As subversivas mensagens ocultas no clássico filme 'O Mágico de Oz'
Em dezembro de 1937, a Walt Disney Productions lançou seu primeiro desenho animado, "Branca de Neve e os Sete Anões", que se tornou o maior sucesso do cinema americano de 1938.
Isso não apenas encorajou a empresa a fazer outros desenhos baseados em contos de fadas nas décadas seguintes, como levou outro estúdio, o Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), a criar seu próprio longa musical sobre uma garota órfã e uma bruxa malvada: O Mágico de Oz.
Apesar das semelhanças com o filme da Disney, a produção da MGM é mais um anti-conto de fadas do que um conto de fadas propriamente dito.
Basta olhar para o trio de desajustados que acompanham a heroína ao longo de sua viagem pela estrada de tijolos amarelos. Nenhum deles é o que você chamaria de um belo príncipe.
No entanto, Dorothy (Judy Garland) é tão boa de coração, as músicas são tão agradáveis e as aventuras em technicolor são tão empolgantes que é fácil confundir O Mágico de Oz com um tradicional filme para a família.
Mas o longa lançado em agosto de 1939 subverte de tal maneira as convenções de uma narrativa do bem contra o mal que seria capaz de deixar Walt Disney furioso.
Um líder falsário
Nas cenas de abertura, somos avisados de que a magia que estamos prestes a testemunhar pode não ser exatamente mágica.
Após fugir de sua casa no Kansas para impedir que seu cachorro de estimação fosse sacrificado, Dorothy conhece um clarividente viajante, o professor Marvel (Frank Morgan) – um personagem que não está no livro original de L. Frank Baum e foi criado pelos roteiristas Noel Langley, Florence Ryerson e Edgar Allan Woolf.
Por mais gentil que seja, o professor é um artista que finge ter dons psíquicos ao espiar uma foto que Dorothy está carregando. Ele é interpretado pelo mesmo ator que faz o Mágico de Oz, e acaba sendo o mesmo personagem: um showman de parque de diversões que se esconde atrás de uma cortina, mexe em alavancas e usa truques mecânicos para manter seus súditos leais e amedrontados.
Ele admite que foi parar na terra de Oz quando seu balão foi levado pelo vento até lá – até mesmo aquele balão estava além de seu controle. Em um floreio final gloriosamente gonzo, ele sobe ao céu enquanto grita: "Não posso voltar. Não sei como funciona!". Não há muitos filmes que mostrem políticos sendo tão descaradamente incompetentes assim.
Antes que o Mágico desapareça, ele entrega ao Espantalho (Ray Bolger), ao Leão Covarde (Bert Lahr) e ao Homem de Lata (Jack Haley) seus prêmios – um pergaminho, uma medalha e um relógio – enquanto assegura que eles são tão capazes quanto qualquer um "de onde venho".
Acadêmicos e filantropos são ridicularizados. Os veteranos de guerra são retratados como pessoas que "resgatam suas forças da naftalina e desfilam pela rua principal da cidade" uma vez por ano, mas "não têm mais coragem do que você".
É verdade que não podemos aceitar nada do que o "falsário" diz muito a sério, mas esses sentimentos são extremos demais para qualquer filme de Hollywood, ainda mais um filme para crianças.
Uma paródia do presente
O roteiro zomba da ideia de que poder e prosperidade vêm para aqueles que merecem, mesmo em relação à própria Dorothy.
Ela mata uma bruxa malvada ao cair sobre ela com sua casa e outra (Margaret Hamilton) jogando água. Em ambos os casos, são acidentes, fruto de puro acaso e não da coragem ou virtude de Dorothy. (Qualquer bruxa solúvel que deixa baldes d'água em seu castelo está pedindo por isso.)
Mas, nas duas ocasiões, Dorothy é instantaneamente aclamada como uma heroína, assim como o Mágico quando pousa em Oz. A mensagem é que as pessoas vão seguir qualquer figura de autoridade que cause impacto, por mais indigna que seja. É uma ideia subversiva em 2019, e foi ainda mais em 1939, quando ditadores fascistas estavam por toda a Europa.
O romance de Baum pode ter sido publicado na virada do século passado, mas o filme dirigido por Victor Fleming (juntamente com dois colegas, sem créditos) é um produto dos anos 1930. Foi lançado três anos depois de uma grande exposição do surrealismo ser inaugurada no Museu de Arte Moderna de Nova York, e a maneira como o enredo se transforma em um sonho frenético com macacos voadores e guardas de rosto verde é surrealista.
Ele também compartilha traços de outras obras-chave da cultura da era da Depressão. No mesmo ano em que Dorothy deixou sua casa no Kansas e viajou para uma cidade cintilante, Tom Joad e sua família partiram do Oklahoma Dust Bowl em direção à Califórnia, em As Vinhas da Ira, de John Steinbeck.
E apenas um ano antes, Clark Kent – que, como Dorothy, era um órfão criado por fazendeiros idosos do Kansas – se reinventou na cidade grande como o Super-Homem.
Tom Joad acha que as condições não são melhores na Califórnia e se torna um organizador do movimento proletário. O Super-Homem, em suas primeiras aparições nos quadrinhos, é uma bola de demolição anarquista que não luta contra supervilões, mas os responsáveis por favelas e minas inseguras.
Dorothy não chega tão longe, mas viaja do interior árido dos Estados Unidos para um centro urbano cintilante, apenas para descobrir que o lugar é governado por falsários e povoado por tolos.
Também é significativo que a Cidade Esmeralda de Oz não seja um reino medieval como o de Branca de Neve, nem tenha a coleção de cúpulas e espirais de Istambul como nas ilustrações do livro original.
Em vez disso, é uma cidade modernista de arranha-céus com listras neon – e, como quase todo o resto da terra de Oz, é descaradamente artificial. O filme não leva o público além do arco-íris para um passado mítico, mas para uma paródia berrante do presente barulhento e industrializado.
Se O Mágico de Oz tivesse aparecido nas patrióticas décadas de 1940 ou 1950, seria difícil imaginar que esse clássico da contracultura teria escapado ileso. Mas Fleming e sua equipe criaram o mais poderoso dos filmes infantis: um que nos leva a um mundo de dificuldades e caos, de líderes inúteis e de seguidores crédulos e, depois, nos lembra que esse é o mesmo mundo em que vivemos.