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Por que África tem enviado toneladas de celulares quebrados para Europa

Falta de infraestrutura é um dos principais motivos

A 'Closing the Loop' estima que recolherá ao todo cerca de 300 mil telefones em 2021 - BBC News/CLOSING THE LOOP

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Ben Morris, editor de tecnologia da BBC News

Eric Arthur não tem muito tempo livre. Ele passa a maior parte dos fins de semana dirigindo pelas ruas e avenidas de Cape Coast, em Gana, coletando telefones celulares quebrados.

Chega a se deslocar mais de 160 km peregrinando entre lojas de consertos e reparos e depósitos de lixo - qualquer lugar que tenha um estoque razoável de aparelhos sem uso.

Em um bom fim de semana, ele coleta cerca de 400. Outras seis pessoas fazem a mesma coisa em outras partes do país. Cada aparelho sai por algo entre 2,5 e 2,7 cedis ganeses, cerca de 44 centavos de dólar (R$ 2,5). Até o fim deste ano, o grupo espera conseguir recolher cerca de 30 mil celulares.

Técnicos do WEEE: centro recicla 250 toneladas por ano - BBC News/WEEE CENTRE

O serviço é pago por uma empresa social holandesa chamada Closing the Loop ("fechando o ciclo", em tradução livre), que envia o material à Europa, onde é reciclado. Uma empresa especializada em fundição recupera cerca de 90% dos metais do telefone em um processo que incinera as peças de plástico.

Mas por que enviar telefones a milhares de quilômetros da África Ocidental?

Segundo Joost de Kluijver, cofundador da companhia, o continente africano ainda não possui usinas de fundição com a estrutura e capacidade necessárias para recuperar as pequenas quantidades de metais altamente valiosos que são usadas ​​na fabricação dos telefones celulares.

"Falta tudo o que você precisa ter para que uma unidade fabril seja financeiramente sustentável", diz ele. "Não há legislação, infraestrutura e nem consciência do consumidor. Como resultado, não há recursos para financiar coleta e reciclagem adequadas."

Enquanto isso, cerca de 230 milhões de telefones são vendidos na África todos os anos. Quando os consumidores querem se desfazer deles, alguns são recolhidos pela indústria informal de reciclagem, mas a maioria é jogada fora.

De acordo com o Global E-waste Monitor, iniciativa apoiada pelas Nações Unidas, a África gerou 2,9 milhões de toneladas de lixo eletrônico em 2019. O volume é muito menor do que o da Europa, por exemplo, que produziu 12 milhões de toneladas no mesmo período. A taxa de reciclagem, contudo, é bem mais tímida, de apenas 1%, ante 42,5% na Europa.

Para cobrir os custos da coleta, a Closing the Loop tem uma série de acordos com empresas que se comprometem a lhe pagar cerca de US$ 5,60 (R$ 31,5) a cada novo telefone que adquirem para suas próprias operações.

O valor cobre os custos de coleta, envio e reciclagem de um telefone do continente africano, além de uma margem de lucro para a empresa.

A lista de clientes tem crescido, e inclui desde o governo holandês até empresas de consultoria como a KPMG. Para os colaboradores, é um investimento relativamente pequeno, mas com um benefício ambiental significativo.

Também há iniciativas locais buscando fazer frente ao problema do lixo eletrônico na região.

No Quênia, por exemplo, outro país que não conta com um sistema nacional estruturado de reciclagem administrado pelo governo, a organização sem fins lucrativos Computers For Schools Kenya ("computadores para escolas no Quênia", em tradução literal) montou em 2012 o Centro de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (WEEE, na sigla em inglês).

O Computers For Schools Kenya busca suprir a falta de computadores nas escolas quenianas com produtos remanufaturados (ou "refurbished", como são mais conhecidos, no termo em inglês). Por lidar muito com eletrônicos no dia-a-dia, a ONG percebeu rapidamente o problema que os resíduos desses materiais representava, diz Simone Andersson, diretora comercial do WEEE.

Neste ano, o WEEE espera coletar 250 toneladas de lixo eletrônico, graças, em parte, a acordos com grandes empresas como Total Energies e Absa.

Esta é, contudo, apenas uma pequena fração das cerca de 50 mil toneladas de lixo eletrônico que o país produz a cada ano. Nesse sentido, Andersson diz ter planos ambiciosos de estabelecer pontos de coleta em todo o país, onde as pessoas possam deixar os eletrônicos dos quais querem se desfazer.

'Closing the Loop' também tem parceiros em países como a Nigéria, como a Hinckley Recycling - BBC News/VICTOR ADEWALE/CLOSING THE LOOP

Os quenianos, ela acrescenta, estão se tornando mais conscientes dos problemas ambientais causados ​​pelo lixo eletrônico e querem cada vez mais agir para evitá-los.

"Muitas pessoas gostariam de mudar de hábitos, se houvesse alguma infraestrutura que lhes possibilitasse isso. É nesse sentido que queremos ser parte da solução", ressalta.

O governo queniano, por sua vez, vem sendo instado a responder a essas mudanças e tem estudado, por exemplo, a introdução de uma lei de responsabilidade estendida do fabricante (EPR, na sigla em inglês), que atribuiria o ônus financeiro da reciclagem aos fabricantes ou importadores de produtos eletrônicos.

"Estamos pressionando por isso, porque vemos que é necessário neste país", diz Andersson. "Queremos que o Quênia seja um bom modelo para o resto da África. Ter o EPR vai ajudar se conseguirmos implementar as leis. Talvez não imediatamente, mas com certeza vai introduzir uma mentalidade totalmente diferente."

Na oficina do WEEE, 10 técnicos classificam e desmontam cuidadosamente os dispositivos eletrônicos. Alguns metais - ferro e cobre - conseguem ser recuperados localmente, mas metais preciosos como ouro, platina e paládio que estão incrustados nas placas de circuitos só são extraídos em usinas de fundição especializadas na Europa ou na Ásia.

Tanto Andersson quanto Kluijver, da Closing the Loop, esperam que um dia seja possível instalar centros de fundição de ponta na África. Enquanto isso, diz Kluijver, a solução para os telefones segue sendo enviá-los para outros continentes.