Estilo
Descrição de chapéu The New York Times

A elegante octogenária que responde pelos melhores 'looks' da Barbie

Carol Spencer, 86, reorganiza parte de sua coleção de "looks" esportivos da Barbie que ela desenhou, em casa, em Los Angeles - Emily Berl-30.mar.2019/The New York Times

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Katherine Rosman
Los Angeles

Carol Spencer, 86, talvez seja a estilista de moda mais influente de que você nunca ouviu falar. Na metade da década de 1960, ela criou uma saia lápis vermelha acompanhada por um top sem mangas, com costuras vermelhas e três botões vermelhos na frente. Milhares de cópias foram vendidas.

Nos anos 1970, bem ciente do afrouxamento nos códigos de vestimenta e nos costumes trazido pela contracultura e incorporado pela sociedade, Spencer desenhou um vestido longo e vermelho de frente única e uma camisa esporte combinada para homens. Os dois modelos também foram muito populares.

Na era de Nancy Reagan, a década de 1980, Spencer buscou criar designs mais sofisticados, com um vestido de baile de jacquard azul que deixava um ombro nu, uma flor de organza na cintura e uma capa. Um dos estilistas que costumava atender Nancy Reagan aprovou que o vestido fosse vendido com seu nome: "Oscar de la Renta for Barbie".

Spencer criou vestidos de casamento, saris, botas brancas e "caftans". De 1963 a 1999, ela foi a estilista da Barbie, uma carreira celebrada em seu novo livro, "Dressing Barbie" (editora Harper Design). Spencer também fazia roupas para ela mesma e tinha pouca dificuldade para lidar com as proporções famosamente incomuns da boneca, diz, porque as suas não eram muito diferentes.

"Encolhi bastante mas naqueles dias eu era alta e magra", ela disse. "Tinha 40 centímetros de cintura, e um andar de cima respeitável, pode acreditar, ainda que as pernas da Barbie fossem melhores que as minhas".

Ela estava sentada em sua sala de jantar, e usava uma blusa cuja cor só pode ser descrita como rosa Barbie, com um broche da Barbie e um relógio digital da Barbie que legiões de meninas provavelmente imploraram receber como presente de Natal na década de 1990.

Mas foi uma parte diferente de seu corpo que se provou importante para o emprego. "Tenho mãos pequenas", disse Spencer. Ela repousou sobre a mesa a xícara da Barbie cheia de limonada que tinha nas mãos, para mostrar seus dedos. São pequenos, e se posicionam em ângulo estranho com relação às juntas, uma desfiguração provavelmente causada por anos de trabalho com pequenas agulhas e vidrinhos de cola.

Ao criar o guarda-roupa da Barbie e de sua turma (Skipper, Ken, Midge, Big Jim, Baby Sister Kelly, Cara, Stacey, Christie, P.J., Steffie e Miss América), Spencer era parte de uma equipe que inspirou o trabalho de estilistas como Bob Mackie, Nicole Miller, Jeremy Scott e Jason Wu, que certa vez disse que brincava com Barbies quando era criança.

Para um desfile da Moschino, na Itália em 2014, Scott ocupou as cadeiras da primeira fila com Barbies, e mandou modelos à passarela com cabelos longos em coques altos e saias cor de rosa. No mês passado, para celebrar o 60º aniversário da boneca, a Mattel serviu como anfitriã a uma bacanal rosada em Nova York, com panos de fundo preparados para o Instagram pela Dream House. O objetivo era atrair uma nova geração de fãs jovens demais para saber que Barbie foi a primeira influenciadora do mundo da moda.

SALVANDO O BUGGY

Desde sua aposentadoria, Spencer dedica seu tempo à Barbie. Conduzida ao Hall da Fama feminino dos brinquedos, licenciamento e entretenimento em 2017, ela está dedicando seus anos dourados a participar de eventos sobre a Barbie, e a pesquisar e recolher artefatos.

Spencer vem trabalhando há anos no projeto "Dressing Barbie", um livro ilustrado cujo subtítulo é "uma celebração das roupas que criaram a boneca fashion favorita dos Estados Unidos e da mulher incrível por trás delas", e contou com a ajuda da jornalista e estilista Laurie Brookins na redação do texto.

