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Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

Jennifer Grey, de 'Dirty Dancing', recorda plástica e implosão da carreira

Aos 62 anos, atriz assume o controle e escreve livro de memórias

Jennifer Grey

Jennifer Grey Yudi Ela - 1º.abr.22/The New York Times

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Elisabeth Egan
The New York Times

Jennifer Grey chegou para o café da manhã no Peninsula Hotel de Beverly Hills, recentemente, pedindo desculpas pelo estado de sua camisa e de seu cabelo. (Os dois pareciam impecáveis.) Antes de o garçom ter a oportunidade de servir o café, a estrela de "Dirty Dancing – Ritmo Quente" fez uma pergunta que poderia muito bem servir como subtítulo para seu livro de memórias, "Out of the Corner", que sai nos Estados Unidos pela editora Ballantine no dia 3 de maio. "Por que será que eu acho que tudo tem que estar na mais perfeita ordem para ser suficiente?"

Alguns atores se fingem de tímidos em suas autobiografias, forçando os leitores a mergulhar em memórias anódinas de infância e revelações tépidas quanto à fama antes de "abrirem o quimono" (termo usado por Grey) sobre os temas pelos quais são mais conhecidos. Grey não se comporta assim, em pessoa —ela é receptiva, calorosa e está determinada a estabelecer uma conexão– ou em seu livro, que começa por um prólogo de 17 páginas sobre seu nariz e as cirurgias plásticas que tiraram sua carreira dos eixos e (quase) roubaram sua identidade.

Aos 62 anos, Grey está pronta para tomar o controle de uma narrativa que está em domínio público há tempo demais, e que com isso atingiu um status quase mitológico. Em 2007, por exemplo, o The New York Times se referiu à "síndrome de Jennifer Grey" –o fenômeno de uma cirurgia plástica agressiva demais– como se todo mundo soubesse o que a expressão significa. Por quanto tempo uma pessoa deve pagar por uma decisão pessoal? E por que qualquer ser humano deveria ser resumido a apenas o personagem titular de uma piada sem graça?

Antes de nos dedicarmos ao tema do "armaggedon nasal", como Grey o define, é melhor recuar um pouco para explicar a situação aos leitores jovens demais para entender a importância do acontecido.

Em 1986, Grey conquistou o papel de "Baby" Houseman, a principal personagem feminina de "Dirty Dancing – Ritmo Quente", uma adolescente que se apaixona por um professor de dança gostosão (interpretado por Patrick Swayze) durante uma viagem de férias a um resort nas montanhas Catskills chamado Kellerman’s. O filme teve um orçamento de US$ 6 milhões (R$ 27 milhões) e faturou US$ 214 milhões (R$ 988 milhões) nas bilheterias e, como escreveu o editor de cinema do The New York Times em seu 10º aniversário, "rapidamente se tornou um fenômeno, de uma forma que ninguém que esteve associado a ele consegue compreender, mesmo depois de tanto tempo".

Um dos diálogos de Swayze, "ninguém deixa Baby de lado", se tornou um dos lemas dos jovens insatisfeitos da geração X –que aparentemente gostavam tanto de rumba, romance e nostalgia quanto as pessoas das demais gerações, como o filme revelou. Shorts de brim com as bainhas viradas e Keds brancos se tornaram o uniforme oficial de verão de todas os adolescentes, ainda que nem todas as permanentes e cabelos clareados com a ajuda de Sun-In criassem ondas cor de mel como as do cabelo de Grey no filme. Aos 27 anos, e depois de receber um cachê de US$ 50 mil (R$ 230 mil) pelo trabalho, seu nome se tornou famoso em todo o planeta.

"Depois do filme, eu me transformei na namoradinha dos Estados Unidos, o que você talvez imagine que tenha aberto as portas para que eu realizasse todos os meus sonhos e esperanças", escreve Grey, filha de um ator premiado com o Oscar, Joel Grey, e neta de Mickey Katz, humorista e músico que talvez tivesse se apresentado no Kellerman’s, se o hotel existisse de verdade. "Mas as coisas não seguiram esse caminho. Para começar, não havia papéis sobrando para atrizes parecidas comigo. Meu suposto ‘problema’ não era realmente um problema para mim, mas, já que aparentava ser um problema para outras pessoas, e que não parecia que estivesse a caminho de desaparecer, terminou por se tornar um problema também para mim". "Estava bem na minha cara. Na verdade, no meu nariz", ela disse.

