O fotógrafo com demência que usa suas próprias fotos para preservar memória
Usando suas fotos como estímulo, Jason Scott Tilley pode recordar vividamente detalhes da cobertura de notícias locais e internacionais, bem como do registro de celebridades e de viagens à sua Índia natal
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Após um diagnóstico de demência, um célebre fotógrafo usou seu próprio arquivo de imagens para ajudá-lo a preservar memórias passadas e criar outras para o futuro.
Usando suas fotos como estímulo, Jason Scott Tilley pode recordar vividamente detalhes da cobertura de notícias locais e internacionais, bem como do registro de celebridades e de viagens à sua Índia natal.
Ele diz, no entanto, ter dificuldade para lembrar o que comeu no café da manhã. No Natal de 2020, Tilley, hoje com 55 anos, sofreu uma série de mini derrames, que tiveram impacto na sua memória de curto prazo.
"Tive dois AITs (Ataques Isquêmicos Transitórios, conhecido como 'início de derrame') e fui diagnosticado com demência vascular", diz ele.
"Todos os meus amigos brincam comigo. Eles me dizem: 'Esse é o nome de uma coisa que você sempre consegue lembrar'", acrescenta. Algumas tarefas básicas se tornaram mais difíceis após seu problema de saúde.
Ele explica: "Acabei de ligar para casa para perguntar à minha mãe se já tinha tomado meus remédios hoje".
Tilley diz se sentir "aterrorizado" por perder a capacidade de revelar fotografias, mas acrescenta que, com ajuda de outras pessoas, voltou a realizá-la.
O financiamento do Arts Council England (ACE), agência nacional de desenvolvimento da criatividade e da cultura do Reino Unido, permitiu ao fotógrafo profissional colocar o seu arquivo em ordem, usando as fotografias para "ajudar a construir novas memórias", diz seu amigo e colaborador Ben Kyneswood.
O projeto, com a organização Art Riot Collective (ARC) de Coventry (Inglaterra), também inclui colaboração com outros oito artistas neurodiversos -que vão reagir às suas fotografias e montar suas próprias exposições a partir disso.
A obra foi "realmente importante", acrescenta Tilley. "É algo de que realmente precisava fazer depois do diagnóstico". O artista diz que se inspirou em seu avô, Bert Scott, para se dedicar à fotografia.
Tilley trabalhou para o jornal Times of India durante as décadas de 1930 e 1940, documentando o país durante o processo que resultou na Partição da Índia em 1947 (quando a ex-colônia britânica foi então dividida em Índia e o novo Estado do Paquistão; mais tarde o Paquistão Oriental se tornaria Bangladesh).
Em 14 de agosto daquele ano, o fotógrafo registrou o momento em que Lord e Lady Mountbatten desceram as escadas em Nova Déli, deixando cerimonialmente a Índia e sinalizando o fim do Império Britânico.
Scott e a sua esposa Dolly foram forçados a fugir do país após a partição, junto com as suas duas filhas, e acabaram se estabelecendo em Coventry, na região central da Inglaterra.
"Cresci olhando para os álbuns fotográficos do meu avô quando era muito jovem, e foi isso que me inspirou a criar memórias fotográficas para o futuro", diz Tilley.
O fotógrafo aprendeu seu ofício primeiro em um programa de treinamento para jovens, antes de passar a trabalhar para os jornais locais Coventry Citizen e Coventry Evening Telegraph.
Tilley também trabalhou em vários meios de comunicação nacionais da Inglaterra, muitas vezes fotografando bandas e celebridades que visitavam o país. "Lembro-me de fotografar Elton John em seu aniversário de 50 anos, assim como Prince e James Brown", diz.
"Lembro-me de Kylie (Kylie Minogue, cantora australiana) em um hotel em Birmingham, mas às vezes não me lembro do que aconteceu há 30 segundos", acrescenta Tilley.
"Também fotografei Desmond Dekker (cantor-compositor jamaicano) para uma capa de álbum do 'The Specials' e outra capa do 'The Selecter'".
Ele também foi um dos primeiros fotógrafos a capturar imagens de crianças encontradas abandonadas em orfanatos e hospitais romenos, após a queda do líder comunista do país, Nicolai Ceausescu. "Foi realmente horrível", lembra ele. "Nem todas as memórias que guardei são boas."
Ele contou com a ajuda de Kyla Craig, diretora da ARC, uma organização que trabalha para apoiar artistas com deficiência e neurodiversos, para produzir uma linha do tempo de suas memórias mais importantes.
Não foi uma tarefa difícil a partir do vasto arquivo de Tilley, diz ela. Kyneswood, da Universidade de Coventry, e colaborador de Tilley na Community Interest Company Photo Miners, ajudou a viabilizar o financiamento do projeto.
Ele diz que Tilley tirou algumas fotografias documentais "valiosas", que também estão sendo digitalizadas para serem disponibilizadas no site da universidade.
O projeto permitiu ao fotógrafo "recuperar um pouco de sua autoimportância artística, o que é bom de ver", diz Kyneswood.
Ele acrescentou que espera que o projeto possa fazer parte de um movimento para "artistas marginalizados como Jason", que muitas vezes "ficam em silêncio, porque as oportunidades não existem".
O Arts Council England diz estar criando oportunidades para artistas com deficiência e neurodiversos por meio de seu programa Let's Create, de apoio a organizações como o Art Riot Collective.
Este texto foi originalmente publicado aqui.