Americana ganha sucesso e diz ter ficado rica como a rainha de comer mariscos no YouTube
Bethany Gaskin é uma estrela do 'mukbang' nos Estados Unidos
A maioria das pessoas provavelmente concorda em que comer alguma coisa é mais satisfatório do que ver outra pessoa comer alguma coisa. Para começar, é uma necessidade humana básica. E o sabor também é bom, em muitos casos. Isso sem esquecer que as pessoas podem ser bem nojentas ao comer, especialmente quando o fazem de maneira exagerada, lambendo os dedos.
Ainda assim, centenas de milhares de pessoas assistem aos vídeos que mostram Bethany Gaskin devorando mariscos no YouTube.
Gaskin, 44, tirou vantagem da popularidade de um gênero de vídeo culinário conhecido como "mukbang", que envolve devorar diante das câmeras mais comida do que alguém deveria consumir em uma refeição.
Nos seus dois canais no YouTube, "Bloveslife" e "BlovesASMR Eating Her Way", Gaskin conversa com a audiência enquanto devora patas de caranguejo, moluscos, rabos de lagosta, ovos cozidos e batatas vermelhas assadas.
Os vídeos, produzidos em sua casa em Cincinnati, a tornaram milionária, segundo Gaskin. Mas ela não entrou no negócio pelo dinheiro. O "mukbang" foi mais um chamado que uma escolha profissional.
"Para mim, o 'mukbang' é quase um sacerdócio", disse Gaskin. "Não consultei meu marido antes de largar o emprego. Sabia que era esse o caminho, e me demiti porque tinha fé".
A DIFUSÃO DA CULTURA DA ALIMENTAÇÃO EXCESSIVA
O "mukbang" parece ter surgido como uma tendência de internet, mais de uma década atrás na Coreia do Sul. O nome combina os termos coreanos para "vamos comer" ("muk-ja") e "transmissão televisiva" ("bang-song"). Os sul-coreanos que transmitem suas refeições ao vivo muitas vezes exibem seus vídeos de "mukbang" na hora do jantar, para que os espectadores que comem desacompanhados em casa sintam estar dividindo uma refeição com amigos.
Os telespectadores mencionam outros benefícios. Assistir aos vídeos pode servir como exercício para moderar o apetite. E para um determinado subconjunto deles, ouvir o som de outra pessoa comendo desperta uma resposta sensorial autônoma do meridiano (ASMR na sigla em inglês). Os espectadores obtêm prazer dos sons associados à alimentação —mastigação, líquidos sorvidos, estalidos dos lábios.
Craig Richard, 49, professor de fisiologia na Universidade do Shenandoah e criador de um site dedicado ao estudo da ASMR, disse que embora o fenômeno não seja diagnosticado medicamente, as pessoas que o vivem experimentam uma sensação de "formigamento cintilante do cérebro" quando assistem a vídeos que servem como "gatilho".
Em uma terça-feira recente, Gaskin estava acomodada em seu estúdio caseiro para uma sessão de gravação com seu filho Dalvin, que está seguindo seus passos, e uma amiga dele, Nicole. Nas paredes havia placas celebrando o dia em que ela atingiu a marca do milhão de assinantes no YouTube, e uma carta emoldurada de Susan Wojcicki, a presidente-executiva do YouTube.
Gaskin começa o vídeo com um cumprimento amistoso, em voz meio cantada: "Como estão vocês, meus 'Bloveleez'?" —o apelido que ela usa para se referir aos seus espectadores. Em seguida ela anunciou o cardápio da noite, esticando as sílabas de "caldeirada de frutos do mar" como um locutor esportivo anunciando um gol.
Antes de mergulhar na refeição, ela faz uma oração breve: "Pai Nosso que estais no céu, em nome de Jesus agradeço pelo alimento que receberemos. Oro em nome de Jesus, amém".
A comida estava posicionada estrategicamente em uma bandeja, com os itens mais coloridos no topo, acentuados por limões de um amarelo brilhante e espigas de milho. Na mesa, diante da bandeja, havia três travessas de vidro contendo o molho Smackalicious, uma criação caseira de Gaskin. Ela quer produzir em larga escala as especiarias usadas no molho, para que os telespectadores possam fazê-lo em casa.
Antes da primeira mordida, Gaskin, Dalvin e Nicole fizeram uma breve pausa diante da câmera. Posaram segurando patas de caranguejo, e, sorrindo, cantaram a palavra "thumbnail". Depois da foto, a ação real começou. Assim que Gaskin mergulhou o primeiro pedaço no molho e deu a primeira mordida, ela fechou os olhos e se dedicou a mastigar.
Com um aceno positivo de cabeça, ela disse "sim, nham, pessoal, isso está uma delícia". Ela continuou a lançar gemidos e dizer "sim", e a produzir alguns sons vagamente orgásticos. Richard diz que esses "sons bucais", em combinação à disposição "gentil e positiva" de Gaskin e à abundância de comida, são gatilhos comprovados de ASMR.
Na casa de Gaskin, modos em geral vistos como rudes à mesa são celebrados, não punidos. Ela e seus "Bloveleez" mastigam ruidosamente e sorvem com espalhafato, segundo ela "sem qualquer sentimento de culpa".
