Trabalhei com Gugu Liberato no auge do "Viva a Noite", fiz trabalhos para suas empresas e criei e escrevi para um programa infantil que ele produzia, o "Casa Mágica". Por ser sua roteirista durante alguns anos, convivi com ele de perto. Gugu gostava de mim e, em algumas ocasiões, me recebeu em sua casa. Ele era um profissional muito criativo, inteligente e adorava arte.

Gugu era também um homem discreto e pouco falava de sua vida íntima e de suas relações amorosas. O Brasil sempre foi muito conservador e se hoje vemos o tanto de preconceito que existe, imagine nos anos 80? Dá para entender as histórias de "namoro" entre Gugu e suas assistentes de palco, como Silvinha, Mariette, Alessandra Scatena, e as capas da revista Caras, mostrando Gugu e seus três filhos com Rose Miriam. Tudo para agradar a "tradicional família brasileira".

Quando Gugu morreu, em novembro de 2019, fiquei muito abalada. Fiquei também chocada com a forma com que muita gente passou a devassar sua vida pessoal, questionando sua sexualidade, suas relações amorosas. Foi aí que surgiu o nome de um possível companheiro de Gugu, de quem, até então, ninguém tinha ouvido falar: o chef Thiago Salvático, que mora na Alemanha. O problema era definir quem, afinal, tinha uma 'união estável' com Gugu. Rose? Thiago? E assim começou uma batalha judicial por parte da herança de Gugu, avaliada em quase 1 bilhão de reais.

Nesta semana, depois de mais de três anos, o chef Thiago Salvático, que dizia namorar com Gugu desde 2011, sofreu uma derrota na Justiça. O juiz definiu a relação dos dois como "clandestina" e que ela não seria uma união estável, mas uma amizade. O argumento me deixou revoltada.

O juiz alega que, mesmo que eles tenham mantido um relacionamento amoroso, o que é comprovado por fotos de viagens e troca de mensagens, é impossível dizer que eles tivessem um relacionamento estável, público e duradouro.

Oi??? A mesma sociedade que julga e reprova um casal homoafetivo não reconhece união estável entre eles justamente porque a relação não era pública? Mas como tornar a relação pública se a sociedade obriga os dois a se esconderem?

Felizmente, para Thiago, ainda cabe recurso. Não sou juíza, não tenho como prever o que vai acontecer, mas de uma coisa eu sei: é muita hipocrisia.

Estamos em 2023 e não é possível que pessoas anônimas ou famosas não possam ser quem são, não possam viver sua sexualidade como bem entendem por causa de um conservadorismo homofóbico que permeia até nossas leis.

As pessoas merecem ser reconhecidas em suas relações. E Gugu merece descansar em paz.