Coreografia de Taylor Swift na 'Pequena África' do Rio não afronta e nem apaga história
'Retomada da Pedra do Sal' é novo problema que só existe no X (ex-Twitter)
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Veio à tona na segunda-feira (18) vídeo de um grupo de pessoas dançando a música "Blank Space", da cantora Taylor Swift, na Pedra do Sal, local no centro do Rio de Janeiro. O local é considerado um dos principais pontos de expressão cultural da comunidade negra na capital fluminense.
O conteúdo, buscando ser divertido, abriu espaço para uma série de debates fervorosos nas redes sociais sobre o "embranquecimento" do espaço. Muitos usuários passaram a, inclusive, pedir a "retomada" da Pedra do Sal na internet, como se o local tivesse sido dominado pela cultura de pessoas brancas, expulsando então séculos de história.
E, mais uma vez, o ódio primorosamente propagado nas redes sociais trouxe uma série de afirmações ridículas. Um indivíduo chegou a pedir que "todos os presentes no vídeo sofram um acidente e fiquem sem andar um tempo" por dançarem aquela composição.
Outros sugeriram que brancos fossem impedidos de acessar o endereço, como se democracia fosse possível a partir da restrição de espaços públicos. Do outro lado, estavam os que acharam a reação exagerada, e estou entre eles —este é mais um enorme problema que some ao fechar o X (ex-Twitter).
Tombado como patrimônio histórico e cultural, a Pedra do Sal é um território quilombola, e durante o período colonial foi o ponto do maior mercado escravagista brasileiro. Entre 1775 e 1830 chegaram ali entre 500 mil e 900 mil escravizados, que obviamente sofreram com o desumano tráfico no Atlântico.
Lar da Tia Ciata, o local reuniu ainda pessoas negras libertas e migrantes do pós-abolição, que criaram uma comunidade ao entorno. Até hoje respira resistência, já que a luta para formalizar o quilombo junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) perdura desde 2005.
O monumento não reside isolado, pois a área portuária da cidade, chamada de Pequena África pela quantidade de pessoas negras que se instalaram na região, conta ainda com pelo menos outros sete pontos de visita que remontam à história brasileira e à ancestralidade preta e parda, fora os terreiros e sambas presentes.
Internautas afirmaram, no miolo de toda a discussão, que os arredores da Pedra do Sal sempre foram caracterizados pela diversidade de ritmos, ecoando de caixas de som em bares e carroças de vendedores ambulantes. O que parece óbvio, já que o local chama a atenção de visitantes.
Se nem a negligência, nem a vontade do Estado conseguiram apagar dali a história, o sangue, a vivência e a religiosidade de todos os que ali já viveram e até hoje vivem, não é a música de Swift ou de qualquer outro cantor internacional que embranquece a região.
Nossos ancestrais, vindos de várias regiões de todo o continente africano com uma série de alteridades, abraçaram à época as diferenças entre si para continuarem se manifestando cultural e espiritualmente em meio à repressão de uma sociedade que nem os reconhecia como seres humanos.
Por mais desumano que tenha sido, aquela região portuária foi local de chegada e partida de ideias que formaram nossa densidade cultural, e agora continua sendo, abraçando também aspectos de uma musicalidade global, que nós, negros, temos todo o direito de também integrar.
Agora, não é de hoje que uma série de páginas, internautas e influenciadores negros nas redes sociais chiam com Swift, chegando inclusive a menosprezar a negritude daqueles que ouvem ou são fãs da cantora.
Há, inclusive, uma rixa entre quem gosta da loirinha e quem ouve Beyoncé —algo que não encontra nenhuma sustentação, já que as duas são amigas. É mais um discurso vazio, excludente, incapaz de compreender que ser negro está além de se provar digno de receber a carteirinha de Wakanda.
Como uma pessoa negra e fã de Taylor Swift, tenho certeza em afirmar que nenhum dos meus ancestrais, orixás ou guias se sentem desrespeitados porque ouço a loirinha nas minhas playlists com samba, funk, rock e outros estilos.
É totalmente possível gostar das duas cantoras, sem nenhum prejuízo. Também é possível participar de rodas de samba na Pedra do Sal e, durante o intervalo, ouvir outros gêneros e cantores nas ruas ao redor. Deixem as pessoas negras se manifestarem livremente e serem felizes como bem escolherem.