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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu transporte público

Documentário sobre junho de 2013 mostra como viemos parar aqui

De Paulo Markun e Angela Alonso, série 'O Começo do Avesso' estreia no Canal Brasil

Imagem de protesto de Junho de 2013 no doc 'O Começo do Avesso'
Imagem da série documental 'O Começo do Avesso', de Paulo Markun e Angela Alonso no Canal Brasil, sobre os protestos de junho de 2013 - Diovulgação/Canal Brasil
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Com estreia marcada para esta segunda-feira (13) no Canal Brasil, a série documental "O Começo do Avesso" traz mais provocação no título do que em seu conteúdo em si, como diz o jornalista e documentarista Paulo Markun, um de seus idealizadores e diretores, ao lado da socióloga Angela Alonso. E isso não é ruim, ao contrário. A propota de fazer o telespectador tirar suas conclusões ao longo de 6 capítulos de 26 minutos de duração cada é ainda mais instigante diante do mosaico montado por depoimentos de todos os lados, um quebra-cabeças iniciado com os protestos de junho de 2013.

Já sabíamos que tudo começou pelo aumento de 20 centavos no preço da passagem do transporte público de São Paulo. E que o volume tomado por aquele primeiro rojão logo não se resumiria a isso. Mas o doc escancara o olhar a distância sobre um embrião que pareceria gerar uma coisa e acabou em outra, completamente diferente, para não dizer do avesso mesmo.

À medida que foi ganhando corpo por todo o país, o conjunto de manifestações saiu do controle da pauta, mesclando várias bandeiras políticas, mas não partidárias --que chegaram a ser vetadas por outros manifestantes, sob a alegação de o movimento ser apartidário.

NOVAS LIDERANÇAS

Figuras que mal se conheciam foram projetadas a partrir do êxito inicial do MPL, Movimento do Passe Livre --não confundir com MBL, embora a semelhança fonética entre as siglas não seja acidental. Quem diria que dali surgiriam duas deputadas bolsonaristas, como Carla Zambelli e Bia Kicis?

Já Marcelo Reis, do Revoltados On-line, tentou a eleição, mas não chegou lá. Impressionado com a velocidade como conquistou seguidores nas redes sociais na ocasião, ele admite que o grupo foi forçado a se inteirar da conversa vigente nas ruas: "O assunto era só política, qualquer outro assunto que você colocava, ele não tinha audiência, as pessoas não estavam interessadas nisso. Isso nos forçou automaticamente a entender um pouco de política".

É um testemunho de principiante no debate público, algo que contrasta com os de outros líderes, gente que fala em política desde pequeno ou muito jovem, em casa, na escola, em sindicatos e até na igreja.

FALTARAM DILMA, LULA E ALCKMIN

Realizado por Markun e pela professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o documentário ouve autoridades, policiais, sindicalistas, jornalistas e líderes de movimentos que saíram às ruas naquele junho de 2013, com uma lista que se estende aos seguintes nomes e cargos ocupados na época: Alexandre Santini (produtor cultural), Arielle Moreira (Assembleia Nacional dos Estudantes Livre), Carla Zambelli (Movimento Nas Ruas), Cristiano Chiocca (Instituto Mises Brasil), Eduardo Paes (prefeito do Rio de Janeiro), Elisa "Sininho" Quadros (Frente Independente Popular), Eron Morais (o "Batman" dos protestos --que dá entrevista ao documentário com a defida indumentária do Homem Morcego), Fernando Haddad (prefeito de São Paulo), Ali Kamel (diretor de Jornalismo da Globo), Fidélis Alcântara (Comitê Popular dos Atingidos pela Copa), José Eduardo Cardozo (ministro da Justiça), Marcelo Reis (Revoltados On Line), Marcos Musse (Movimento Passe Livre), Maurício Costa (Coletivo Juntos!), Nina Cappello (Movimento Passe Livre), Pablo Capilé (Mídia Ninja), Paulo Rocha (Assembleia Popular Horizontal), Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo), Virgínia Barros (União Nacional dos Estudantes) e Jaques Wagner (governador da Bahia).

Faltou alguém? Faltou. Markun enumera: Dilma Rousseff, então presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente, e Geraldo Alckmin, então governador de São Paulo. Apesar das insistentes tentativas em ouvi-los, conta o jornalista, a produção não obteve êxito. A ex-presidente aparece no filme por meio de declarações da época e de análises dos ouvidos sobre a reação do governo ao grito das ruas.

As conversas foram gravadas entre 2017 e 2018, algumas até próximas da eleição de Jair Bolsonaro, mas não no contexto de sua gestão.

A lista de depoimentos busca dar a dimensão de que os rumos da iniciativa do MPL logo fugiram de seu controle, a ponto de as autoridades não saberem com quem dialogar para acalmar os ânimos. A série se debruça com competência sobre isso, embora ainda deixe um vácuo sobre as origens dos temidos black-blocs, tratados como anarquistas, figuras sem propósito algum ou meramente oportunistas: ninguém consegue explicar muito bem.

ESTUDO RENDERÁ LIVRO E FILME

Markun acredita que algumas questões poderão ser aprofundadas no filme "Ecos de Junho", que vem produzindo também por ele com Alonso, que também é colunista da Folha.

Todo o enfoque do doc e do filme parte de uma profunda pesquisa feita pela sociológica na USP e no Cebrap. A série reconstrói a diversidade de movimentos sociais por trás das manifestações, inclusive com divergências dentro da esquerda, com bandeiras socialistas e autonomistas, e da direita, com viéses liberais, conservadores e autoritários.

"A Angela fez um trabalho muito importante", diz Markun à coluna. Ela está fazendo um livro sobre o assunto. A pesquisa do Cebrap foi o que pautou a escolha dos entrevistados. A gente buscou ter o painel mais amplo possível, parte das decorrências ainda seguem repercutindo. A imprensa não se atinava, por exemplo, para o peso das manifestações políticas dos evangélicos, que levavaM milhares de pessoas para as ruas."

Para Markun, vem de Jaques Wagner a melhor frase para definir o que ocorreu naquele mês: "Alguém jogou uma pedra para cima, e quando caiu, caiu na cabeça de todo mundo".

Produzido pela Arapy Produpções, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), o documentário esbanja imagens das manifestações e bons gráficos na abordagem de números e datas. A edição foge ainda do recurso de uma narração, optando pelo som e imagens das ruas, entrecortados pelos depoimentos e por uma trilha sonora discreta, a fim de interferir o mínimo possível na conclusão da reflexão do espectador.

Apesar da formação jornalística, o documentarista Markun atribui à socióloga o resultado de uma série que evita tomar posição sobre o efeito daquele desenrolar dos fatos a partir do que parecia ser a nossa primavera, como destaca a abertura do 1º episódio, ao citar a Primaver Árabe e outras manifestações então recentes mundo afora.

"O filme revela esse imbricado de pessoas diferentes e posições distantes, que se cruzaram nas ruas", define Markun.

  • "O Começo do Avesso" - Paulo Markun e Angela Alonso
    Estreia nesta segunda-feira (13), com dois episódios em sequência, assim como nas próximas três segundas-feiras, 20 e 27 de junho, a partir das 22h.
    Horários alternativos: quintas e sextas, às 14h e sextas e sábados, às 6h ​

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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