Especialistas indicam desenhos na TV e na internet para deixar os filhos verem sem culpa
Boas produções focam anseios de crianças em tramas cheias de diversidade
Se as crianças dos anos 1980 e 1990 aguardavam ansiosas o momento dos desenhos na TV, os pequenos de hoje têm à disposição uma infinidade de opções a qualquer hora do dia, nas mais diversas plataformas. Cabe os pais a difícil tarefa de controlar ao que seus filhos assistem.
Para ajudar, o F5 ouviu especialistas da área para indicar desenhos nacionais e internacionais que unem entretenimento e conteúdo educativo. A regra geral é permitir que a criança se identifique com o personagem, abordando temas de seu cotidiano, como a relação com os pais e com os irmãos, além de contemplar sentimentos que fazem parte do crescer, como o medo, a raiva, o ciúme.
É importante que a obra mostre como a criança pode lidar com as situações adversas de uma forma saudável e não violenta. Um dos desenhos que a psicanalista Ana Olmos, especializada em crianças e adolescentes, sugere é a animação de coprodução americana e britânica “Charlie e Lola”.
No desenho de traços simples, Charlie, de sete anos, usa a imaginação e a paciência para cuidar da irmã Lola, de quatro anos. A série tem episódios disponíveis no YouTube. "Há valores como amizade, cooperação, a importância de vínculos e da diversidade. Ela instiga a curiosidade nas crianças para resolver situações de desafio e enfrentar conflitos de forma coletiva”, diz Ana.
Para Beth Carmona, consultora de canais de TV e diretora-geral da ComKids, promotora e produtora de conteúdos digitais para crianças e adolescentes, é importante evitar personagens estereotipados e buscar conteúdo com diversidade.
Nessa linha, ela cita protagonistas femininas e inteligentes. Como "Dora, a aventureira", menina de origem latina passa por aventuras em que mistura o inglês e o português e pede a ajuda dos telespectadores para definir o caminho a seguir. "Ela é baixinha, gordinha e uma heroína", descreve Carmona, em oposição ao padrão “loiras e magras” de personagens como "She-Ra" e a princesa Sara, de "Cavalo de Fogo".
Outro exemplo é o "Show da Luna", produção brasileira que foi recomendada por todos os especialistas ouvidos pelo F5. O desenho mostra uma garota de seis anos que adora ciências e vive se perguntando como as coisas ao seu redor funcionam.
"Luna tem sempre a preocupação de trazer o irmão mais novo, o Júpiter, para a brincadeira. Esse tipo de comportamento saudável dos personagens em família é que tentamos mostrar”, afirma Kiko Mistrorigo, um dos fundadores da TV Pinguim, produtora do desenho, e conselheiro do Brasil Audiovisual Independente (Bravi), entidade sem fins lucrativos que reúne as empresas do setor.
Para ele, a tela deve ser compartilhada em família. “Os pais só podem saber se o desenho é bom se eles mesmos curtirem aquela experiência. É um momento para se aproximar dos filhos e aprenderem juntos.”
A consultora Beth Carmona recomenda aos pais que aproveitem o momento para conversar com a criança. “As animações são uma boa forma de introduzir aos pequenos assuntos sobre os quais, muitas vezes, os pais não se sentem à vontade para falar, como a questão do bullying. Parte do papel da produção infantil é ajudar a criança a entender e extravasar seus sentimentos.”
Carmona defende ainda a importância de se prestar atenção à recomendação de faixa etária da produção. Os diferentes interesses ao longo das fases de desenvolvimento da criança são o principal norte da criação dos conteúdos, explica. “A criança maior provavelmente vai se encher logo com um desenho feito para os bem pequenos e não vai aproveitar a mensagem que o episódio pretende passar.”
O principal sinal de alerta para os pais é a publicidade infantil. Embora o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) tenha endurecido as regras para os anúncios direcionados às crianças em 2013, críticos avaliam que os parâmetros brasileiros ainda são muito permissivos. Entre as normas vigentes, estão a proibição de uso de objetos do mundo infantil nos anúncios e frases como “peça ao seu pai”.
“A criança ainda não tem desenvolvimento cognitivo e percepção para julgar o que está sendo exibido diante dela e diferenciar aquilo do desenho ou programa em si. Ela acaba refém da peça publicitária. São anúncios que, além de estimular o consumismo excessivo, muitas vezes afetam a autoestima da criança, que se sente fora dos padrões exibidos no comercial”, defende a psicanalista Ana Olmos.
Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, que debate os efeitos do consumismo nos jovens, corrobora. “O primeiro risco é transformar a criança numa promotora de vendas. A peça fala diretamente com a criança para que ela deseje aquilo e transmita essa mensagem para os pais.”
Para amenizar possíveis efeitos nocivos, ela sugere a conversa. “Os pais devem prestar atenção de onde vem o desejo de consumo dos filhos e explicar a eles, em um discurso adequado à idade da criança, que aquele anúncio visa a vender e não necessariamente vai fazer ela se sentir melhor. É importante dizer o 'não' e dar limite às crianças.”