Celebridades

Suicídio da estrela britânica Caroline Flack gera disputa para saber quem leva a culpa

Público faz apelo nas redes sociais para limitar ação da mídia sensacionalista

Caroline Flack
Caroline Flack - Suzanne Plunkett/Reuters
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Alex Marshall

Na noite de sábado, surgiu no Reino Unido a notícia de que Caroline Flack –ex-apresentadora de “Love Island”, um reality show muito popular– havia se suicidado.

Nas horas seguintes, a mídia social do país se viu tomada por tributos à estrela, que morreu enquanto aguardava julgamento por agredir seu namorado. Mas esses tributos logo se viram sobrepujados por algo mais: apelos por uma nova lei, que levaria o nome de Flack, para impedir que os jornais sensacionalistas britânicos publiquem reportagens que invadem incansavelmente as vidas privadas das celebridades do país.

Flack era presença constante nos jornais sensacionalistas, depois de seus romances com o príncipe Harry e com o cantor Harry Styles, e os usuários de mídia acusaram os jornais de prejudicar sua saúde mental. “A mídia britânica é a cloaca de nossa sociedade”, escreveu um usuário do Twitter, acrescentando o hashtag #carolineslaw.

Na segunda-feira, uma petição online apelando por uma lei que impeça os jornais de “compartilhar informações privadas prejudiciais a uma celebridade, sua saúde mental e as pessoas que a cercam” rapidamente obteve mais de 400 mil assinaturas.

Políticos também entraram na fila para criticar os jornais sensacionalistas, e os assinantes que postam comentários odiosos na mídia social. A imprensa “também precisa assumir a responsabilidade”, disse Keir Starmer, o favorito para se tornar o próximo líder do Partido Trabalhista britânico, a jornalistas, acusando a mídia de amplificar os comentários negativos que circulam na mídia social.

Esses debates passaram despercebidos pelos leitores dos jornais sensacionalistas britânicos na segunda-feira. O The Sun –o jornal mais criticado, com alguns usuários de mídia social chegando a apelar por um boicote– dedicou sete páginas à morte de Flack. A primeira página da edição da segunda-feira trazia críticas à promotoria pública britânica por sua “perseguição à frágil Caroline Flack”, e por forçá-la a encarar um julgamento.

As autoridades decidiram levar adiante a acusação por agressão mesmo que soubessem que Flack havia se automutilado durante a suposta agressão, disse o The Sun. No ano passado, o jornal cobriu detalhadamente as acusações de agressão contra Flack, chegando a chamá-la de “Caroline Whack” [pancada].

O rancor despertado pelo suicídio de Flack é só a mais recente ocasião em que os jornais sensacionalistas do Reino Unido foram colocados sob escrutínio. O incidente aconteceu apenas algumas semanas depois que Meghan Markle e o príncipe Harry, que se queixaram repetidamente da intrusão da imprensa em suas vidas, voltaram a ameaçar processos judiciais contra diversos jornais sensacionalistas britânicos que publicaram fotos invasivas.

Mas comentaristas de mídia disseram não acreditar que os apelos pela #carolineslaw venham a encontrar mais sucesso do que campanhas passadas para reforçar as leis de defesa da privacidade no Reino Unido. E tampouco esperam que a campanha reduza o interesse do público por histórias desse tipo, que tendem a ser populares na mídia social.

“Essa é uma das grandes hipocrisias do público britânico, a de que eles se divertem lendo, e muitas vezes escrevendo, sobre essas celebridades e, quando as coisas ficam ruins, se voltam contra a mídia e afirmam que é tudo culpa da imprensa”, disse Roy Greenslade, colunista de mídia do jornal The Guardian, em entrevista por telefone.

Greenslade trabalhou no The Sun e foi editor do The Daily Mirror, outro jornal sensacionalista. Ele disse que vive metade do ano na Irlanda e que parecia haver “menos apetite” lá pela leitura de fofocas sobre celebridades. Isso também se aplica a outros países europeus como a França e a Noruega. Ele disse que há publicações de fofocas em outros mercados –mencionou o National Enquirer, dos Estados Unidos, como exemplo– mas elas não são encaradas ao mesmo tempo como jornais sérios, o que acontece com os jornais sensacionalistas britânicos.

