Marcelo Arantes

O ódio a Jô Soares e a educação dos sentimentos

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Durante anos, o Brasil esteve mergulhado na zona de conforto da tolerância aparente. O país do sincretismo religioso, onde reinavam a alegria, o carnaval e o futebol, parecia permitir que todos agissem como bem quisessem, desde que no final se fizesse um acordo e ninguém saísse no prejuízo.

A ascensão dos partidos de esquerda no Brasil, e sua estratégia de manutenção no poder às custas de projetos sociais de transferência de renda, permitiu o 'empoderamento' de parcelas da população historicamente sem voz.

Líderes políticos e religiosos vaidosos, na disputa pelo poder, aproveitaram-se disso.

Não é coincidência que o termo 'tolerância' tenha sido criado justamente durante as guerras religiosas entre católicos e protestantes no séc XVI. Política e religião estão na base do conceito de intolerância. Daí também a importância de um estado laico para a manutenção da liberdade e da paz.

Em um mundo cada vez mais aberto a informações que levam a novidades e mudanças, estranhar a diferença do outro levou à banalização dos discursos de ódio. É cada vez mais difícil encontrar alguém que respeite uma opinião diferente da sua, como também é cada vez mais fácil que a partir daí se passe a odiar quem pensa diferente.

A psicanálise explica que o incompreensível e o misterioso, ou seja, aquilo que não pertence ao próprio indivíduo, gera estranhamento e hostilidade. São sentimentos primitivos, e as redes sociais deram voz a eles.


Com a possibilidade de mobilizar grandes grupos a partir de novas tecnologias de comunicação em massa, políticos e religiosos encontraram na internet uma estufa fértil e rentável para o cultivo da intolerância.

Aos 77 anos e acostumado a aplausos e unanimidade, o apresentador Jô Soares certa vez admitiu que não gosta de redes sociais. Como não tem perfil em nenhuma delas, talvez se sentisse blindado a críticas, já que os xingamentos de internet dificilmente chegariam até ele.

Ao entrevistar Dilma na semana passada, Jô emprestou seu prestígio e influência a uma governante aprovada por apenas 10% da população brasileira, segundo o último levantamento do Datafolha. Certamente nutre simpatia genuína por ela e teve o interesse em protegê-la pois gravaram num cenário a prova de vaias. Mas não houve perdão ao apresentador.

Em entrevista à Folha, ele disse não ter se chateado com as críticas e justificou a entrevista com o argumento de que "todos têm o direito de falar" e de que "não deixaria de entrevistar a presidente do país porque ela está passando por um momento grave". Como não tem rede social, recebeu literalmente o recado das ruas através de uma pichação em frente ao seu prédio com os dizeres "Morra Jô Soares".

Enquanto o governo afunda o país numa crise econômica, a oposição se aproveita da intolerância para que o ódio se manifeste incompreensível e sem controle.

Todos têm o direito de se expressar, desde que não haja violência. Discordar não confere o direito de desejar à morte, praticar o vandalismo ou de apedrejar uma criança de outra religião na rua.

Se a ética e a tolerância entraram em extinção, não é apenas inteligência que falta à oposição no Brasil. É a educação emocional da população que vai permitir hoje um país livre e unido amanhã.

Marcelo Arantes

Marcelo de Oliveira Arantes (@dr_marcelo_) é psiquiatra, mora em São Paulo e comenta o "BBB" há dez anos, desde que participou do "Big Brother Brasil 8". É autor de “A Antietiqueta dos Novos Famosos”.

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