Celebridades

Atriz de 'Bull' fez acordo secreto de US$ 9,5 milhões com a CBS após se queixar por assédio

Emissora fez acordo para que atriz não se manifestasse

 Eliza Dushku e Michael Weatherly na série da CBS "Bull".
Eliza Dushku e Michael Weatherly na série da CBS "Bull". - CreditCreditBarbara Nitke/CBS
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Rachel Abrams John Koblin

​Em março de 2017, Eliza Dushku, atriz conhecida por seu trabalho em "Buffy, a Caça Vampiros", assinou contrato para um papel importante em três episódios de "Bull", uma série dramática que a rede de TV americana CBS exibe no horário nobre. Havia planos de inclui-la no elenco fixo da série.​

A passagem dela pela série começou de modo promissor. O astro de "Bull", Michael Weatherly - que há 15 anos é um dos atores mais conhecidos na programação do horário nobre da emissora -, parecia amistoso. E um produtor e roteirista de "Bull", Glenn Gordon Caron, disse a Dushku que ela seria mais que um par romântico.

Mas em seguida surgiram diversos comentários que causaram desconforto a Dushku. Diante do elenco e da equipe, Weatherly comentou sobre a aparência da colega, fez uma piada sobre estupro e falou em sexo a três. Pouco depois, Dushku se queixou ao astro da série sobre o acontecido, e seu personagem terminou excluído da série. Ela acredita que sua passagem por "Bull" tenha sido encerrada abruptamente em retaliação por suas queixas.

Depois de procedimentos de mediação, a CBS aceitou um acordo sigiloso que indenizaria a atriz em US$ 9,5 milhões, o equivalente ao que Dushku teria faturado com sua participação na série caso fizesse parte do elenco por quatro temporadas.

Detalhes sobre as experiências da atriz em "Bull" e sobre o acordo confidencial a que ela chegou com a rede emergiram durante uma investigação iniciada em agosto, quando o conselho da CBS contratou os escritórios de advocacia Covington & Burling e Debevoise & Plimpton para examinar acusações de delitos de conduta sexual apresentadas por diversas mulheres contra Leslie Moonves, então presidente-executivo da companhia. O conselho também instruiu os advogados externos a investigar "questões culturais em todos os níveis da CBS".

Em uma minuta do texto final do relatório de investigação vista pelo The New York Times, os advogados afirmaram que a maneira pela qual a empresa tratou as queixas de Dushku foi não só errada mas emblemática de problemas maiores em sua estrutura. Diante de acusações de delitos, a empresa tinha a tendência de se proteger, em detrimento das vítimas, escreveram os investigadores.

Dushku não quis comentar para este artigo. Em comunicado divulgado na quarta-feira, a CBS confirmou o acordo e prometeu melhorar suas condições de trabalho.

"As afirmações que Dushku fez em sua queixa são um exemplo de que, embora continuemos a manter o compromisso para com uma cultura definida por um local de trabalho seguro, inclusivo e respeitoso, ainda nos resta muito trabalho a fazer", afirma o comunicado da CBS. "O acordo quanto a essas queixas reflete as quantias que Dushku teria recebido pelo restante de seu contrato se fosse personagem regular da série, determinadas com base em um processo de mediação aceito por ambas as partes, no momento da queixa".

Weatherly enviou um email ao The New York Times no qual pede desculpas por seu comportamento com relação a Dushku.

"No curso da gravação de nosso programa, fiz algumas brincadeiras que zombavam de certas linhas de diálogo", Weatherly escreveu em sua mensagem. "Quando Eliza me disse que não se sentia confortável com minha linguagem e tentativas de humor, fiquei arrasado por tê-la ofendido e pedi desculpas imediatamente. Depois de refletir mais longamente sobre o acontecido, compreendo melhor que aquilo que eu disse era tanto sem graça quanto inapropriado, e estou arrependido e lamento a dor que isso causou a Eliza".

EXCLUÍDA DA TRAMA

Quando Dushku assinou para fazer sua participação especial em "Bull",  pelo cachê de US$ 35 mil por episódio - valor que teria crescido significativamente se ela tivesse se continuado na série -, havia "planos bem desenvolvidos" para que ela se tornasse integrante regular do elenco, de acordo com o texto provisório do relatório dos investigadores.

As conclusões da investigação mostram de que forma Dushku buscou corrigir uma conduta que considerou aviltante, por que ela acreditava ter sofrido retaliação, e de que forma um importante advogado da CBS tentou solapar suas queixas recorrendo a uma visão que os investigadores descreveram como "antiquada" sobre como uma mulher deveria se comportar no local de trabalho.

Dushku interpretava J.P. Nunnelly, uma advogada criminal, em "Bull". Embora seu personagem e o de Weatherly devessem manter um flerte continuado, o produtor, Caron, afirmou que "não queria intimidade" entre eles até a quinta temporada da série, de acordo com anotações feitas por uma pessoa que participou de um depoimento de Dushku aos investigadores, em setembro.

Mas não demorou para que Weatherly começasse a fazer comentários que causavam desconforto à colega. "Lá vem aquelas pernas", ele disse, em um dia em que Dushku estava usando um tailleur, de acordo com as anotações sobre a entrevista. Em outra ocasião, disse a atriz aos investigadores, Weatherly comentou, diante de colegas de elenco e da equipe do seriado, que gostaria de colocá-la de bruços em seu colo e dar-lhe umas palmadas.

