Então agora devemos deixar de ouvir Michael Jackson?
Documentário 'Deixando Neverland' provoca boicote à obra do cantor
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A morte de Michael Jackson, há quase dez anos, fez bem para sua carreira. O cantor preparava uma volta triunfal aos palcos, depois de um longo período na moita: um show superproduzido, “This Is It”, que teria apenas 50 apresentações, todas em Londres.
Duas semanas antes da estreia, Jackson morreu, vítima de uma overdose de anestésicos ministrada por seu médico pessoal. Depois de décadas de problemas com a Justiça e de perseguição pela imprensa, o astro de “Thriller” só conseguia adormecer com anestesia.
A comoção gerada por sua morte foi em escala planetária. Fazia tempo que ele não emplacava nenhum grande sucesso, e a fama de pedófilo havia grudado em sua reputação desde 1993. Mas a perda súbita e precoce de um dos maiores nomes da música de todos os tempos fez com que tudo fosse perdoado.
Nos anos que se seguiram, Michael Jackson recebeu toda sorte de homenagens. Álbuns póstumos foram lançados com faixas inéditas e remasterizações. Um holograma do cantor espantou a plateia do Billboard Music Awards em 2014. Seu lugar na história parecia garantido.
Até que, em janeiro deste ano, o documentário “Deixando Neverland” foi lançado no festival de Sundance, nos Estados Unidos. Com quatro horas de duração, o filme traz depoimentos devastadores de Wade Robson e James Safechuck. Hoje quarentões, os dois testemunharam a favor de Jackson quando crianças, no julgamento do processo movido pela família de outro garoto, Jordan Chandler.
Esse caso acabou sendo resolvido fora dos tribunais, com Jackson pagando mais de 15 milhões de dólares aos Chandler. Agora, quase 30 anos mais tarde, Robson e Safechuck admitem que mentiram naquela época, e que também foram abusados por Michael Jackson.
“Deixando Neverland” foi exibido pela TV americana no domingo passado (3). Aqui no Brasil, será transmitido pela HBO em duas partes, nos dias 16 e 17 de março, às 20 horas. E as reações negativas já se espalham pelo mundo.
Rádios do Reino Unido, da Austrália e da Nova Zelândia retiraram os discos de Michael Jackson de suas playlists. Uma estátua do artista foi removida de um museu britânico. Anônimos e famosos declaram nas redes sociais que nunca mais querem ouvir nada gravado por Jackson.
A pergunta é pertinente e também eterna: o mau comportamento de um artista invalida a sua obra? A história está cheia de exemplos perturbadores. O pintor italiano Caravaggio, um dos grandes nomes do Renascimento, também era um assassino. Inúmeros escritores e atores de renome colaboraram com o 3º Reich. Merecem todos a lata de lixo?
Eu prefiro encarar Michael Jackson de maneira mais ampla. Acompanhei toda sua carreira, desde os primórdios com o Jackson Five. Sua música embalou minha juventude. E eu sei que ele foi explorado pelo pai – talvez até abusado sexualmente.
A libido Michael Jackson, ao que tudo indica, não amadureceu. Estacionou na adolescência, quando muitos garotos experimentam o chamado “troca-troca”. Quando se tornou bilionário, ele deu vazão a todos os seus impulsos. Acabou pagando com a própria vida pelas aberrações que protagonizou.
Tão criminosos quanto Jackson são os que lhe permitiam levar moleques para casa – inclusive os pais desses moleques, que sabiam que eles dormiam com um homem de mais de 30 anos. Esse círculo de silêncio, regado a muito dinheiro, ainda não foi de todo esclarecido.
Mas eu, pessoalmente, não pretendo me desfazer dos meus CDs de Jackson. São relíquias de uma fase da minha vida. “Off the Wall” e “Billie Jean” fazem parte da minha trilha sonora pessoal.
Além do mais, não é nenhuma surpresa saber que o cantor era mesmo um molestador de criancinhas. Quem acompanhou o noticiário naquela época não pode ter dúvidas.
Portanto, não será agora que eu irei mudar de ideia. Lamento por todos os envolvidos - mas a música de Michael Jackson, ninguém vai tirar de mim.