"Dogville" é uma ilustração do que podemos nos tornar enquanto sociedade. É assim que a atriz Mel Lisboa define a peça estrelada por ela e Fábio Assunção, em cartaz em São Paulo. Mel interpreta Grace, uma mulher elegante que, fugindo de gângsteres, chega à pequena cidade de Dogville, onde um cachorro anuncia a chegada de forasteiros.
Ela é acolhida por Tom Edison Jr. (Rodrigo Caetano), mas a permanência dela na vila depende da aprovação dos outros moradores. Grace, que diz nunca ter trabalhado, se oferece para ajudar a comunidade em agradecimento a tanta generosidade.
No início ela é tratada com gentileza, mas a situação logo muda: aqueles cidadãos, até então pacatos, começam a cometer contra Grace uma série de abusos, de todos os tipos. Quanto mais ela se doa e expõe sua fragilidade e bondade, mais abusada ela é, levando a situação a extremos inimagináveis.
"Isso nos leva a uma catarse. Por isso a peça tem o poder de nos fazer refletir tanto", afirma Mel Lisboa. Algumas reações da plateia em cenas de agressão surpreenderam a protagonista. “Fiquei chocada com algumas risadas em momentos de tensão e violência. Parece um riso nervoso.”
Essa é a primeira versão teatral brasileira de “Dogville”, obra-prima do cineasta dinamarquês Lars von Trier. Lançado em 2003, o filme representou um divisor de águas no cinema por se passar em um palco, com cenário imaginário e cenas não convencionais. “Foi um presente para mim poder fazer um papel tão impactante”, afirma Mel sobre a personagem Grace, interpretada por Nicole Kidman na telona.
A trama, que discute temas como vingança, se mostra atual ao reproduzir o discurso daqueles que se autodeclaram “cidadãos de bem”, mas têm atitudes opostas ao que pregam. “Vivemos uma época de moralização e falta de valores morais, o que pode ser perigoso. Tempos em que se vibra com a vingança, em que se defende a violência como resposta”, diz a atriz, citando a flexibilização da posse de armas no Brasil.