Emilio Boechat diz que mudanças da Igreja Universal em 'Gênesis' são 'esquizofrênicas'
Trama bíblica da Record será a primeira novela a estrear na TV pós-pandemia
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A Record está em contagem regressiva para o lançamento de "Gênesis", novela que retoma a linha de produções bíblicas da emissora. Com estreia em 19 de janeiro, a trama terá sete fases, quatro autores e mais de 200 atores para narrar a criação bíblica da humanidade. Antes mesmo de começar, o folhetim passou por percalços, sendo a mudança de autores e o atraso das gravações por causa da Covid-19 os principais.
Com direção de Edgard Miranda, "Gênesis" terá 150 capítulos e começou a ser escrita por Emílio Boechat, que rescindiu o contrato com a Record ainda no início de 2020, sendo substituído por Camilo Pellegrini, que depois teve Raphaela Castro e Stephanie Ribeiro incluídas na equipe de escritores. A trama será a oitava do gênero na emissora, iniciado em 2015 com "Os Dez Mandamentos", e a primeira a estrear na televisão brasileira após a pandemia do novo coronavírus.
Em entrevista ao F5, Emilio Boechat, 53, afirma que as interferências por parte de um núcleo ligado ao bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, na supervisão de seus textos foi decisivo para deixar a Record após 13 anos. O autor já teve passagem pela Globo (Angel Mix e Zorra Total, 1999-2000), Band ("Floribella", temporada 2005 e 2006) e pelo GNT (Mulheres Possíveis, 2007-2009).
Boechat revela que a situação se tornou insustentável a ponto de nem mesmo querer mais ter seu nome nos créditos –a autoria, porém, foi mantida pela emissora. "Como sabia que eles iriam mudar muita coisa, até pedi no acordo de rescisão para tirarem meu nome dos créditos, pois já não tinha mais controle, não sabia o que os capítulos iriam virar. Mesmo tendo escrito uma parte, não quero ter meu nome atrelado ao rumo que ‘Gênesis’ vai tomar."
Boechar assumiu a adaptação para a TV do texto bíblico de Gênesis em março de 2019. Ao se desligar, ele entregou as três primeiras fases da trama: Céu (Adão e Eva no Éden), Torre de Babel e Noé e o Dilúvio. Os nomes das demais fases ainda não foram confirmados –Jornada de Abraão e José do Egito seriam duas delas.
O autor diz que não havia um ambiente de debate e conversas, mas, sim, uma ordem que recebia para modificar os capítulos do folhetim. E ele tinha de acatar e reescrever. Essas interferências, diz Boechat, eram provenientes de Cristiane Cardoso, filha do bispo Edir Macedo, dono da Record, "provavelmente do próprio Macedo, e de um núcleo ligado à Universal". Isso teria começado após "Os Dez Mandamentos" (2015-2016), novela de Vívian de Oliveira, e ampliado com o tempo.
"Em ‘Apocalipse’ [2017], que escrevi com a Vivian de Oliveira, lembro de ela ter ficado bem incomodada com os pedidos recorrentes de alterações. Ela ainda discutia e colocava seu ponto de vista, mas ela foi afastada. Para um autor com ideias, ficou um ambiente difícil de se trabalhar", relembra.
Boechat conta que sua rotina era sempre a mesma. Ele mandava os capítulos e já imaginava que viriam mudanças. "No começo fiquei trabalhando com duas colaboradoras mulheres ligadas à igreja. A ideia era evitar retrabalho, mas não adiantou. Muitas coisas que eram decididas e aprovadas, eles mudavam de ideia depois. Às vezes aprovavam 15 capítulos e depois alteravam. Era meio esquizofrênico."
A gota d’água, diz Boechat, foi quando tinha 45 capítulos escritos e veio uma orientação para mudar os 15 últimos. "Conversei com meu advogado para rescindir, e isso foi feito amigavelmente. A novela era inteira minha, não tinha essa coisa de que cada autor escreveria uma fase como foi dito. Eu e meu advogado queríamos escrever uma nota conjunta com a Record, mas a emissora nunca respondeu e isso foi se arrastando. Quando estrear a novela, talvez eu reconheça os 30 primeiros capítulos, mas nos dez primeiros as mudanças feitas não foram as melhores."
Emilio Boechat afirma que outro fator que pesou a favor de sua saída foi a postura pró-Jair Bolsonaro (sem partido) por parte da Recod. Segundo ele, não seria possível permanecer num lugar cujas visões de mundo são tão distintas das dele. "Em 2019 começou a me incomodar a postura bolsonarista da emissora. Ver como as lideranças [do canal] pensavam fez com que eu me sentisse deslocado e não quisesse fazer parte disso."
"Isso foi crucial para a minha saída. E estou muito feliz e não me arrependo [da decisão de rescindir o contrato] mesmo tendo passado por momentos difíceis financeiramente. Foi melhor ter vivido a pandemia fora da Record do que dentro dela", diz o autor, ao criticar a mistura de religião com política no canal.
Procurada, a Record não respondeu aos pedidos para falar sobre o tema até a publicação deste texto.
Após deixar a Record, Emilio Boechat havia alinhavado alguns projetos, mas quase tudo foi suspenso por causa da pandemia. Agora, em 2021, ele diz que desenvolve o roteiro de dois filmes –que ainda não podem ser revelados por força contratual–, e a peça teatral "Cansei de Ser Belo", com Marcelo Serrado e Marcos Caruso. "Um galã resolve ficar feio para ser levado a sério. Queremos montar no segundo semestre de 2021, mas tudo depende da pandemia, da vacina."
Boechat também negocia a compra pela Amazon da série "Home Office", cuja trama se baseia na compra de uma emissora por uma igreja e o que isso acarreta à vida das pessoas. A primeira temporada está disponível no YouTube, e a segunda está em fase de edição.