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Descrição de chapéu BBC News Brasil

Como as raves representam um movimento de contracultura que influencia o mundo até hoje

As raves ofereciam escapismo, hedonismo e uma forma de expressão - mas as pistas de dança também eram sobre esperança

O filme 'Beats' é o mais recente longa a mostrar como o movimento simbolizado pelas raves se desenrolou no Reino Unido no início dos anos 1990 - Sixteen Films

As raves foram um símbolo de um dos movimentos de contracultura mais influentes e radicais da história moderna, que emergiu da cena de música eletrônica de Ibiza no final dos anos 1980. Multidões de jovens se reuniram em espaços ao ar livre, como campos, bosques e praias, para dançar a noite toda.

Para escapar da polícia, as raves eram mantidas em segredo, e seus locais eram revelados na última hora e transmitidos no boca a boca, por estações de rádio piratas ou por mensagens gravadas ouvidas por quem ligasse para determinado telefone.

Em um mundo antes dos smartphones, do GPS e do Google Maps, isso significava entrar no carro e se perder um pouco até encontrar uma trilha de carros que pareciam estar indo para uma rave.

O filme Beats, de Brian Welsh, é o mais recente longa-metragem a mostrar como o movimento se desenvolveu no Reino Unido no início dos anos 1990. Embora Beats capte as emoções da caça às raves, não é tanto um filme sobre estas festas em si, mas sobre o amadurecimento de dois adolescentes, o tímido e desajeitado Johnno (Cristian Ortega) e o invocado Spanner (Lorn Macdonald), na Escócia em 1994.

Os improváveis ​​amigos compartilham a paixão pela música eletrônica retratada pela trilha sonora produzida pelo DJ escocês Keith McIvor, mais conhecido por seu nome artístico JD Twitch, que reúne hinos das raves como Everybody In the Place e Wind It Up, do The Prodigy, Energy Flash, de Joey Beltram, e Dominator, do Human Resources.

Em meados da década de 1990, o diretor de Beats, Brian Welsh, era um adolescente que havia crescido em Aberdeen, na Escócia, e descoberto a música eletrônica quando a cena das raves em praias e florestas chegava ao seu fim.

Ele se identifica com os protagonistas da obra, baseada na peça homônima de Kieran Hurley: "Quando eu a vi em 2012, senti uma conexão espiritual com Johnno e Spanner".

"O contexto político e social da época também parece muito significativo com leis atacando as liberdades civis sob o pretexto de reprimir as raves, o fim da era de Margareth Thatcher, do Partido Conservador, e a ascensão de Tony Blair, do Partido Trabalhista, e as ideias em torno do individualismo. A sociedade mudou drasticamente, e essas mudanças são relevantes até hoje - aquelas leis foram usadas em 2003 para criminalizar as pessoas que iam em ônibus lotados protestar contra a guerra do Iraque."

Para escapar da polícia, os locais onde seriam realizadas as raves eram segredos bem guardados - Getty Images

INFLUÊNCIAS

A onda rave foi o início da cena da música eletrônica nos anos 1990, com suas superboates e DJ celebridades.

O surgimento deste tipo de música marcou a cultura jovem global no final dos anos 2000 e criou uma indústria de festivais que movimenta bilhões anualmente. Considerando tudo isso, é surpreendente que as raves não tenham inspirado mais filmes.

Human Traffic (1999) trata da cultura das boates dos anos 1990. A Festa Nunca Termina (2002) é centrado no selo musical Factory Records, de Manchester. De 2004, It's All About Gone Pete Tong (Ritmo Acelerado, na versão brasileira) é sobre um DJ celebridade de Ibiza.

Welsh menciona A Festa Nunca Termina e Quadrophenia (1979) como referências para Beats, mas diz que inspiração veio de filmes como Jovens, Loucos e Rebeldes (1993), Superbad (2007), Thelma e Louise (1991), La Haine (1995) e Faça a Coisa Certa (1989).

"As raves não foram documentadas em filmes além de alguns documentários, e é um período tão interessante porque foi um momento cultural de grande importância. Elas tinham uma estética 'faça você mesmo', com grupos de pessoas que organizavam festas fora do universo comercial - um desafio ao individualismo, ao lucro e à privatização", explica Welsh.

