Paulo Barros diz que pensou em se aposentar do Carnaval, mas voltou atrás: 'Resgatei a alegria'
Carnavalesco fala sobre enredo 'mal assombrado' da Vila Isabel, e dos planos fora da Sapucaí
Faltando duas semanas para os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, Paulo Barros, 62, diz estar feliz. Depois de um período de desânimo, o carnavalesco reencontrou a alegria de criar desfiles grandiosos e impactantes.
"Talvez por isso tenha dito que esse enredo é o da minha vida, porque resgatei a minha própria vida", afirma sobre "Quanto Mais Eu Rezo, Mais Assombração Aparece", que ele desenvolveu para a Vila Isabel. Só no carro abre-alas, que um trem fantasma, o F5 apurou que virão 200 integrantes da escola.
Completando 32 anos de carreira, o ex-comissário de bordo, nascido no município de Nilópolis (mas que nunca trabalhou na Beija-Flor), conta que a ideia para o desfile veio de uma sugestão, assim como aconteceu com o cultuado "É Segredo", da Unidos da Tijuca em 2010 (o primeiro de quatro títulos que ganhou), e que o processo de criação sempre envolve pesquisa e intuição.
Seu diferencial, acredita, é imprimir uma marca própria para não ser "mais um". "Se eu não trouxesse algo que fosse meu, ia ser alijado. O que segura a cadeira é o que você faz, o que você cria, o que você causa.", explica.
Ao F5, Barros diz que já pensou em parar, mas hoje tem planos ambiciosos além da avenida. Ele quer criar um espetáculo sobre cultura popular brasileira, mas lamenta a falta de recursos. "Está tudo montado na minha cabeça, mas essas coisas custam muito dinheiro", comenta.
Confira os principais trechos da entrevista abaixo.
Como surgiu a ideia de "Quanto Mais Eu Rezo, Mais Assombração Aparece", seu terceiro enredo consecutivo na Vila Isabel?
Ele foi desenvolvido a partir de uma sugestão. Me sugeriram falar sobre assombrações e, quando as pessoas me sugerem temas, eu paro, penso e corro atrás. Em 2010, aconteceu exatamente isso. Um menino chegou e falou: "Você podia falar de segredos". Opa! Tem alguma coisa aí! Então comecei a pesquisar e montei o enredo.
Então o enredo partiu de uma sugestão...
Sim. Mas é um enredo, obviamente, criado e desenvolvido dentro das minhas ideias. Montei uma viagem imaginária que estamos fazendo através de um trem fantasma.
Você começou como carnavalesco em 1993, na Vizinha Faladeira, e está completando 32 anos de carreira. Como faz para manter a empolgação?
Sempre tive muito carinho, dedicação e tesão por fazer Carnaval, mas de 2018, 2019 pra cá, até o ano passado, essa alegria tinha cessado. Eu estava muito triste comigo mesmo e não entendia essa tristeza. A gente sempre procura atribuir responsabilidade e culpa a coisas que não são nossas. Você vai criando uma nuvem preta na cabeça e cheguei a dizer que estava cansado e que não queria mais.
O que aconteceu?
Uma pessoa me deu um choque de realidade. Disse: "O problema não é ninguém. O problema é você, que está colocando essa tristeza em cima do seu espírito". Isso foi no começo do ano passado. O erro estava comigo, a tristeza era minha, e não da escola ou de outra pessoa. Tem que se olhar no espelho e fazer uma reflexão: "Reaja!".
Não procurou ajuda de um psicólogo ou uma terapia?
Não, não. Graças a Deus, não precisei. O choque que levei me fez acordar e, logo depois, apareceu esse enredo de assombrações. Resgatei a alegria de novo e estou feliz da vida. Talvez por isso eu tenha dito que esse era o enredo da minha vida, porque resgatei a minha própria vida, entendeu?
Quando começou, em 1993, você esperava chegar onde chegou? Achava que se tornaria um dos carnavalescos mais importantes do Carnaval carioca?
