Marcelo Arantes

'Verdade Secretas' discute o proibido longe da patrulha moral

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Há quem defenda que contos de fada são, na verdade, histórias do mundo real envolvendo sexo, traição e violência disfarçados de fantasia.
"Verdades Secretas", a novela das 23h da Globo que estreou na semana passada, transforma fantasias sobre o mundo da moda em uma realidade bastante cruel.

Poucas personagens escapam do julgamento moral do autor. O texto politicamente incorreto de Walcyr Carrasco diminui a diferença entre vítimas e vilões tradicionais, já que todos são potencialmente vítimas. Para ele a diferença parece existir apenas entre as pessoas resilientes que aproveitam boas oportunidades para se dar bem e as que não aproveitam e são engolidas socialmente.

O texto de Carrasco espertamente domestica o telespectador para que ele se projete no sonho da protagonista. Isto permite deixar de lado a dominação machista, perversa e pedófila de Alex sobre Angel e passar a torcer para que eles se realizem enquanto casal. O segredo é usar estereótipos que não atingem a zona de conforto da chamada tradicional família brasileira. Assim, gordos sofrem bullying, a cafetina explora o michê disfarçado de modelo decadente, homossexuais são bichas caricatas e há poucas referências religiosas.


A trama de "Verdades Secretas" não se simplifica em conto de Cinderela explorada pela madrasta ruim. Há um dilema moral que é chave para o entendimento da história: existe alguém moralmente correto suficientemente capaz de resistir à vaidade e às privações em troca de dinheiro e fama? Perguntando de outro modo: é possível torcer pela Chapeuzinho Vermelho mesmo que ela aceite se prostituir para ajudar à vovozinha?

A divulgação da existência do "book rosa" em agências de manequins, um cardápio de prostitutas de luxo, gerou revolta nos bastidores do mundo da moda e fashionistas temem que a novela generalize modelos como garotas de programa. Caçadores de talento também temem que os pais proíbam as filhas adolescentes de deixarem seus lares no interior do país para desfilarem nas capitais. Embora as emissoras de TV reafirmem ao final de cada capítulo que "novelas são obras de ficção sem compromisso com a realidade" o público enxerga suas novelas como espelho do real.

Em setenta capítulos outras verdades certamente deixarão de ser secretas, e há uma torcida para que o autor discuta temas paralelos como a obsessão pelo emagrecimento levando à anorexia, e o abuso de drogas, transtornos psiquiátricos frequentes no universo da moda. O público já ouviu frases de impacto como "A felicidade é magra" e "Gorda é mais feliz do que bicha", que geraram repercussão nas redes sociais.

A desvalorização do professor foi bem retratada nos primeiros capítulos pela aluna fútil e mimada que tenta tirar a autoridade da educadora em sala de aula o que, juntamente aos episódios de bullying mostrados pode reverter em marketing social positivo para a discussão do cenário das escolas, um problema atual e latente.

Entre mentiras descobertas e verdades secretas, restam poucas certezas absolutas, e uma delas é mostrada diariamente durante a abertura da novela: lindas modelos sempre vão existir em cenários decadentes.

Marcelo Arantes

Marcelo de Oliveira Arantes (@dr_marcelo_) é psiquiatra, mora em São Paulo e comenta o "BBB" há dez anos, desde que participou do "Big Brother Brasil 8". É autor de “A Antietiqueta dos Novos Famosos”.

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