Adrian Bingham, historiador que escreveu uma história da imprensa sensacionalista do Reino Unido, disse em entrevista por telefone que o foco dos jornais britânicos na vida pessoal de celebridades surgiu na década de 1930, como resultado da concorrência entre publicações por furos de reportagem. “As pessoas faziam qualquer coisa, naquela época. Se pudessem ter colocado escutas em telefones, na década de 1930, o teriam feito”.

Ele não imagina que surjam resultados dos apelos pela #carolineslaw. A morte da princesa Diana, em um acidente de carro enquanto estava sendo perseguida por jornalistas, “não resultou em coisa alguma de significativo” em termos de regulamentação da imprensa, ele disse. Flack não era uma celebridade tão grande, e os jornais já estavam transferindo a culpa a terceiros, como a procuradoria pública britânica ou os produtores de “Love Island”.

Na segunda-feira, a primeira página do “Daily Mail” afirmava que Flack temia um “julgamento viciado”. O jornal também publicou um artigo de opinião afirmado que Flack havia sido “julgada e condenada pelo impiedoso tribunal da mídia social”.

O The Daily Star, mais um jornal sensacionalista, concentrou muito de sua cobertura da morte de Flack em um ataque à ITV, a companhia de televisão que transmite “Love Island”, com fãs questionando se a empresa a havia apoiado o suficiente depois que Flack deixou o programa por conta da agressão. “Será que os jornais sensacionalistas a mataram?”, perguntou David Yelland, ex-editor do The Sun e editor assistente do The New York Post, em mensagem de email.

“Creio que a realidade seja que os jornais populares são hoje apenas uma parte da ecologia tóxica que as pessoas muito famosas precisam enfrentar”. A mídia social e os jornais sensacionalistas “se alimentam mutuamente de uma maneira que cria um inferno em vida para as celebridades que sejam apanhadas no lugar errado e na hora errada”, ele acrescentou. “As coisas parecem estar piorando, e não existem respostas simples”.

Flack ganhou fama de um modo que é comum no Reino Unido, começando por sucesso em programas infantis e mais tarde se envolvendo em reality shows como “I’m a Celebrity … Get Me Out of Here”. Em 2014, ela ganhou o reality show de dança “Strictly Come Dancing”, um dos programas mais populares da TV britânica, e no ano seguinte se tornou apresentadora de “Love Island”, um programa em que os participantes vivem em uma casa luxuosa.

O programa gerou debates no Reino Unido sobre a ética dos reality shows de TV, depois que diversos ex-participantes se suicidaram. A exibição de episódios de sua mais recente temporada foi suspensa no sábado e no domingo, depois da morte de Flack, ainda que o programa deva voltar ao ar na noite de segunda-feira (24).

Ao longo de sua carreira, Flack sempre atraiu a atenção dos jornais sensacionalistas. Na segunda-feira, o The Sun publicou um artigo de duas páginas concentrado em como os pontos altos de sua carreira “sempre coincidiram com dificuldades pessoais graves”. O artigo menciona seus romances frustrados, surtos de depressão e uso de antidepressivos.

“Em um padrão que costuma se repetir constantemente, sua carreira decolou mas sua vida pessoal estava em frangalhos”, o jornal afirmou, depois de discutir o primeiro romance de Flack com uma figura pública.

Em outubro de 2019, na época do Dia Mundial da Saúde Mental, Flack escreveu sobre suas recentes dificuldades, no Instagram. “Estive bem estranha nas últimas semanas”, ela afirmou. “Acho que pela ansiedade e a pressão da vida e quando busquei a ajuda de alguém, a pessoa rebateu que eu estava sempre me queixando”.“Sejam gentis com as pessoas”, ela acrescentou. “Vocês nunca sabem o que está acontecendo. Nunca”.

Greenslade disse que soube da mensagem e a definiu como “um apelo adorável” e que ele apoia. Mas, acrescentou, “se você é uma celebridade e depende de sua presença na mídia para ganhar fama e assim ganhar dinheiro, é difícil desligar a torneira na hora em que deseja”. 

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci.

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