Seguindo os conselhos de sua mãe e de três cirurgiões plásticos –um dos quais mencionou ter assistido a "Dirty Dancing – Ritmo Quente" e pensado "por que aquela menina ainda não operou o nariz?"—, Grey passou por duas cirurgias para fazer uma "sintonia fina" do seu apêndice nasal. A segunda, que deveria corrigir uma irregularidade causada pela primeira, foi mais agressiva do que a atriz esperava. O novo nariz que lhe foi dado parecia "truncado" e "encolhido". Grey se tornou irreconhecível, mesmo para pessoas que a conheciam há anos. Fotógrafos que a seguiam um mês antes passaram a nem reconhecê-la quando ela caminhava pelo tapete vermelho.

Ela se lembra de uma funcionária de uma companhia de aviação que olhou para sua carteira de motorista e disse, "oh, Jennifer Grey, como a atriz". E quando Grey respondeu que "sou eu, a atriz", a mulher rebateu dizendo que tinha assistido a "Dirty Dancing – Ritmo Quente" uma dúzia de vezes. "Conheço Jennifer Grey. Não é você". "Do dia para a noite perdi minha identidade e minha carreira", disse a atriz.

Nas duas horas que ela passou sentada em um dos reservados do restaurante de Beverly Hills, comendo um ovo cozido, passando manteiga em suas torradas de pão de centeio e conversando sobre seu livro, só uma pessoa parece ter reconhecido Grey. O rosto da mulher se acendeu, e depois se abrandou como se ela tivesse encontrado uma velha amiga que sobreviveu a um terrível sofrimento.

"Ser incompreendida em escala mundial foi muito doloroso", disse Grey. "Acho que as pessoas realmente amam pensar em preto e branco. Já eu prefiro o cinzento. Meu sobrenome não poderia ser melhor" [Grey quer dizer "cinzento", em inglês].

Os leitores podem estar imaginando por que a atriz decidiu escrever sobre sua vida agora, décadas depois de muitos dos acontecimentos de que ela trata. Grey –como Baby Houseman, que estava a ponto de começa a universidade em Mount Holyoke e depois queria trabalhar no Peace Corps– está começando uma nova fase de sua vida. Em julho de 2020, ela anunciou no Instagram que seu casamento com Clark Gregg estava chegando ao fim, depois de 19 anos. Stella, 20, a filha do casal, está trabalhando como atriz. Não que isso tenha algo a ver com a publicação de suas memórias, mas Dorothy, o cachorro da família, que tinha 16 anos, morreu três dias antes de nossa conversa –outro ponto de inflexão.

No caso de Grey, há uma sensação de final mas também de recomeço. Vale a pena ter em mente que o nariz que lhe valeu milhares de ataques, piadas e críticas agora existe há mais tempo do que aquele com o qual ela estreou, em um comercial para os refrigerantes Dr. Pepper, em 1979.

"Se você leva uma vida pública, de qualquer maneira que seja, existe uma sensação de que você é impenetrável, ou de que sacrificou a sua privacidade", disse Dani Shapiro, escritora e amiga de Grey. Quanto ao momento de lançamento do livro, ela acrescentou que "a hora que você escolhe para contar uma história também é uma história. Existem livros escritos por raiva, vingança ou acerto de contas. Mas não é o caso, nesse".

Em 2010, depois de anos de trabalhos de voz, participações em "Friends", "Greys’s Anatomy" e uma passagem pela sitcom "It’s Like... You Know", que foi cancelada rapidamente e na qual ela interpretava uma versão fictícia de si mesma, Grey fez parte do programa "Dancing With the Stars", e venceu a competição. Foi então que a ideia para "Out of the Corner" começou a se formar.

Ela tinha uma coleção "esfarrapada e irregular" de diários que manteve dos 14 aos 41 anos, e por isso havia material básico suficiente para trabalhar. "Comecei a olhar para os pontos altos e os pontos baixos, e a maneira pela qual me adaptei a todas as viradas dramáticas. Escrevi cada palavra de meu livro sozinha, o que é bem incomum".

De abril a setembro de 2021, ela passou por sessões diárias de "coaching", via Zoom, com Barbara Jones, editora e veterana do ramo editorial que a ajudou a dar forma às suas memórias "A primeira coisa que Jennifer fez foi me dar um manuscrito imenso, algo que ela definiu como ‘a tralha toda’", disse Jones. "Ela é uma das pessoas mais verbais que já conheci. Eu dizia que ela precisava de uma palavra em algum lugar que quisesse dizer tal coisa, e Jennifer logo aparecia com 10 sinônimos, instantaneamente. E aí escolhia o certo".

