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Recentemente, a ideia de que os homens pensam no Império Romano constantemente viralizou no TikTok. De repente, mulheres de todo o mundo passaram a gravar vídeos perguntando a seus pais, irmãos, amigos, namorados e maridos com que frequência eles pensam no período histórico que coroou Otávio Augusto e Constantino como as maiores figuras de autoridade do mundo. A verdadeira era do patriarcado.
Em um vídeo, um namorado responde: "Tecnicamente, quase todos os dias". "Uma vez na semana", respondeu um marido. "Provavelmente, três ou quatro vezes no mês" contou mais um. Nas suas justificativas, alguns citam jogos, como "War", presentes nos momentos de lazer. Outros falam sobre arquitetura clássica e direito romano. Outros lembram de filmes como "Gladiador" e "Spartacus". Até o diretor Francis Ford Coppola, 84, entrou na brincadeira (aproveitando para divulgar seu novo filme, "Megalópolis").
A ideia inicial, ao que tudo indica, foi de Artur Hulu, um encenador romano de 32 anos e influenciador de história da Suécia, conhecido como "Gaius Flavius" nas redes. Ele posta esquetes de comédia como um gladiador e escreveu no Instagram: "Mulheres, muitas de vocês não percebem com que frequência os homens pensam no Império Romano... Vocês ficarão surpresas com as respostas deles!".
É evidente que não podemos tomar a onda de vídeos como generalização. As "trends" no TikTok (em português, "tendência") são apenas uma onda de conteúdos parecidos, produzidos por um grupo que compartilha dos mesmos algoritmos, e não uma pesquisa de dados, metodologicamente falando. Mas elas abrem espaço para discussões que podem parecer malucas, mas fazem muito sentido. Nesse caso, imagens, áudios e vídeos documentaram que homens, predominantemente brancos, pensam constantemente no Império Romano.
Após alguns dias, as mesmas mulheres começaram a se perguntar qual era a versão feminina do Império Romano e a gravar vídeos com suas opiniões. Em meio respostas como a princesa Diana, mitologia grega, Titanic e Revolução Francesa, algumas responderam algo muito mais sério. O assédio sexual, a violência de gênero e o medo constante do estupro são as versões femininas do Império Romano. E faz todo o sentido que esses pensamentos coexistam.
Claro, essas respostas também são de meninas predominantemente brancas da geração TikTok (entre 16 e 24 anos, segundo dados divulgados pela plataforma). Nem todas as garotas, de todas as idades, de todos os países e de todas as etnias precisam pensar sempre em princesas que serão resgatadas pelos seus príncipes encantados. Mas é duro pensar como a maioria delas vive no medo constante de ter seu corpo violado. E o próprio Império Romano pode ter a ver com isso.
Ainda no Tik Tok, é possível encontrar explicações dos próprios homens para a fixação. O usuário Frank Cooper diz que "homens têm um desejo natural de conquista". "E o Império Romano é a representação perfeita disso. As lutas de gladiadores e as batalhas que os romanos ganham são a definição da masculinidade", afirma. O dono da conta The Masculine Edge (algo como O Ápice da Masculinidade, em português) repete a explicação, dizendo que a conquista faz parte dos fundamentos masculinos: "Homens têm a necessidade de conquistar. E, se não conseguimos, nós imaginamos".
Mas, convenhamos, essa necessidade ultrapassa as barreiras profissionais, acadêmicas, esportistas e materiais —e pode chegar ao sexo oposto. A pesquisa mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em 20 de julho, mostrou que, em 2022, o Brasil registrou um total de 6.114 casos de assédio sexual. Isso equivale a uma ocorrência do tipo a cada uma 1 hora e 25 minutos. Em comparação com o ano anterior, houve um aumento de 49,7% nesses crimes, tanto pelo aumento de casos, como pelo de crescimento das denúncias. Não é preciso voltar 1.500 anos na história para provar que a "necessidade de conquista" ainda move os homens.
É impossível deixar de citar a votação pela descriminalização do aborto até a 12ª gestação no Supremo Tribunal Federal, e o voto histórico de despedida da ministra Rosa Weber, celebrado por tantas ativistas do país. A ministra pautou a ação no sistema eletrônico para conseguir apresentar o seu voto antes de deixar a corte —antes que os outros nove homens pudessem dar suas opiniões sobre os corpos femininos.
A predominante presença de homens nos cargos de liderança, a constante "necessidade de conquista", que, se não saciada, pode acabar em assédio sexual e estupro, os valores romanos clássicos que continuam a moldar nossa sociedade ocidental latino-americana... Enquanto tudo isso existir, mulheres vão continuar pensando em assédio sexual, assim como homens pensam no Império Romano.