Colo de Mãe

Uma hora as crianças percebem que não dá para evitar a morte, curar doença, acabar com a dor

'Acho que eu não estou preparada para crescer', disse minha filha

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Há dois anos minhas meninas convivem com as perdas. Primeiro, foi uma colega de redação que morreu do coração, jovem, do nada, deixando um vazio no nosso dia a dia. Depois, o pai de uma amiga querida partiu. As meninas não eram próximas dele. Luiza o conheceu quando era muito pequena e Laura nunca o tinha visto, mas somos próximos da filha, que é nossa amiga e perdeu o pai, e essa perda nos doeu na alma.

Em seguida, um amigo meu partiu, também de forma inesperada. E, por fim, uma de nossas labradores morreu, após anos de convívio dócil e intenso.

Todas essas partidas doeram nas minhas meninas, porque as perdas me afetaram de frente, inesperadamente, com uma tristeza que vem e demora muito para ir embora.

Mas, na última semana, o baque foi forte. Perdemos a minha avó Iraci, bisavó das meninas. Aos 84 anos, ela estava doente, precisou ficar internada, não aguentou e morreu no hospital. Não pude visitá-la. No sábado em que eu iria vê-la, fui acordada por minha irmã com a notícia: “A vó faleceu”.

A verdade é que nunca estamos preparados para a morte. Não estamos preparados para essa ausência que dói na alma e nos tritura e transforma. No velório, reencontramos vários parentes que não víamos há anos. Vieram do interior, da Grande SP e de Pernambuco para prestar homenagem à minha avó. A solidariedade e o amor dos amigos ajudam a suportar, nos confortam, mas não há como tirar a dor que sentimos. Quando perdemos alguém tão próximo é que percebemos o que realmente importa na vida.

Nessa hora, a gente tem medo de novas perdas. A vó Iraci era mãe de meu pai, que eu amo tanto, e que me fez quem sou hoje. Ver meu pai sofrer também foi muito doído. E ver minhas filhas, tão pequenas, sentindo a dor da perda mais uma vez foi algo dilacerador.

Elas tinham um apego grande à bisavó. Quando a visitávamos, as duas cuidavam muito dela e do meu avô Pedro. Principalmente Luiza, que gostava de ajudá-los a sentar, andar e subir escadas. Laura, a caçula, chorou sentido. Um choro de gente grande, que não dá para segurar, consolar ou fazer parar. Luiza percebeu que crescer dói. E muito.

“Mãe, fiquei pensando na morte da bisa e acho que eu não estou preparada para crescer”, disse-me, de madrugada. As duas não quiseram ir ao velório, o que eu respeitei. Mas, no enterro, decidiram que iriam dar o último adeus à bisavó e abraçar o meu pai e a minha mãe. O que eu senti, ao ver as duas correndo para abraçar meus pais, é que a única coisa que nos resta é o afeto.

Não dá para segurar a vida para sempre, não dá para evitar a morte, não dá para curar doenças, não dá para acabar com algumas dores. Senti-me impotente diante da perda do meu pai e da dor das minhas filhas. Senti-me impotente diante da minha própria dor e aprendi, mais uma vez, que ser mãe é uma das coisas mais difíceis nesta experiência de humanidade.

A perda da minha avó me fez encarar de frente o fato de que a infância de Luiza já acabou e que Laura já deixou para trás as dificuldades de bebê. À medida que minhas meninas crescem, eu também cresço. E, como bem disse Luiza, crescer dói. Mas é o único caminho possível se a gente está na vida.

O que eu mais quero agora é fazer com que minhas pequenas tenham memórias de mim, assim como eu vou guardar memórias de minha avó. Fazer com que eu possa passar para elas a doçura e o amor que a vó Iraci deu a mim, a seus outros netos, a seu filhos e a todos que sempre estiveram à sua volta. Minha avó é hoje uma lembrança e uma herança de força e ternura.
 

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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