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A comovente história de Lucy, cadela maltratada que inspirou nova lei sobre compra de cães no Reino Unido

Lucy foi forçada a reproduzir à exaustão numa 'fábrica de filhotes' no País de Gales
Lucy foi forçada a reproduzir à exaustão numa 'fábrica de filhotes' no País de Gales - BBC News Brasil/Our Dogs/Getty Images
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Descrição de chapéu BBC News Brasil
Sophie Hardach

Quando Lucy foi resgatada, ela sofria de epilepsia, problemas no quadril, na coluna e na pele. Resultado de anos de maus-tratos num canil no País de Gales, onde era forçada a reproduzir à exaustão. Lucy é uma cadela da raça cavalier king charles spaniel que passou boa parte da vida presa em uma jaula e já não reproduzia mais.

A história de Lucy, que acabou adotada por uma ativista britânica por direitos de animais, e ganhou três anos de carinho antes de morrer em 2016, virou mote de uma campanha contra as chamadas "fábricas de filhotes" e ajudou a mudar a legislação na Inglaterra para regular a venda de filhotes de cães e gatos.

Ativistas lutaram para acabar com a prática de alguns criadores que mantém fêmeas constantemente prenhes e, muitas vezes, em condições insalubres. A nova lei, prevista para entrar em vigor em 2020, exige que a compra ou adoção de animais com menos de seis meses de idade seja feita diretamente de criadores ou abrigos de animais.

Segundo o governo britânico, a medida inibe a atuação de terceiros no comércio de animais bem como de criadores que separam filhotes das mães até os primeiros seis meses e mantém os animais em situações degradantes forçando-os a procriar no limite de suas forças para aumentar a margem de lucro.

Foi exatamente isso que aconteceu com Lucy.

"Estava claro que pelo estado físico dela que foi submetida a condições terríveis. Mas, com muita paciência, Lucy acabou desfrutando felicidade na vida, apesar de curta", disse Lisa Garner, a ativista que adotou a cadela, em entrevista ao jornal britânico Mirror.

Segundo o veterinário Marc Abraham, que também participou da campanha para mudar a legislação no Reino Unido, Lucy tinha cinco anos de idade quando foi resgatada com o corpo todo machucado. Mas, no período em que viveu em liberdade, diz ele, teve uma vida como um cachorro normal.

"Lançamos a (campanha) 'Lei Lucy' um ano depois de sua morte como tributo a ela e a todos os cães reprodutores que estão escondidos do público", explicou o veterinário à rádio 5 Live, da BBC.

A campanha para regular a venda de animais e inibir criadores que não oferecem o mínimo de estrutura para o bem-estar de cães e gatos teve apoio de celebridades britânicas, como o comediante Ricky Gervais.

O veterinário Marc Abraham explica que cães como Lucy são mantidos por criadores para produzir várias ninhadas de filhotes, que são retirados de suas mães com quatro ou cinco semanas de idade. A separação precoce da mãe pode aumentar o risco de doenças em filhotes e dificultar sua socialização, diz o governo britânico.

Histórias como a de Lucy não são pouco comuns. Em 2015, uma família em Sussex foi enganada por uma pessoa que vendia num site o que oferecia como filhote mestiço de nove semanas. A família gastou 470 libras, o equivalente a R$ 2,4 mil, para comprar Max, um misto de cavalier king charles spaniel misturado com poodle, mas que se mostrou ser de uma mistura bem diferente.

"Estávamos muito animados para tê-lo em casa, mas, 17 horas depois de ele chegar, tudo deu errado", disse Rebecca Reed.

Max não queria comer, mas estava bebendo água sem parar. Rebecca estava em casa quando o marido a chamou para voltar pra casa, porque o cão estava muito doente. "Ele era como um cobertor molhado no chão. Ele não conseguia nem levantar a cabeça, ele estava tão fraco. Foi doloroso", lembra Rebecca.

Um veterinário diagnosticou Max com megaesôfago - uma doença em que os cães são incapazes de colocar comida no estômago. Rebecca tentou entrar em contato com o vendedor para saber se outros filhotes tinham a mesma doença, mas as ligações foram ignoradas.

Para cuidar de Max, Rebecca precisou mudar o horário no trabalho. Ela e o marido passaram a dar uma dieta líquida e construíram uma cadeira especial para ajudá-lo a digerir o alimento.

O casal estima que gastou mais de 5 mil libras, o equivalente a cerca de R$ 25 mil, para cuidar do cão, depois de o vendedor ter mentido sobre a raça, a idade, o histórico de vacinação e o estado de saúde de Max.

NOVAS REGRAS

A nova lei que regula a venda de cães e gatos, batizada de Lei Lucy deve entrar em vigor somente em abril de 2020. A partir dessa data, pet shops só e comerciantes de cães e gatos só poderão comercializar animais criados por eles seguindo as regras de licenciamento. Estão, portanto, proibidos de comprarem de terceiros.

O ministro para Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais, Michael Gove, disse que as novas regras dariam aos animais "o melhor começo possível na vida", uma vez que a legislação exige que os animais tenham nascido e crescido num ambiente saudável. A Sociedade Real para Prevenção de Crueldade contra Animais, maior entidade britânica de defesa de animais, comemorou a nova lei, mas ressaltou que é preciso fiscalização.

NO BRASIL

No Brasil, a lei exige que todo criador comercial seja licenciado e tenha um veterinário responsável. Mas a fiscalização é precária. No fim do ano passado, o Senado e a Câmara aprovaram a ampliação da pena para o crime de maus-tratos a animais para de um a quatro anos de detenção - atualmente, a pena prevista é de três meses a um ano de detenção, além de multa.

Foi uma resposta do Legislativo diante da repercussão da morte de uma cadela agredida em um supermercado em Osasco (SP). Ambas as Casas aprovaram textos com propostas ligadas à proteção de animais - o texto aprovado na Câmara precisa ser aprovado pelo Senado, e vice-versa. Ambos mantêm a previsão de pagamento de multa.

A proposta aprovada pelos senadores estabelece também punição financeira para estabelecimentos comerciais que, por omissão ou negligência, venderem animais vítimas de maus-tratos. A proposta da Câmara traz agravantes da pena, com ampliação do prazo de prisão de um sexto a um terço para casos de zoofilia ou se o animal morrer. A norma vale para atos praticados contra animais silvestres, domésticos, nativos ou exóticos.

E há municípios, como Santos (SP), que estão discutindo na Câmara de Vereadores um projeto que proíbe a comercialização de cães, gatos e pássaros na cidade.

BBC News Brasil
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