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Cinema e Séries
Descrição de chapéu séries

Ficções como 'Diários de um Robô-Assassino' têm androides mais interessantes do que muita gente

Ficção científica da Apple TV+ se soma às histórias sobre o tema que estão dando o que falar

O pôster apresenta um personagem com um rosto humano e um corpo robótico. O rosto é de um homem com expressão pensativa, enquanto a parte inferior do corpo é composta por componentes mecânicos e fios expostos.
Alexander Skarsgard no pôster de 'Diários de um Robô-Assassino', da Apple TV+ - Divulgação
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James Poniewozik
The New York Times

Quando se trata de ficção, caros humanos, sou um traidor da minha espécie: em qualquer história de humanos e robôs, invariavelmente prefiro as fascinantes, enigmáticas e perseverantes máquinas aos entediantes Homo sapiens. E, apesar (ou talvez por causa) de nossa ansiedade generalizada com a inteligência artificial, há muitas histórias de robôs para escolher atualmente.

O protagonista de "Diários de um Robô-Assassino", a comédia de ficção científica que estreou na sexta-feira (16) na Apple TV+, não retribui minha admiração. Murderbot (Alexander Skarsgard), uma "unidade de segurança" senciente, é programado para proteger humanos. Mas não precisa gostar deles, aqueles sacos de carne perecível "fracos de vontade" e "estressados" que é compelido a servir.

Ou melhor, era compelido. Sem o conhecimento da empresa que o possui —uma empresa chamada Companhia, que controla a maior parte da galáxia habitada— ele desativou o software que o proíbe de desobedecer. Assim, fica livre para recusar, fugir, matar.

Então, o que esse robô letal (tecnicamente, um ciborgue, com seus circuitos entrelaçados com matéria orgânica engenheirada) quer fazer com sua liberdade? Principalmente, quer assistir a seus programas —milhares de horas de séries de streaming de "qualidade premium" que baixou em sua memória.

No entanto, ainda precisa manter seu trabalho diário; se a Companhia descobrisse que ele se hackeou, seria derretido. Murderbot é designado para fornecer segurança a uma equipe de cientistas hippies de uma "comuna planetária" independente em uma missão exploratória. A dependência mútua, enquanto descobrem um segredo perigoso no planeta desolado, fornece o enredo pulp e sangrento para a primeira temporada de 10 episódios (baseada no romance "Alerta Vermelho", de Martha Wells).

Mas o verdadeiro diferencial da história, adaptada por Chris e Paul Weitz, é a visão de mundo sarcástica da forma de vida artificial em seu centro. Skarsgard dá uma interpretação vibrante à copiosa narração em off, mas igualmente importante é sua performance física, que irradia poder casual e vigilância agitada.

Murderbot é estranho, nervoso, inconfundivelmente alienígena, mas sua queixa também é rabugentamente familiar. Ele só quer ser deixado em paz para maratonar seus programas.

Quanto aos nossos próprios programas, ultimamente parecemos estar imersos em histórias sobre companheiros robôs. Nesta semana também estreou uma nova temporada da série de ficção científica animada "Love, Death & Robots", da Netflix, embora a peculiar antologia seja, na verdade, apenas intermitentemente sobre robôs.

O filme "Meu Amigo Robô" é a história agridoce de um cachorro e seu androide encomendado pelo correio. Em "Robô Selvagem", um robô encalhado canaliza sua energia maternal para um pássaro órfão. Em "M3GAN", cuja sequência estreia em junho, um robô companheiro de uma criança cumpre seu mandato de proteção com entusiasmo excessivo (M3GAN, assim como a arma transformada em mãe em "Raised By Wolves", da Max, e o robô retrô no thriller alemão "Cassandra", da Netflix, complica o padrão em que robôs codificados como femininos tendem a ser para nutrir e robôs codificados como masculinos para matar).

Essas histórias seguem modelos antiquíssimos —a fada madrinha, o gigante gentil, o golem que quebra o controle de seu mestre. Mas também há frequentemente uma ansiedade moderna sobre como a inteligência artificial pode nos transformar, que está incorporada na peculiar série de uma temporada "Sunny".

Nessa série de 2024 da Apple TV+, Suzie (Rashida Jones), uma americana em Kyoto num futuro próximo, herda um "homebot" chamado Sunny de seu marido engenheiro, que desapareceu em um acidente de avião, junto com seu filho. O enredo de suspense do programa envolve a máfia e um mercado negro de robôs hackeados, mas seu coração é o relacionamento espinhoso entre Suzie, uma tecnófoba de longa data, e Sunny.

Sunny —animada, solícita, um pouco carente— foi literalmente feita para ser amada, com uma cabeça de pirulito, olhos expressivos de anime e uma voz cativante (fornecida por Joanna Sotomura). Ela quer desesperadamente ajudar, uma compulsão que pode ser exaustiva —não diferente do relacionamento parassocial que temos com grande parte de nossa tecnologia.

Sunny é um robô, mas poderia ser seu telefone, sua Alexa ou Siri ativada não intencionalmente, o pop-up não solicitado em cada site perguntando se você tem perguntas para o assistente de chat.

Uma preocupação recorrente nessas histórias é que a tecnologia está se tornando mais humanizada —intrusiva, insinuante, buscando criar conexão. Mas outra ansiedade —ecoada em séries como "Ruptura" e "Black Mirror"— é que a consciência humana está se tornando mais semelhante à máquina, digitalizável e, portanto, controlável.

Tornar-se uma máquina, afinal, é tornar-se utilizável e, talvez, descartável. Vale a pena notar quantas histórias contemporâneas de robôs são sobre unidades defeituosas —o Sunny com falhas, o Murderbot "ansioso, deprimido"— ou obsoletas, como se para dramatizar como nossa sociedade e economia tratam o hardware, seja de carne ou silício, que ultrapassou sua utilidade.

O musical "Maybe Happy Ending", indicado ao Tony, começa com um encontro fofo entre um par de robôs que vivem —ou melhor, são armazenados— em um complexo de apartamentos para androides descartados. O que se apresenta como um romance condenado entre dois doces eternamente jovens na aparência é também uma alegoria para o envelhecimento, tornando-se menos necessário, enfrentando a inevitável falha catastrófica.

Talvez essas histórias de brinquedos quebrados sejam uma forma de lidar, antecipadamente, com nossas obrigações éticas para com quaisquer inteligências que eventualmente criarmos. Ou talvez assistir a esses temas se desenrolarem em histórias de robôs torne nossa própria mortalidade mais fácil de contemplar —como fantoches de terapia lúdica, os robôs mantêm o pesadelo à distância e o abstraem.

Aqui, pelo menos, temos algo em comum com o protagonista de "Diários de um Robô-Assassino", que, ao final de um longo dia de matança, não quer nada mais do que relaxar com programas sobre humanos.

Murderbot devora temporada após temporada, sem qualquer senso de ironia, como uma fuga de seus confusos emaranhados com pessoas reais. "Os personagens eram muito menos deprimentes do que humanos da vida real", diz ele. "Não assisto a séries para me lembrar de como as coisas realmente são."

Aí, talvez, você tenha a diferença entre robôs e humanos. Murderbot pode alegremente acionar um interruptor em sua mente e se desligar da realidade. Mas não importa quão movidos a bateria e cheios de circuitos sejam os protagonistas de nossos próprios programas, nós, pobres máquinas de carne, não podemos deixar de olhar para eles e ver a nós mesmos.

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