Kieran Hurley, escritor da peça que inspirou o filme, acredita que, com o tempo, a era das raves será apreciada e entendida como tão significativa e influente quanto o punk. "Este período ainda não foi retratado da mesma maneira que o punk, mas está fadado a ser e merece ser - vamos ver mais histórias sobre a cena rave nos próximos dez anos."

"Nós estávamos determinados a contar a história de uma noite incrivelmente significativa para esses dois adolescentes, mas também explorar as condições sociais e políticas em torno desse momento - a rave é a reação de uma geração contra o hiperindividualismo forçado da era Thatcher, quando um conjunto de valores foi incutido na sociedade e rejeitado por muitos jovens."

O feroz credo antiestablishment da cena rave se manifesta no personagem D-Man (Ross Mann), o politizado organizador destas festas e DJ da rádio Community Service, que toca músicas com comentários mordazes e sociais ("eles querem privatizar nossas mentes").

"Para Johnno e Spanner, a rave é uma grande festa, mas, para D-Man, é um protesto, é o jeito de ele dizer que é explicitamente contra tudo o que queriam que nossas vidas e nossa sociedade fossem. Ele reconhece que o mundo o despreza, e tem um desdém igual contra tudo aquilo", explica Hurley.

UMA FORMA PARA SE REBELAR

É importante destacar que o governo aprovou leis para acabar com os delírios destas festas - a Lei de Justiça Criminal e Ordem Pública de 1994 concedeu à polícia "poderes para remover pessoas que participam ou se preparam para uma rave" e interromper uma "reunião a céu aberto de 20 ou mais pessoas em que música amplificada é tocada durante a noite".

Isso foi percebido como um ataque à música eletrônica, especificamente a parte da lei que a define como aquela que "inclui sons total ou predominantemente caracterizados pela emissão de uma sucessão de batidas repetitivas". "Muitas pessoas se tornaram politizadas por acaso porque sentiam que o governo e a grande mídia estavam atacando seu estilo de vida", diz Hurley.

Em meio a essa turbulência, as raves ofereciam escapismo, hedonismo e uma forma de expressão - mas as pistas de dança também eram sobre esperança. Eram espaços onde era possível imaginar e encenar uma visão utópica do que a sociedade poderia ser.

"As pistas de dança das raves representavam um ideal de igualitarismo, eram um espaço compartilhado de respeito mútuo, em que a diferença é bem-vinda e havia uma celebração do que é estar vivo - isso é muito importante para todos da cena rave", afirma Hurley.

A era rave ajudou a dissolver divisões de raça e classe e uniu grupos diferentes pela paixão por música eletrônica e pela dança - Sixteen Films

As rave ajudaram a dissolver divisões de raça e classe. Uniram uma miríade de grupos diferentes em torno da paixão pela música eletrônica e pela dança em espaços abertos que não eram dominados pelo álcool e pela masculinidade agressiva.

É um sentimento ecoado por Welsh, que se lembra de sua epifania com as rave há 25 anos como se fosse ontem: "Dave Clarke tocava numa noite de quarta-feira em um clube em Aberdeen, o Pelican - eu ainda estava na escola e tive a melhor noite da minha vida. Era uma energia elétrica, havia pessoas de todos os lugares, de diferentes origens, unidas sob em torno de uma única coisa. Parecia um espaço seguro e diferente, porque eu odiava a escola por ser assustadora e violenta".

Welsh tem idade suficiente para ter acompanhado o crepúsculo da cena rave, mas Hurley é jovem demais para ter experimentado isso e testemunhou tudo por meio de seu irmão mais velho.

No entanto, tanto Welsh quanto Hurley são fãs de música eletrônica e foram influenciados pela lendas, histórias e valores da era rave. São ainda exemplos de como o espírito daquele tempo continua vivo e permanece relevante hoje em dia.

"Há algo sobre jovens em uma pista de dança que nunca vai morrer. Novas cenas estão surgindo, mas a música e o espírito daquela época parecem se infiltrar na vida das pessoas destes novos tempos", diz Hurley.

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