Olha, não me coloco num lugar de destaque ou penso: "Nossa, sou um divisor de águas, eu me transformei". Você viu aquele quadro ali? [Ele aponta para uma reportagem emoldurada.] O Boni escreveu: "O homem que revolucionou o Carnaval carioca". Nunca me vi numa situação do tipo: "Eu vou chegar lá porque quero revolucionar o Carnaval".
Como você se via?
Quando comecei, fazia Carnaval baseado no seguinte: gosto, adoro isso e acho que é o que quero fazer da minha vida. Mas, de 2003 para 2004, quando fui para a Unidos da Tijuca, sentei e pensei que precisava de uma estratégia. Eu iria competir com outros 14, 15 ou 16 carnavalescos. Aprendi com todos eles, mas sabia que precisava imprimir algo que fosse meu. Se não, eu seria descartado, apenas mais um.
A estratégia era ser diferenciado?
Exato. Não queria ser comparado ou visto como mais um, entendeu? Então, foi uma estratégia para me manter, para pontuar e garantir meu espaço. Vi e ainda vejo muitos carnavalescos que não conseguem segurar a posição. E, para mim, o que mantém o meu lugar é o que faço, crio e causo. Meu sentimento ao fazer Carnaval é criar emoções diversas nas pessoas. Quem paga ingresso quer rir, chorar, pular, gritar, se divertir e se emocionar. Eu procuro capturar todas essas sensações e colocá-las no meu desfile.
Seus enredos são mais futuristas, hollywoodianos... Você não faz temas indígenas, religiosos...
(interrompendo) Não gosto. Acho um saco porque é uma receita pronta. Nada contra, tenho todo o respeito. Acho lindos enredos culturais e, nesse agora, 98% dos personagens são brasileiros, como o Boitatá, Curupira, Saci-Pererê e Lobisomem. Só que as pessoas sempre acham que estou fazendo um enredo buscando algo hollywoodiano. Não tem nada disso.
Que enredo seu considera inesquecível?
Se me perguntar qual meu carro alegórico preferido, te digo uns 20 ou 30. Se perguntar qual meu enredo preferido, tenho vários. Não tem "aquele", porque cada um me causou um tipo de alegria e sensação. "É Segredo!" [que lhe rendeu o primeiro campeonato, em 2010, pela Unidos da Tijuca] me deu a sensação de conquista. O enredo da Portela [em homenagem a Paulinho da Viola] trouxe o campeonato para escola após 30 anos e ai vem a sensação de dever cumprido. Outros não emplacaram no julgamento ou perante o público, mas foda-se, para mim, se tornaram ícones da minha carreira.
Qual deles?
O que fiz aqui na Vila Isabel em 2018 ["Corra que o Futuro Vem Aí"]. Era um enredo sobre o futuro e invenções e, para mim, foi um dos melhores em termos de fantasias. Foram super detonadas por essa mídia cafajeste entendedora de Carnaval da bolha, entendeu? Mas foda-se, continuo achando que aquele desfile alimentou minha alma. De vez em quando, eu o assisto.
Você ainda dorme no barracão?
Dormi muito e virava a noite. Hoje, não faço mais isso porque a gente tem que ter consciência de que é preciso uma vida mais tranquila. Há quatro anos, eu enfartei e pensei: "Calma aí, Paulo. Segura a onda e cada coisa no seu lugar, na sua hora".
Pelo menos relaxa no dia do desfile?
É o pior dia da minha vida (risos). Eu sou outra pessoa. Não chega perto de mim... Não enxergo nada, não sei quem está do meu lado.
Mas a gente vê você pulando e sambado no final do desfile...
Ah, sim... Depois que entra o último carro, acabou meu estresse. Fico ali naquela curva maldita para entrar na Sapucaí vendo a escola entrar e atento para evitar que alguém faça alguma merda. E sempre tem alguém querendo se meter ali que não é para se meter. Então eu estou ali de guarda-costas do guarda-costas. Tenso.
E você ainda tem muita lenha para queimar? Ou pensa em se aposentar?
Se você me perguntasse isso há dois anos, eu diria que já tinha queimado tudo. Queria mesmo jogar um balde de água na lenha e ir para casa. Hoje, te digo que já estou comprando um caminhão de lenha novo.
Comentários
Ver todos os comentários