LUCROS BRUTOS
Os maus modos e o barulho à mesa talvez incomodem a maioria das pessoas, mas esse tipo de vídeo tem muitos seguidores, a julgar pelo sucesso de Gaskin. Seu principal canal no YouTube, Bloveslife, tem 1,8 milhão de assinantes, e no Instagram ela tem quase 900 mil seguidores, entre os quais a cantora Cardi B.
Gaskin diz que a publicidade postada junto a seus vídeos lhe propiciou mais de US$ 1 milhão (R$ 3,8 mi) em faturamento, o que ela comprovou mostrando imagens de tela de um relatório do YouTube.
Antes de se tornar sensação no YouTube, Gaskin, que tem diploma em desenvolvimento infantil, foi dona de uma creche. Depois de cinco anos de trabalho, ela vendeu o negócio e usou o dinheiro para pagar empréstimos e liquidar contratos de locação. Em seguida, arranjou emprego em uma fábrica de circuitos impressos que atende as forças armadas, por um ano.
Em 2017, começou a produzir em casa vídeos de culinária ao estilo da Food Network, e a postá-los no YouTube. "Sou gastrônoma", disse Gaskin. "Sempre gostei de cozinhar".
"E aí fiz um 'mukbang' e as pessoas piraram", ela disse. "Fiquei achando estranho, que as pessoas quisessem me ver comendo; mas gravar 'mukbangs' era mais fácil, e comecei a produzi-los. Eles não demoraram a decolar".
O primeiro vídeo de "mukbang" de Gaskin envolvia uma caldeirada de frutos do mar e um longo monólogo quase todo improvisado. Os espectadores deixaram comentários elogiando os ruídos do prazer ao comer que ela emitia, os dedos lambidos, o jeito franco dos vídeos —"muito bacana"; uma pessoa revelou que "sou alérgica e não posso, mas você me faz ter vontade de correr o risco de comer um camarão frito, parada diante do pronto-socorro".
"As primeiras 10 caldeiradas que ela postou estavam indo muito bem, e acho que a quinta levou a elogios do elenco de 'Stranger Things'", disse Darius, 18, filho de Gaskin. O sucesso "instantâneo" da mãe é algo a que ele ainda não se acostumou, mais de dois anos depois de ela dar início à sua carreira no YouTube.
Nate, o marido de Gaskin, disse que no começo ele não via de que maneira os "mukbangs" poderiam ajudar a sustentar a família.
"Quando ela começou com isso, pensei que seria apenas um hobby que desejava colocar em prática", ele disse. "Mas quando os vídeos decolaram, a dinâmica financeira de nossa família realmente mudou, porque em muito pouco tempo ela passou a ganhar mais dinheiro do que eu".
O sucesso de Gaskin encorajou seu marido a se aposentar mais cedo do que o planejado de seus 20 anos de trabalho como executivo da General Electric. De lá para cá, Gaskin serve como empresário da mulher em período integral.
A audiência dela agora supera a dos YouTubers que a inspiraram a se dedicar ao "mukbang". Ela disse que vídeos de Jasper Daze, que morreu em 2016 devido a complicações associadas ao diabetes, a ajudaram a selecionar os mariscos como sua culinária preferencial. Ela dedicou seu primeiro "mukbang" a Daze.
REAÇÕES
Ainda que o diálogo sobre o "mukbang" tenda a se concentrar em seus benefícios, há quem veja motivos para preocupação. A nutricionista Theresa Kinsella, 42, disse em entrevista por telefone que esses vídeos "glorificam a alimentação excessiva", promovem distúrbios alimentares e ignoram os possíveis riscos associados ao consumo excessivo.
"Os riscos de saúde de curto prazo são desconforto físico, incômodos gastrointestinais e fadiga", disse Kinsella. Quanto aos efeitos de longo prazo, ela menciona ganhos de peso, doenças cardíacas e diabetes.
Antes da gravação, Gaskin, que tem 1,50 metro de altura e é surpreendentemente esbelta, disse que o "mukbang" não afetou sua saúde. Ela só come ao filmar, disse, o que acontece em média duas vezes por dia.
Reese Anthony, 34, de Saint Louis, Missouri, é fã dos vídeos de Gaskin sobre frango frito e camarão ao molho, e diz que os vídeos de ASMR o ajudaram a combater sua ansiedade e depressão.
"Quando comecei a assistir a esses vídeos e alguns dos meus amigos souberam disso, acharam que eu era esquisito", ele disse, em entrevista por telefone. "Mas eles só não entendem porque não estão recorrendo aos seus sentidos.
Anthony também mencionou o aspecto ASMR dos vídeos de Gaskin. "Os vídeos conseguem me fazer dormir, me relaxam", ele disse. "Arrepiam os pelos do meu braço ou minha pele, por serem tão relaxantes".
Gaskin define sua capacidade de parecer autêntica como uma das razões de seu sucesso. A outra é a fé. "Enquanto minha família e Deus me apoiarem, tudo estará bem", ela disse. "E acordo feliz todos os dias".
Nem sempre foi fácil. Gaskin conta que, por certo período em sua infância, foi moradora de rua. "Estou ciente do lado difícil", ela disse. "Minha mãe deixava de comer para que eu e meu irmão nos alimentássemos bem".
Foi então que chegaram Dalvin e Nicole. "Vocês já comeram, pessoal?", ela perguntou. Dalvin respondeu que não. "Querem comer comigo?", questionou ela. E o dia de trabalho começou.
Tradução de Paulo Migliacci