Pioneira do humor na internet, Katylene influenciou até quem não a conheceu
Daniel Carvalho, criador da personagem, morreu aos 32 anos
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Muitos internautas foram dormir na noite de sexta (8) ou acordaram neste sábado (9) com uma notícia triste. Morreu Daniel Carvalho, com apenas 32 anos de idade, em um hospital no Rio de Janeiro. DJ e produtor de conteúdo, Daniel na verdade era mais conhecido por seu alter ego: Katylene, a rainha da blogosfera brasileira na primeira década deste século.
Katy quem?, perguntarão os mais novinhos. A dúvida é pertinente. Depois de alguns anos gloriosos, em que ganhou até programa próprio na extinta MTV Brasil, Katylene teve presença intermitente na web desde então. Sumia por algum tempo, voltava, sumia de novo. Nos últimos anos, mantinha apenas sua conta no Twitter, ainda com 218 mil seguidores, mas mais retuitava piadas alheias do que criava suas próprias.
O fato é que Katylene Beezmarcky, travechty de Xerém, na Baixada Fluminense, é uma figura seminal no desenvolvimento do humor na internet brasileira. Em 2007, quando o Facebook ainda era bebê, o Twitter não existia e o Orkut era o máximo, seu blog Papel Pobre se tornou parada obrigatória.
Protegido pelo anonimato, Daniel disparava setas envenenadas por todo o showbiz nacional e estrangeiro. Criou apelidos cruéis que grudavam feito carrapato em suas vítimas, como Chatolina Dickerman, Bola Preta Gil ou Neyde (para Britney Spears, então no auge dos problemas pessoais).
Até que uma outra blogueira descobriu a identidade secreta da Katy e a revelou ao mundo, talvez por inveja. Esse “outing” forçado fez com que o Papel Pobre saísse imediatamente do ar. Na época, especulou-se que Daniel estaria com medo de ser processado por seus alvos contumazes.
Mas não demorou para que Katylene retornasse com seu próprio blog, que logo se tornou um fenômeno de audiência. Foi lá que se popularizaram expressões como “loosho”, “umidificação do dia”, “vomitadinha”, “uórror” e “traça ou repassa” (quando ela perguntava a opinião dos leitores sobre algum boy magia).
Seus comentários sobre os looks que as celebridades ostentavam em eventos como a entrega do Oscar ou o baile anual da revista Vogue no museu Metropolitan de Nova York eram muito mais precisos e ferinos do que os de qualquer revista de moda. Tudo virava meme, sem sabermos ainda o que era meme.
Tanto sucesso levou Katylene para a televisão, mas seu programa na MTV Brasil durou poucos meses em 2010. A voz que inventaram para a personagem não era tão debochada quanto a que existia na cabeça dos leitores, e suas tiradas, criadas para serem lidas, não funcionavam bem com som e imagens.
Dois anos depois, Daniel Carvalho foi contratado pela Band para ser o fofoqueiro do “Muito +”, atração vespertina comandada por Adriane Galisteu. Logo no programa de estreia, transmitido ao vivo, ele se levantou e não voltou mais. Continuou trabalhando nos bastidores por mais dois meses, mas o próprio programa não teve vida longa. Daniel parecia não gostar das câmeras, e se expressava muito melhor escondido por sua criatura.
O curioso é que, nos dias de hoje, Katylene talvez não fosse tão bem recebida. Não duvido que ela fosse atacada pelas mesmas transexuais ativistas que infernizaram a vida do ator Luís Lobianco, que ousou criar e interpretar um monólogo baseado na vida da travesti brasileira Gisberta, morta em Portugal. Assim como Lobianco, Daniel também era um homem cisgênero, e essas militantes equivocadas diriam que ele não tinha lugar de fala.
Sua morte precoce fez muita gente ter saudades de um tempo em que a internet supostamente “era só mato”. Não era, mas, 10 anos atrás, as redes sociais não tinham o peso e o poder que têm hoje. Nem sequer existia o termo “influenciador digital”, com seus milhões de “seguimores”, seus “recebidos” e suas vidinhas fake, programadas para receber likes.
Mais importante ainda: quando Katylene reinou, ainda não estávamos polarizados como estávamos hoje, e entrávamos online basicamente para dar risada. Como muitos blogueiros gays assumidos, ela teve um papel importante para que toda uma geração saísse do armário com menos medo do que a anterior. Como humorista, gerou milhares de imitadores, e hoje tem gente que repete seus bordões por aí sem nem saber de onde eles vieram.
Daniel Carvalho se foi, mas não duvido que Katylene ressurja de alguma maneira. Como ela mesma avisa em seu perfil no Twitter: “oi miga! não, eu nunca morro”.