"Out of the Corner" não trata só de arrependimentos, sobrevivência ou reinvenção. É um livro divertido, revelador e ocasionalmente sofrido, uma história de amadurecimento que inclui lembranças de Grey sobre invadir o ritual noturno de dividir um doce que seus pais compartilhavam, cabular aulas em Dalton e cantar músicas da Broadway nas festas de fim de ano de Hal Prince, com Stephen Sondheim ao piano Steinway. Há escapadas com Madonna, Johnny Depp e Tracy Pollan (cujos jeans "vintage" inspiraram o figurino de "Dirty Dancing – Ritmo Quente"), e vislumbres dos anos vida louca da atriz (pense em sexo, cocaína e Studio 54, "embora as pessoas cool não chamassem o lugar assim –era ou Studio ou 54").

Há a alegria de Grey ao conquistar um papel muito ambicionado em "Cotton Club", seguida pelo inesperado anúncio do diretor Francis Ford Coppola, "feito com a despreocupação de alguém que pergunta ao garçom se as lulas estão bem no ponto", de que ela teria de filmar sua primeira cena de nudez Ela escreve: "Se eu não podia confiar em Francis para tomar conta de mim como atriz, em quem confiaria?"

(Quando perguntada de que maneira reagiria a esse tipo de tratamento agora, Grey respondeu que "se acontecesse com minha filha, eu mataria todos eles".)

Também há revelações sobre o tumultuado romance que ela teve com Matthew Broderick, cuja irmã ranzinza ela interpretou em "Curtindo a Vida Adoidado". Ela se lembra de ele ter dito, um dia antes de sua audição para "Dirty Dancing – Ritmo Quente", que "de jeito nenhum você vai conseguir o trabalho. Eles estão testando todo mundo para esse papel".

Pouco antes da estreia do filme, Broderick e Grey se envolveram em um acidente de carro na Irlanda, no qual duas pessoas morreram. Ele estava ao volante e sofreu ferimentos graves. Trinta anos mais tarde, Grey teria de passar por uma cirurgia na espinha como resultado da colisão frontal. Mas, enquanto isso, notícias sobre o acidente –e questões sobre ele– a acompanhavam, na esteira de seu maior sucesso. Howard Stern brincou a respeito em seu programa de rádio; Bryant Gumbel perguntou a ela sobre o acontecido durante um segmento do "Today Show" que supostamente deveria ser sobre "Dirty Dancing – Ritmo Quente".

"A ideia de que a tragédia mais traumática e a experiência mais impactante de minha vida foram misturadas..." (Grey ergue as mãos, até a altura dos ombros, e as bate com força.) "As duas coisas se misturaram inextricavelmente. O prazer daquele momento, a surpresa do sucesso... a sensação nunca foi boa. Jamais senti aquilo que tinha tido a esperança de sentir, por toda minha vida".

Ela acrescentou que "nós éramos jovens demais. E não passa uma semana sem que eu me lembre daquilo. Em que eu não pense sobre aquelas famílias. Em que eu não pense sobre Matthew. É como eu sou. É parte do meu mapa topográfico, da paisagem de minha vida".

Jamie Lee Curtis, amiga de Grey, ajudou a criar a capa de "Out of the Corner", usando o que descreve como "técnicas de faça você mesmo que aprendi com os meus apps". A imagem que ela escolheu é casual, com um ar retrô. "Não é nada de fantasioso. Não é uma foto para revista. Há uma confiança, um senso de que ela está estabelecendo quem é. Parece que ela está à beira de alguma coisa".

Grey espera que leitores que sentem ser vítimas de alguma coisa, ou que se sentem paralisados, se inspirem com sua história. "É como as vitaminas dos Flintstones: têm gosto de doce, mas você está recebendo alguma coisa de que precisa".

"Sou a pessoa que os outros associam a ‘ninguém deixa Baby de lado’. Se eu morresse, escreveriam isso em minha lápide", ela disse. "Em meu passado, eu senti algumas vezes que fui deixada de lado. Mas quando comecei a escrever, percebi que muitas dessas coisas fui eu que escolhi". Grey acrescentou que "a verdade é que, quando eu tinha todas aquelas coisas boas, eu com certeza não era nem perto de tão livre quanto me sinto hoje".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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