Em entrevista, Weatherly disse que fez o comentário sobre as palmadas como brincadeira. "Improvisei uma brincadeira, um diálogo clássico de Cary Grant em filmes como 'Charada' ou 'Núpcias de Escândalo', e não quis dizer de maneira alguma que aquela era uma ação que eu gostaria de realizar", ele disse.

Dushku também descreveu aos investigadores um momento no estúdio em que, na pele da personagem, ela fazia um gesto usando três dedos. Em resposta, ela diz, Weatherly sugeriu - causando risadas na equipe - que ela queria fazer sexo a três com ele e outro homem do elenco.

Dushku interpretou J.P. Nunnelly, uma advogada de defesa criminal, em "Bull" no ano passado.
Dushku interpretou J.P. Nunnelly, uma advogada de defesa criminal, em "Bull" no ano passado. - David M. Russell/CBS

Por conta de seu status na série, o comportamento de Weatherly influenciava os demais, na opinião de Dushku. Ela disse que um membro da equipe a abordou, mais tarde, e disse, rindo, que "apoio o Bull", antes de dizer que gostaria de participar de um trio sexual com ela.

O diálogo fez com que a atriz sentisse "repulsa, como se tivesse sido violada", de acordo com as notas sobre a entrevista.

Weatherly disse que ao mencionar sexo a três, ele não estava falando sobre Dushku fazer sexo com ele e outro membro do elenco. "Enquanto estávamos filmando, no contexto da cena, ela ergueu três dedos, como que sugerindo alguma coisa", ele disse. "E eu improvisei: 'sexo a três?'"

Depois veio a gravação de uma cena que envolvia um furgão sem janelas. Diante das câmeras ligadas, do elenco e da equipe, Weatherly disse que levaria Dushku para sua "van do estupro", e acrescentou que o veículo estava repleto de objetos fálicos e lubrificante, de acordo com as anotações sobre a entrevista.

Ele afirma que a menção à "van do estupro" foi uma tentativa de piada que não deu certo. "O diálogo que constava do roteiro era 'ei, minha senhora, entre na minha van sem janelas", ele disse. "A linha não me agravada muito, e por isso fiz aquela piada, para mostrar que o diálogo enfatizava algo de mau gosto, sobre uma 'van do e.', uma van do estupro. O que em retrospecto não foi uma boa ideia".

Dushku mencionou suas preocupações a Caron, que pareceu receptivo, de acordo com as anotações sobre a entrevista, e eles concordaram em que ela deveria falar com Weatherly sobre o assunto.

A atriz começou dizendo ao colega que "todo mundo o amava", no estúdio, e seguia seu exemplo. Ela apontou que, depois do comentário dele sobre sexo a três, um membro da equipe havia lhe dito coisa parecida, de acordo com as anotações sobre a entrevista. Weatherly perguntou a Dushku quem havia feito o comentário, e por que ela não havia apresentado uma queixa. A atriz disse mais tarde aos advogados que não tinha a sensação de que houvesse "uma pessoa segura que eu pudesse procurar" com aquele tipo de queixa.

Depois da conversa, Weatherly enviou um SMS a David Stapf, presidente da CBS Television Studios, dizendo que gostaria de conversar com ele sobre o senso de humor de Dushku. Stapf respondeu que a série tinha melhorado com a presença dela, de acordo com as anotações sobre a entrevista.

Mais ou menos no mesmo período, Dushku expressou aos seus agentes a preocupação de que Weatherly pressionasse a CBS a demiti-la.

'EMBARAÇADA E HUMILHADA'

Em um dos dias finais de Dushku em "Bull", Weatherly insistiu em que ela ficasse para brindar com champanhe a conclusão de mais uma temporada. Dushku estranhou o convite, porque ela não voltaria para a nova temporada e já tinha deixado claro que não bebe.

Durante o brinde, Weatherly disse que precisava de "uma mulher realmente bonita" para selecionar o bilhete ganhador de uma rifa. "Eliza", ele disse diante de todos, de acordo com as anotações sobre a entrevista, "precisamos que você, a mais bonita das mulheres, venha aqui escolher o bilhete premiado".

Dushku, que estava encerrando sua passagem por "Bull", atendeu ao pedido, ainda que estivesse se sentindo "embaraçada e humilhada".

A atriz disse aos investigadores que havia relatado suas experiências em "Bull" a Leslee Feldman, executiva da produtora Amblin. "Se Steven um dia souber disso, vai ficar horrorizado", disse Feldman, mencionando Steven Spielberg, o presidente-executivo da Amblin Partners, de acordo com o que Dushku disse na entrevista. A Amblin se recusou a comentar.

Dushku considerou a possibilidade de processar a rede, mas optou por uma mediação com a CBS. Mark Engstrom, o vice-presidente de ética da rede, participou do processo, assim como Bettina Plevan, advogada do escritório Proskauer Rose, que assessorava a companhia.

Engstrom entregou cenas gravadas para "Bull" e excluídas da edição final, na crença de que isso beneficiasse a companhia porque elas mostravam Dushku dizendo palavrões no estúdio, escreveram os investigadores no texto provisório de seu relatório.

Mas a estratégia foi contraproducente. As cenas provaram ser uma "mina de ouro" para Dushku, porque "mostravam algumas cenas de assédio".

Ainda que os investigadores tenham elogiado Engstrom por seu "tremendo conhecimento institucional", e que ele tenha sido descrito como um advogado "muito inteligente e capaz", afirmaram que o não reconhecimento pela rede dos episódios de assédio registrados em vídeo era sintoma de um problema maior na CBS, de acordo com o texto. Engstrom não quis comentar.

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

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