Andrew Garfield, Joseph Mazzello, Jesse Eisenberg e Patrick Maple em cena de "A Rede Social" Divulgação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Maya Phillips

Dez anos atrás, o diretor David Fincher e o roteirista Aaron Sorkin nos ofereceram um mito de origem muito bem concebido sobre uma das instituições online que definem esta geração, e sobre o homem por trás da empresa (retratado, por Jesse Eisenberg, como um celibatário involuntário que fala muito rápido e usa sandálias). Visto hoje, “A Rede Social”, que fala sobre a fundação do Facebook e os processos judiciais que se seguiram, parece sombriamente presciente e talvez representativo da maneira pela qual os anos passados desde a estreia do filme –e os recentes meses de pandemia– mudaram nosso relacionamento com a mídia social e uns com os outros.

Em 2010, “A Rede Social”, com seu anti-herói egomaníaco, parecia dramático em excesso, pessimista demais na forma pela qual observava o nascimento de um dos maiores sites de mídia social. O Facebook ainda estava na infância, muito distante daquilo que viria a se tornar.

Eu estava na universidade, na época, e tinha uma conta no Facebook –que comecei a contragosto porque estava cansada de perder convites para festas e notificações dos amigos. Mas comecei a usar o serviço constantemente, lendo as postagens de amigos e procurando informações sobre os caras de quem eu gostava. Eu usava o MySpace, quando estava no segundo grau, e a despeito de minha resistência inicial, o Facebook parecia novo, e cool (uma qualidade pela qual Mark Zuckerberg parece obcecado no filme); o pessoal da minha turma falava do Facebook como “o novo Myspace, mas para universitários”. E o serviço consumia todo o meu tempo livre.

No filme (disponível na Netflix), há uma grande comemoração quando o Facebook atinge seu primeiro milhão de usuários. Agora a empresa tem bilhões de usuários. E no entanto, para mim e muitos amigos que ainda usam o site, isso parece destacar o nosso isolamento, muito mais do que nossa conexão, e perdemos completamente a confiança na companhia.

“A Rede Social” não tratava de conexões sociais –todos os relacionamentos do filme envolvem conexões tênues, superficiais, entre homens brancos infantilizados que se revezam no papel de vilão da Ivy League.

O filme de Fincher inadvertidamente apontava para a maneira pela qual o site manipularia dados sociais –Mark cria um código para transcrever informações de estudantes de uma plataforma para o sistema novo que ele está criando, sem o consentimento deles—, e para a solidão que a rede social faria com que seus usuários sentissem. O domínio social do filme, afinal, é notavelmente pequeno; todos os personagens parecem tão isolados quanto Mark.

Os gêmeos Winklevoss, pares de Zuckerberg que o processam afirmando que ele roubou sua ideia, são retratados fantasmagoricamente como se fossem uma só pessoa, uma visão sublinhada pela escalação de Armie Hammer para os dois papéis. A uma certa altura, Tyler Winklevoss diz que “tenho 1,96 metro, 100 quilos, e há dois de mim”, como se o seu gêmeo fosse um clone e não um ser humano independente.

Sean Parker, um investidor rico e cocainômano no Facebook, interpretado por Justin Timberlake, parece surgir como que invocado por um feitiço, sempre que acontece uma festa. E por fim há Eduardo Saverin (Andrew Garfield), o vice-presidente de finanças do Facebook e o contraponto bonzinho para Zuckerberg. Perto do final do filme, ele está sentado diante de Mark, flanqueado por advogados em uma sala de conselho, e lhe diz que “eu era seu único amigo. Você tinha um amigo”.

E considere, também, a linguagem da mídia social, que usa expressões de intimidade e familiaridade para criar uma ilusão de conexão humana a despeito da artificialidade da mídia. Você se torna “amigo” de alguém, e dá “likes” às postagens de que gosta. Expressa entusiasmo por alguma coisa clicando em um coraçãozinho vermelho. Mas o dialeto da conexão é manipulado para se tornar uma espécie de capital: quantos “likes” você conseguiu? Quantos “amigos” você tem?

Ainda que muita gente empregue a mídia social para conexão, para falar com amigos ou parentes distantes, nos 10 últimos anos, o Facebook provou que não é simplesmente o modelo inocente de conexão social que Zuckerberg retratava. “A Rede Social” enfatizava, corretamente, a plataforma como empresa –algo em que investir—, e na vida real ela se tornou uma mídia conhecida por invasões de privacidade e pela disseminação de informações falsas, retórica hostil e propaganda política.

O novo documentário “O Dilema das Redes”, da Netflix, trata das práticas antiéticas das companhias de mídia social, que recolhem informações sobre nós, retêm nossa atenção e nos influenciam –os produtos que compramos, as perspectivas que valorizamos— no interesse de realizar lucros, acima de tudo. Até mesmo o nome do filme de Fincher alude a todas as conotações profissionais e impessoais desses sistemas.

Quando o coronavírus surgiu, fomos todos forçados a nos manter em nossos aposentos separados, como crianças de castigo, e o mundo pareceu estar pausado. O tempo passou a se arrastar, quando as pessoas tiveram de se afastar dos entes queridos. Mas a mídia social continuou a funcionar, é claro.

Naquelas primeiras semanas, no Facebook, que eu usava apenas esporadicamente há diversos anos, terminei me perdendo em diversos labirintos, em busca de velhos amigos. De alguma forma, quando nossas estruturas sociais reais pararam de funcionar, as artificiais –Facebook, Twitter, Instagram– não foram capazes de oferecer um substituto adequado.

Mas elas continuam a parecer um mal necessário. Quando “A Rede Social” chegou aos cinemas, eu já tinha abandonado diversas contas de Facebook, antes de me conformar à necessidade de continuar sendo parte da rede. Era tarde demais para combatê-la; eu sentia necessitar do Facebook para manter minha vida social e minha vida profissional. Mas, a cada vez que me conecto, percebo o véu: ingresso em um espaço artificial, com uma linguagem própria, intangível e vazia.

No final do filme, Mark está sentado em uma sala de conselho, sozinho, depois de um dia inteiro de advogados e de perguntas. Ele encontra o perfil de sua ex e tenta registrá-la como amiga, atualizando a página repetidas vezes. Mark construiu todo um império de mídia social por conta de seu amargor depois que o relacionamento entre eles terminou, acreditando ter direito a esse relacionamento, a essa afeição. Mas o site que ele criou para conectar as pessoas faz com que ele se sinta cada vez mais desconectado –da ex, dos amigos e de todo mundo mais.

Em 2020, com o mundo paralisado, aprendemos todas as maneiras pelas quais podemos definir distância, e a mídia social –como um filme cínico previu– é uma delas.

The New York Times
Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem