Renato Kramer

'Roberto Carlos se incomodou porque é obsessivo-compulsivo', diz autor de biografia não autorizada

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"Nós vamos conversar com ele que foi censurado", foi como o apresentador anunciou o escritor Paulo César de Araújo em seu "Roberto Justus +" (Record) deste domingo (8).

"Ele escreveu a biografia de uma das pessoas mais famosas do Brasil, que todos adoram, que é o cantor Roberto Carlos, mas o 'rei' não permitiu que seu livro continuasse à venda, aliás recolheu tudo rapidinho", informou Roberto Justus.

Ao perceber que Araújo trazia um livro na mão, Justus soltou: "Você não está trazendo um livro censurado dele, não?", perguntou. "Não, infelizmente não. Estão todos com o Roberto. Eu trouxe o novo livro", respondeu o escritor. "Não sobrou nada, infelizmente", acrescentou. "Nada?", insistiu Justus. "Nada, Roberto Carlos levou todos os livros, 11 mil livros apreendidos no depósito da editora. Enfim, eu estou na Justiça tentando reverter essa situação absurda", declarou Paulo César.

"Eu lancei a biografia 'Roberto Carlos em Detalhes' em dezembro de 2006", conta o autor, que disse ser fã do cantor desde criança. "Foi o meu primeiro ídolo."

"É verdade que você tentou entrevistá-lo mais de 15 vezes?", quis saber Justus. "Mais de 15 anos!", retrucou o escritor. "Vou inclusive pedir a minha inclusão no 'Guinness Book'. Duvido que exista um jornalista e historiador que tenha tentado tanto", brincou Araújo.
Mesmo sem nenhuma entrevista direta, Araújo publicou a biografia e teve que encarar o processo do biografado. "Ele entrou na Justiça não apenas pedindo a proibição do livro, mas também a minha prisão por um tempo superior a dois anos e R$ 500 mil reais por cada dia que o livro continuasse à venda", relata. "Ele partiu com tudo. Quando o Roberto fez aquela música 'Eu Sou Terrível', em 1968, ele não estava brincando!", ironiza o escritor.

"Mas você não foi preso?", perguntou o apresentador. "Não, não fui preso porque a editora entregou os livros. Diante da cobrança dos R$ 500 mil por dia, da ameaça de prisão... e eu não tinha advogado, a editora me falou: Paulo, esse processo é contra a editora e o autor, então você não se preocupe com advogado, nós vamos cuidar disso", completou.

"Isso não é censura de alguma forma? Tinha alguma coisa muito ruim nesse livro sobre ele? Ou alguma polêmica lá dentro que o incomodava?", questionou Justus. "O meu livro redimensiona a importância de Roberto Carlos na história da música brasileira. Esse é o livro 'Roberto Carlos em Detalhes'", afirma Araújo.

"E por que que isso incomoda tanto um artista?", indaga o apresentador. "Bom, aí nós temos que entender o personagem Roberto Carlos Braga. Você sabe, isso é público, ele sofre de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo)", afirma o escritor. "Ele fala com as plantas, é verdade?", cutuca Justus. "Fala e responde, o que é pior, segundo Tim Maia!", retruca Araújo. A plateia se diverte.

"O que eu quero dizer é o seguinte: esse livro "Roberto Carlos em Detalhes", pelo título, parece que está falando só da vida pessoal. Mas são detalhes dos shows, detalhes das polêmicas, detalhes dos discos – enfim, detalhes da obra de Roberto Carlos. Eu explico como nasceu cada canção do Roberto", informa Araújo.

"Obviamente que você é um caso clássico de tolherem a liberdade de expressão, a partir do momento que a sua obra foi confiscada depois de pronta", comentou Justus. "E aí teve um movimento que o Roberto Carlos fez com outros artistas para tentar coibir novos autores de biografias. Isso deu certo?, quis saber o apresentador.


"Sim, quando chega outubro de 2013 se juntam a Roberto Carlos Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Milton Nascimento —o grupo 'Procure Saber'—, se aliando à causa de Roberto e dizendo: olha, a nossa história é um patrimônio nosso, para escrever uma biografia tem que ter autorização. Só nós podemos contar nossa história", relata o jornalista.

"Isso foi um espanto para nós todos que amamos a liberdade, a cultura, o livro", comenta, "principalmente por vir desses personagens. Chico Buarque, que sempre foi um defensor da liberdade, que combateu a ditadura, foi censurado. Caetano, Gil, toda a MPB clássica se alia a Roberto Carlos", queixa-se o autor. E tece um comentário levemente tendencioso em relação ao "rei": "O Roberto, pelo menos, a gente pode dizer o seguinte: ele não tem muita intimidade com o objeto livro, nunca teve. Sim, ele já falou isso. Sempre entre o livro e o violão, o violão ganhava". Logo em seguida assoprou: "Ganhamos lindas canções por causa disso".

"Imagina se as histórias fossem só contadas pelas próprias pessoas, e os outros não pudessem escrever sobre isso?", observou Justus. "Seria o fim da própria História", decretou Araújo. "Imagina um Saddam Hussein, um Adolf Hitler escrevendo sua própria história e ninguém podendo escrever sobre eles?", fomenta o apresentador.

"É importante esclarecer também que Roberto Carlos não questionou nenhum fato narrado no livro", coloca o escritor. "Ele ficou incomodado com a existência do livro, porque como eu estava dizendo, ele é uma figura obsessiva-compulsiva, então ele quer ter o controle absoluto sobre tudo", afirma Paulo César Araújo que insistiu na saga com o seu "primeiro ídolo", lançando em 2014 "O Réu e o Rei – Minha História com Roberto Carlos em Detalhes" (Companhia das Letras).

"Para alguns dos seus críticos a obra mais importante da sua carreira como escritor foi justamente o livro que foi censurado pelo Roberto Carlos. Dizem ainda que profissionalmente você ganhou mais visibilidade do que teria se o livro estivesse à venda hoje em dia. Você concorda?", foi a pergunta mais feita para o escritor.

"Claro que não", respondeu Araújo. "O livro mais importante que eu escrevi, e quem diz isso não sou eu, foi exatamente o meu primeiro livro 'Eu Não Sou Cachorro, Não' (Record) sobre música popular cafona e ditadura militar. Nesse livro eu conto como artistas bregas, que sempre foram desprezados, tiveram importância no Brasil. Esse livro mostrou o outro lado da música brasileira, foi o meu primeiro livro, publicado em 2002 (...)", afirma o autor.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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