O livro combina fotos de moda "vintage" às suas recordações. Nascida em 1932 e criada em Minneapolis, Spencer rejeitou o caminho do casamento e da maternidade que prevalecia na metade do século nos Estados Unidos, e em lugar disso decidiu criar uma carreira. "Eu me apaixonei de verdade pela Barbie assim que criei suas primeiras roupas e acessórios", escreve Spencer no livro.

Barbie vem sendo um emblema genérico de tudo que prejudicou as meninas e as jovens mulheres na cultura dos Estados Unidos. Vivendo em um mundo quase exclusivamente branco, a boneca tem seios desproporcionalmente grandes, comparados aos quadris, e seus pés vivem contorcidos (como se ela tocasse o chão com os dedos dos pés e o calcanhar erguidos).

O cabelo dela parece ser loiro tingido, mas sempre sem raízes escuras (ou grisalhas) Às vezes, ela se veste de médica ou política, mas nunca pareceu capaz de manter um emprego. E há a questão da casa em Malibu. O dinheiro vem dos pais dela ou do namorado Ken?

Mas Spencer prefere contra-atacar as críticas a Barbie. Ela aponta para as origens humildes da boneca, com proporções inspiradas por bonecas de papel recortadas de jornais. Também defende Barbie como alternativa saudável aos videogames: um motor para a imaginação de meninos e meninas, que podem projetar na boneca tudo aquilo que desejariam se tornar. "É uma forma saudável de brincar", ela diz, tirando da caixa uma das centenas de bonecas que tem em casa.

A boneca está vestida em uma túnica pregueada de chiffon amarelo, com calças de pijama transparentes, inspiradas pelo conjunto transparente criado por Arnold Scaasi como figurino para Barbra Streisand, quando ela recebeu o Oscar que conquistou em 1969 pelo filme "Funny Girl".

A casa de Spencer está repleta de livros como "Barbie: Her Life and Times", e "Dream Doll: The Ruth Handler Story". Ruth Handler fundou a Mattel em 1945, com seu marido, Elliot, e Harold Matson. A boneca Barbie foi lançada em 1959.

Sobre uma mesa lotada há pôsteres da Barbie, como um que mostra a boneca original de 1959, diante de quatro fundos de colorido brilhante diferentes, ao modo Warhol. (O pôster foi criado para celebrar o festival de 35º aniversário da Barbie organizado pela Mattel em 1994.)

Spencer vive em busca de tesouros, em um mundo em que o descarte é a norma. Um dia, no escritório da Mattel, então localizado em Hawthorne, Califórnia, ela percebeu que alguém estava a ponto de jogar fora uma recordação importante da história da Barbie. "Era o protótipo do buggy da Barbie", ela disse. "Eles iam jogá-lo fora, e eu pedi que jogassem na minha mão, em vez disso".

Ela aprendeu a ser frugal na infância. "Durante a Segunda Guerra Mundial, as coisas eram escassas e lembro que a família comprava os jornais de domingo", conta Spencer. "Quando terminavam de ler, me davam as páginas de quadrinhos para eu recortar as bonecas".

Ela começou a criar moda em papel para as bonecas de papel. Logo estava criando roupas para si mesma. Mas ser estilista de moda não era um objetivo realista, na época, recorda Spencer. "Mulheres podiam ser enfermeiras, professoras, secretárias ou assistentes", ela disse. "Mas ser casada e mãe eram os objetivos dominantes".

Ela foi noiva de um estudante de medicina, mas quando percebeu que ele esperava que ela trabalhasse para ajudá-lo a custear os estudos, mas depois desistisse do emprego para se tornar "mulher de médico", preferiu desmanchar. Matriculou-se no Minneapolis College of Art and Design, onde se formou em belas artes com concentração em design de moda.

Em maio de 1955, quando estava perto de se formar, ela recebeu um telegrama de Nova York que a informava de sua contratação como "editora convidada" na revista Mademoiselle. Em lugar de esperar a cerimônia de formatura, ela apanhou o primeiro avião e se mudou para o Barbizon Hotel for Women, por um mês.

