatriz Segall aos 87

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A convidada de Antônio Abujamra em seu "Provocações" (TV Cultura) da última terça-feira (10) foi ninguém mais, ninguém menos do que a maior vilã de telenovelas de todos os tempos: a Odete Roitman de "Vale Tudo" (1988), Beatriz Segall.

Confesso que peguei o programa já quase no meio, mas só o que vi já merece um destaque todo especial.

"Como é virar, de repente, nora de Lasar Segall, nome quase sagrado das artes deste país?", perguntou Abujamra em seu estilo bastante pausado e peculiar. "Foi muito fácil", respondeu Beatriz. "Seu Lasar era um homem muito agradável, muito fino, muito delicado, simples... muito charmoso. Era um homem encantador e sempre gostou de mim, sempre me tratou muito bem. Eu tenho quadros que ele fez para mim. Sempre me dei muito bem com ele", conta a atriz.

Beatriz e o marido Maurício Segall dirigiram o Teatro São Pedro (SP) durante a ditadura. "Maurício Segall foi preso político, você não", comentou Abujamra. "Não", confirmou a atriz, "ele evitava o máximo possível que eu tivesse qualquer atividade política, sempre foi muito cuidadoso. Eu e os meus três filhos sempre tivemos passaportes atualizados e preparados, se fosse preciso sair do Brasil. Essas coisas, ele pensava muito nessas coisas. E nunca me deixou ter nenhuma atividade política", declara Segall.

E acrescenta: "De qualquer jeito foi duro para todo o mundo viver numa ditadura. Há pouco tempo eu encontrei um chofer de táxi que disse: 'Este país está precisando é de uma ditadura!' Fiquei tão zangada, você não faz ideia!", relatou a atriz. "Ele era moço. Eu falei: 'O senhor está falando de uma coisa que não tem ideia do que seja. O senhor não sabe o que é viver numa ditadura.' É uma coisa horrorosa, morre gente, gente fica aleijada. Eu conheci um casal cujo marido perdeu as duas pernas porque atravessou na frente de um quartel!", conta Beatriz, enfática.

Crédito: Jair Magri/TV Cultura A atriz Beatriz Segall é a convidada de Antonio Abujamra no programa "Provocações", da TV Cultura
A atriz Beatriz Segall é a convidada de Antonio Abujamra no programa "Provocações", da TV Cultura

"Por que o teatro em sua vida?", quis saber o apresentador. "Eu acho que eu nasci um pouco com isso. Eu queria ser bailarina", confidencia a atriz. "Quando eu tinha uns 4, 5 anos, eu fui ver um balé do qual eu me lembro até hoje. Era uma bailarina sozinha no palco que dançava desfolhando uma rosa. Eu não lembro qual era o balé nem nada, mas eu voltei para casa e desandei a desfolhar todas as rosas vermelhas que encontrasse em casa!".

"Mamãe se entusiasmou e queria que eu estudasse balé. Papai disse: 'Não, não vai estudar balé, não. De repente ela dá para fazer teatro, é melhor não começar por aí!' Bom, não adiantou nada, não é?!", brinca a atriz que parou o Brasil em 1988 para desvendar quem matara a sua personagem Odete Roitman em "Vale Tudo" (Globo).

Na volta do intervalo, Abujamra vai direto ao assunto: "Quatorze anos longe dos palcos só para cuidar dos filhos, como conseguiu?". "Consegui muito facilmente", confessa Beatriz. "Quando eu me casei, eu queria muito ter filhos, ser mãe de família. E eu parei de fazer teatro por mim, nunca ninguém me disse nada no estilo: 'Agora você não pode mais trabalhar.' Eu parei automaticamente, nem discuti isso com o meu marido, nada. Eu simplesmente queria ser dona de casa, mãe de família e tudo o que as feministas diziam que não podia fazer", conclui.

"Assim eu permaneci por 14 anos. De repente o Zé Celso [Martinez Corrêa] me chamou para substituir a Morineau [Henriette] em "Andorra" (1964). Aí eu disse: 'Eu vou, vou brincar um pouco. Fui e não saí mais!'", declara Segall. "Foi bem, eu assisti. Muito bem, muito bem!", elogiou Abujamra antes de perguntar qual teria sido a maior transgressão que a atriz praticara em sua vida.

"Olha... o meu analista, com o qual eu faço análise há uns 6, 7 anos —ainda tem muita coisa para consertar", brinca Beatriz, "ele disse que eu tenho um crédito de loucuras que eu nunca fiz. Eu deveria começar a fazer agora. De modo que não há o que responder para você", retrucou a atriz. "Eu tenho um crédito enorme, dá para fazer muitas loucuras, que provavelmente não vou fazer, não dá mais tempo", ironiza a atriz de 87 anos.

"Não sou velha, sou antiga —explique essa diferença", pede o apresentador. "Você pode ser velho aos 20 anos", comenta Beatriz. "Eu tenho 87 e me sinto muito jovem! Eu não me sinto velha, eu não me visto de velha, eu não ando como velha. Não sei. A sensação que eu tenho, as pessoas podem não perceber, mas eu me percebo com 50 anos. Não me sinto velha!", reafirmou Beatriz.

"Quem maior mal fez ao mundo: a religião ou os bancos?", pergunta Abujamra. "Eu acho que os dois juntos, é difícil separar", respondeu Segall. "As telenovelas e o teatro te deixaram rica ou você já era?", questionou o apresentador, sem rodeios. Beatriz ri. "Nunca fui, quem me dera! Gostaria muito de ser rica! Porque eu gosto muito de ter dinheiro para gastar", confessa a grande atriz.

"Beatriz, como é que você gostaria de morrer?", pergunta Abujamra no seu melhor estilo Ravengar (Que Rei Sou Eu?, Globo - 1989). "Sem saber", responde Segall de pronto. "Eu quero que seja de repente, que eu não perceba", acrescenta a atriz. "Todos querem assim!", replica o apresentador. "É a melhor maneira", concorda a entrevistada.

Para encerrar, Abujamra se transforma definitivamente no bruxo Ravengar e pergunta pausadamente: "Beatriz, o que é a vida?". "A vida é um milagre", responde a maior vilã de telenovela de todos os tempos. "A concepção já é um milagre, isso eu sentia muito quando estava grávida. Cada dia que passa é um milagre!", reafirma a atriz. "Pode acabar amanhã... pode acabar daqui a pouco...", observa, fixando os seus grandes olhos azuis no entrevistador.

Como de costume, Abujamra repete a pergunta. "A vida é essa coisa que a gente ganha de graça, constrói como pode ou como é capaz e que a gente olha para trás e é feliz se aproveitou a vida. E não é feliz se ficou com muita coisa por fazer", responde Beatriz. "Eu acho que ficar com coisa por fazer é até bom, porque é sinal de que você ainda tem ilusões de fazer muita coisa. Mas eu acho muito importante na vida você olhar para trás e dizer: foi boa ou não foi? Eu servi para alguma coisa ou não? Eu acho que eu servi para alguma coisa", finaliza.

Pela terceira vez Abujamra repete: "O que é a vida?". Beatriz Segall respira fundo e responde tão simplesmente desta vez: "Um milagre".

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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