X de Sexo Por Bruna Maia
Descrição de chapéu Todas

Ter uma vida sexual livre de medo não pode ser uma exclusividade dos homens

Caso de escola do Rio mostra que a opressão da sexualidade feminina começa muito cedo

Mia Goth em imagem de divulgação do filme 'Pearl' - Divulgação

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Medo de ver um pau que você não quer ver. De ser forçada a encostar nele. Medo de que encostem em você sem que você queira. Sempre andar na rua assim, com um pouco de medo ou com muito medo. Ou até evitar de andar na rua por causa desse medo.

Mas apareceu aquele homem legal e gentil e lindo e você quer sim sentar nele. Você tá cheia de desejo. Mas, ainda assim, tem medo. Medo de que de repente ele deixe de ser gentil e a obrigue a fazer o que você não quer. Medo de que ele tire a camisinha sem você perceber e você pegue uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). Ou engravide. Depois de ejacular ele pode ir embora e apagar seu número e bloquear você em todas as redes sociais, mas você pode ter que ficar lidando com as consequências.

A vida sexual das mulheres é permeada pelo medo desde muito cedo, o medo de ser violentada, o medo de engravidar, o medo de ser violentada e engravidar. É do interesse do patriarcado que tenhamos tanto medo, porque quanto mais medo você tem menos livre você é.

Nesta semana, 25 alunas entre 14 e 16 anos do Colégio Santo Agostinho da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro tiveram nudes falsos vazados. Alguns colegas criaram imagens explícitas das meninas com o auxílio de inteligência artificial. De acordo com os pais, elas estão tendo crises de ansiedade e chorando.

Vejam só. A tecnologia está sendo usado a serviço desse medo, como um recado de que não, querida, não adianta fugir, não tem para onde correr. Você pode não fazer nada, pode apenas estar sentada na sua carteira existindo e um cara pode tirar uma foto do seu rosto e fazer conteúdo pornográfico com ela e usar isso para destruir sua reputação e atormentar você no recreio. E você vai ficar lá pensando "imagina se eu beijar o menino que eu gosto e souberem, imagina se eu fizer sexo oral nele e o menino que eu gosto não for tão confiável assim e gravar tudo e mandar esse vídeo para a escola inteira?".

Aos 37 anos eu tenho medo de tantas coisas ainda. Não faz muitos dias acordei de um sonho e fui correndo verificar se a porta de casa estava trancada. Tinha medo de que algum homem entrasse e me violentasse enquanto eu durmo. Eu tenho medo de voltar a pé de noite da casa da minha amiga que mora a duas quadras. E também tenho medo, pra ser bem sincera, de pedir um carro de aplicativo e ser estuprada pelo motorista.

Do lado dos homens cis não é bem assim que funciona. Meus amigos têm medo de serem assaltados, sofrerem um sequestro relâmpago. Sexualmente? O máximo que eles temem é que alguma parceira sexual faça um exposed na internet acusando-os de ser boy lixo ou algo assim. Veja bem, eles não têm medo de estarem sendo um boy lixo, eles têm medo de serem acusados de ser um boy lixo, é diferente!

Afinal, a acusação pode queimar o filme deles com outras e dificultar o flerte online. Muitos deles, estranhamente, não têm medo de engravidar alguém. Têm medo de ter que pagar pensão, mas não têm medo de engravidar alguém! Deve ser fascinante viver nessa dobra do espaço-tempo em que eles vivem, onde não têm nenhum cuidado com a contracepção e depois se espantam com uma gestação e ainda reclamam que a mulher foi irresponsável demais.

Na história do colégio do Rio de Janeiro, a mãe de umas alunas contou que um dos jovens misóginos que participou do processo de criar e compartilhar as imagens falou que nada aconteceria com ele, afinal, é branco e rico. É triste perceber que reside verdade atrás dessas palavras. Não são apenas os homens brancos (e heterossexuais) que são violentos com mulheres, a masculinidade é ampla e todos os homens estão inseridos nela. É que os brancos têm mais chance de saírem impunes das violências que cometem.

Parte considerável da população não consegue desfrutar do prazer de forma plena, sem coerção, sem temer que algo possa dar errado (se incluem aqui também mulheres trans, homens trans e outras orientações de gênero não-normativas). E essa parte da população tem que ouvir desde cedo que precisa se cuidar e se proteger, como se a responsabilidade fosse só dela.

Esse caso recente deixa claro que não importa o quanto nos resguardemos, nos protejamos. Mesmo que escolhamos a gola mais alta e a calça mais larga e nos sentemos num canto olhando pra baixo, vamos continuar vulneráveis. É porque são eles –os homens cis– que têm que parar de repetir "nem todo homem" e aceitar que sim, todo homem e começarem a mudar e a pressionar os outros para que mudem.

Você, homem, já deixou alguma mulher com medo hoje? E o seu melhor amigo? E o seu colega de trabalho?

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