Na sua passagem por Nova York, ela compareceu a uma recepção na casa da empreendedora Helena Rubinstein, do ramo de cosméticos, visitou a sede recentemente inaugurada das Nações Unidas, dançou com cadetes da academia militar de West Point no hotel St. Regis e entrevistou a estilista Pauline Trigère no estúdio dela.

Spencer foi parte da mesma leva de editoras convidadas de Mademoiselle que fazia parte a escritora Joan Didion. "Minneapolis parecia muito distante", ela escreve. Spencer voltou à sua cidade natal para trabalhar, criando roupas infantis para a Wonderalls, e depois se mudou para Milwaukee para ser estilista de roupas esportivas para "senhoritas".

No final de 1962, Spencer viu um anúncio na revista Women's Wear Daily. "Fabricante nacional líder do setor com vendas anuais acima de US$ 50 milhões busca estilista e designer de moda cuidadoso com os custos para sua unidade no subúrbio de Los Angeles".

Ela enviou seu currículo, e não teve resposta. Mas, sentindo que o misterioso emprego era seu destino, ela e a tia carregaram as malas em seu Ford Fairlane 1959 e atravessaram o país rumo à Califórnia. Em abril de 1963, ela viu um anúncio para o mesmo posto na revista California Apparel News, e dessa vez seu contato teve resposta. A empresa envolvida era Mattel, já conhecida pela Barbie, um dos brinquedos de maior sucesso no pós-guerra.

Spencer foi à sede da empresa para uma entrevista e foi convidada a produzir uma coleção de roupas para a criatura. Ela fez um biquíni, um maiô no mesmo tom de rosa alaranjado, uma saída de praia, e uma saia. Spencer conseguiu o emprego.

NADA DE PÍLULAS COR DE ROSA

Na época, a Mattel produzia cerca de 125 trajes diferentes por ano para a Barbie, e o departamento de moda, dirigido por Charlotte Johnson às vezes se tornava um ambiente muito impiedoso. "Charlotte tinha uma teoria", disse Spencer. "Se você tem quatro estilistas, coloca um em cada canto da sala. Era sempre muito competitivo, você tinha de promover seu produto. A competição era meio desleal às vezes".

Como assim? Ela prefere não dizer. "Não trabalho mais lá, estou aposentada, estou curtindo a vida. Limito-me a dizer isso", ela respondeu, tomando um gole de limonada de sua xícara da Barbie. Alguns de seus primeiros sucessos, todos os quais catalogados no livro, incluem o Country Club Dance (um vestido listrado, branco e dourado); From Nine to Five (um vestido azul de comprimento médio, com um colete bordado e um lenço para cabelos); e Debutante Ball (um vestido de cetim azul claro, com uma estola de pele).

Spencer tomava por base a cultura ao seu redor. Quando a mania de aeróbica dos anos 80, liderada por Jane Fonda, decolou, Barbie ganhou um collant púrpura e polainas. No auge da era do ônibus espacial na Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), Barbie se tornou astronauta (ainda que usasse botas até as coxas e capas prateadas).

A vida de Spencer também servia como inspiração. Ao fazer uma biópsia de mama, Spencer ficou fascinada pelos jalecos brancos dos médicos. O resultado da biópsia foi negativo, mas o resultado de moda foi positivo. Adivinhe quem se tornou cirurgiã, por algum tempo?

Erros aconteciam, como quando ela deu à Dra. Barbie um frasco de pílulas rosa, sem saber que na época pílulas rosadas eram sinônimo de metanfetaminas. "Vou te contar, isso causou muito agito", disse Spencer. (O erro dela foi corrigido antes que a Barbie Viciadona chegasse às casas de bonecas das crianças.)

Centenas de peças foram criadas por Carol Spencer, mas poucas portam seu nome. Até a metade da década de 1990, a Mattel não dava crédito aos estilistas em suas embalagens. Mas Spencer recorda cada uma de suas criações, e muitas delas estão guardadas em sua casa, para onde Margaret, 88 a irmã de Carol, se mudará em breve.

o entanto, embora ela saia menos hoje em dia e precise de um andador para se deslocar mais que alguns passos, diz que se sente cercada de boas companhias. "Se você janta na minha casa, nunca está sozinha", ela disse. "A Barbie está sempre com você".

Tradução de Paulo Migliacci