Marcelo Arantes

O que o especial de 50 anos diz sobre o futuro da Globo?

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Foi no passado, em algumas regiões da Europa, que surgiu o hábito de presentear o casal que completasse 50 anos de união com uma coroa de ouro, o mais precioso dos metais, símbolo da imortalidade.

O casamento entre a TV Globo e o público comemorou bodas de ouro no último dia 26, e esperava-se um evento televisivo à altura de tal importância, renovando os votos de cumplicidade feitos anos atrás.

Transmitido no último sábado, mas gravado antecipadamente, o especial de 50 anos causou reações variadas nas redes sociais, mas prevaleceu o consenso de que passou longe da comparação com a perfeição simbólica do ouro.

Deixemos de lado os politizados de esquerda que resolveram dar audiência apenas com o propósito de emplacar hashtags que convencessem a população a todo custo de que a emissora é "golpista". Repetiram por várias horas que a Globo apoiou a ditadura, colocou e tirou Collor da presidência etc.


Também não consideremos as ausências físicas de Faustão, Ana Maria Braga, Luciano Huck, Ivete Sangalo, Cláudia Leitte, Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, Antônio Fagundes, Fernanda Lima, Susana Vieira e tantos outras pratas, digo, ouros da casa.

Nenhuma outra emissora brasileira fabricou tantos astros e estrelas nacionais quanto a TV Globo e seria praticamente impossível caber todos estes egos num espaço restrito como o Maracanãzinho, fora os custos de produção.

Mas os tempos são de crise. Crise de bons roteiristas, vamos deixar claro. Porque os melhores da casa na atualidade, do programa "Tá no Ar", acabaram de sair de férias, e não sobrou ninguém para avisar ao Marcelo Adnet que ele seria lançado num número circense tolo ao lado de Didi, quer dizer, Dr. Renato, e Leandro Hassum, regidos por Lázaro Ramos, também subaproveitado como um maestro descoordenado.

Assim começou a sucessão de constrangimentos da noite de sábado que, entre um momento de exaltação narcísica e outro, contou a história dos 50 anos da principal emissora de TV brasileira, e segunda da América Latina. Equívocos que foram desde Paulo Ricardo cantando o tema de Vale Tudo ("Não me convidaram pra essa festa pobre") à homenagem aos programas infantis da emissora sintetizados numa personagem pouco expressiva de Angélica.

Uma aparição rápida no telão, ao fundo, foi o máximo que se conseguiu de justiça com ex-funcionários. Preferiram dar ênfase a figuras de mínima importância artística à história da emissora como Anitta, Banda Malta, Gusttavo Lima e MC Gui.

De fato, a intenção de resumir 50 anos em um evento de uma hora e meia já é por si só pretensiosa, mas poderia ser melhor aproveitada se ousassem mais e copiassem menos a si próprios.


Não houve nada que pudesse ser destacado como inovador, criativo e original, e o programa simbolizou o atual dilema moral que assola a emissora na atualidade: a diferença entre o que ela pode mostrar e aquilo que o público deseja ver.

O maior desafio da TV Globo nos próximos anos será gerar conteúdo atrativo não apenas para a turma envelhecida do sofá, mas para a 'geração Y', que aprecia novas tecnologias, tem crescido sem o hábito de ver TV e prefere a internet. Quando esta nova geração consome TV, faz de outro modo e quer interagir com ela. E o que houve de conteúdo interativo e inovação tecnológica nesse evento supostamente histórico? Quase nada.

Enquanto isso, longe dali, três egos sem o prestígio de outrora ganharam holofotes por desabafarem contra a falta de consideração da casa.

A jornalista Valéria Monteiro, ex-apresentadora do "Fantástico", usou as redes sociais para questionar a credibilidade do jornalismo da TV Globo, que neste período de comemorações desprezou o fato de ela ter sido a primeira mulher a participar da bancada do Jornal Nacional: "uma gafe, me parece que há uma vontade de se reescrever a história".

Cláudia Cruz, também jornalista mas conhecida atualmente como a mulher do deputado Eduardo Cunha, também veio a público se queixar e dirigiu suas palavras a Valéria tragicomicamente: "Fomos apagadas da história da TV Globo. Será que não se lembram que apresentamos o 'Jornal Hoje' juntas, quando nem maquiador para as apresentadoras havia? Quando não tínhamos figurino e, por diversas vezes, aparecemos no ar com a mesma cor de roupa?".

Outra jornalista da casa, Sandra Moreyra, que acreditava não ter sido convidada, também usou o Facebook para desabafar: "Merecia mais consideração".

Valéria tornou público algum tempo depois que o diretor-geral da TV Globo, Carlos Henrique Schroder, pediu que ela apagasse sua declaração. Sandra, a única ainda contratada pela emissora dentre as três jornalistas, desculpou-se por supostamente ter encontrado o convite mais tarde. De fato, jamais saberemos se Sandra o encontrou realmente ou foi orientada a dizê-lo.

O "padrão Globo" de qualidade é uma máquina em busca frenética por novos talentos, e o tempo já mostrou que todos ali são substituíveis.

Vir a público demonstrar histericamente seu descontentamento com a Vênus Platinada, autodenominação narcísica dos profissionais da casa, só ajuda a dar um empurrãozinho nesse processo.

Marcelo Arantes

Marcelo de Oliveira Arantes (@dr_marcelo_) é psiquiatra, mora em São Paulo e comenta o "BBB" há dez anos, desde que participou do "Big Brother Brasil 8". É autor de “A Antietiqueta dos Novos Famosos”.

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