Thiago Stivaletti

Obsessão por procedimentos estéticos vira pesadelo em novos filmes

'Feios', na Netflix, e 'A Substância', com Demi Moore, criam distopias em torno da busca por preenchimentos, cirurgias plásticas e botox

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Joey King e Chase Stokes como Tally e Peris em 'Feios' - Brian Douglas/Netflix

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Cirurgia plástica, preenchimento, botox. Se algum tempo atrás esses procedimentos eram buscados por pessoas acima dos 50 ou 60 anos, hoje muitos jovens na faixa dos 20 já começam a fazer os primeiros procedimentos estéticos.

Envelhecer (e com rugas) nunca esteve tão fora de moda. A pressão é ainda maior nos artistas –na TV, galãs, funkeiros e sertanejos longe da meia-idade aparecem com as maçãs do rosto duras, enquanto atrizes e divas pop surgem com lábios carnudos nada naturais. Aonde essa busca desenfreada por beleza e juventude vai nos levar?

Essa angústia tão atual aparece em dois filmes que estreiam por estes dias. "Feios", que chegou ontem à Netflix, é uma distopia que imagina um futuro em que todos os adolescentes são obrigados a passar por uma cirurgia estética assim que completam 16 anos –deixando assim o mundo melancólico dos Feios e ingressando no eternamente feliz mundo dos Bonitos.

"A Substância", que chega aos cinemas na próxima quinta (19), é a volta triunfal de Demi Moore como uma atriz de Hollywood que, apesar de linda e maravilhosa aos 60, sente a pressão da indústria para que não envelheça e decide tomar uma nova droga para voltar a ter um corpo de 30. Mas o experimento dá errado e as consequências são sinistras.

O primeiro filme ajuda a entender como a pressão por uma beleza padronizada foi gerando cada vez mais cedo uma ansiedade nos jovens, que seguem enlouquecidamente influenciadores de saúde, fitness e beleza nos Instagrams e Tik Toks da vida. O segundo tem um olhar mais feminista e mostra como a juventude é um atributo cobrado mais das mulheres do que dos homens. Basta ver que, em Hollywood, para cada Meryl Streep, existem vários Robert De Niro, Robert Redford e Tom Hanks.

Em "Feios", Tally (Joey King) e Peris (Chase Stokes) são melhores amigos de 15 anos, ansiosos para completar 16 e ingressarem no mundo dos Bonitos. Até lá, eles usam os apelidos de Vesguinha e Nariz, em alusão ao que consideram seus maiores defeitos.

Peris é o primeiro a passar para o outro lado e, após a cirurgia, em vez de bonito, aparece bizarramente alterado. Seu novo rosto parece concebido por Inteligência Artificial, acrescido dos filtros mais fortes do Insta: contornos da face mais quadrados, maçãs do rosto preenchidas, olhos mais claros e também mais robóticos. Virou um Ken humano e se orgulha disso.

Antes de ingressar no mesmo mundo, a mocinha Tally conhece a rebelde Shay (Brianne Tju), uma rebelde que não pretende fazer a tal cirurgia, para desgosto do resto da sociedade. Shay ajuda Tally a entender que há alguma coisa de podre no reino estético comandado pela doutora Cable (Laverne Cox, da série "Orange Is the New Black").

"Feios" é uma fábula moral para adolescentes. Mistura os ensinamentos infantis de "Cinderela" com a embalagem de ficção científica de sucessos da Geração Z, como as franquias "Jogos Vorazes" e "Divergente". Tenta ensinar que beleza não é tudo num mundo em que a aparência ganhou o jogo nas redes sociais

Só erra feio ao escalar Laverne Cox, uma atriz trans, como a grande vilã. Se Laverne passou por inúmeras cirurgias, não foi por pressão estética, mas para se adequar ao gênero com o qual se identifica –e isso faz toda a diferença.

Tanto "Feios" quanto "A Substância" fazem um bom retrato da neurose gigante em que a sociedade ocidental se enfiou, fazendo do rosto e do corpo uma embalagem —e das pessoas um mero produto. Infelizmente não oferecem soluções para um problema que, mais do que estético, se tornou existencial.

"Feios"
Disponível na Netflix

"A Substância"
Com Demi Moore. Estreia na próxima quinta (19) nos cinemas