Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Televisão

Historiadora de 'Bridgerton' conta se produção da série escuta seus conselhos e como lida com eles

Apesar das liberdades, série da Netflix conta com equipe de renomados consultores históricos

Luke Newton e Nicola Coughlan em cena da 3ª temporada de 'Bridgerton' - Liam Daniel/Netflix

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Alexis Soloski

Quando a primeira temporada da série "Bridgerton", da Netflix, estreou no Dia de Natal, Amanda Vickery estava em casa com suas três filhas e assistiu a todos os episódios. Isso foi em 2020, no meio do lockdown da Inglaterra, e Vickery lembra de pensar: "Que bom que existe essa fuga".

Que Vickery pudesse se perder dessa forma é um elogio especial a "Bridgerton", uma fantasia enfeitada adaptada dos romances de época de Julia Quinn. Vickery, professora na Queen Mary, Universidade de Londres, é historiadora. E "Bridgerton", uma série na qual mulheres empoderadas desmaiam ao som de versões orquestradas de Ariana Grande, adota uma abordagem bastante liberal em relação à história.

Assistindo em casa, Vickery não imaginava que um dia trabalharia em "Bridgerton", mas para esta terceira temporada, cuja segunda parte chegou estreou recentemente, ela atuou como consultora histórica, sucedendo sua amiga e colega, Hannah Greig, professora emérita na Royal Holloway, Universidade de Londres.

Uma série que reaproveita "Yellow" do Coldplay como marcha de casamento realmente precisa de historiadores? Sim. Vários.

"Estamos cientes de que 'Bridgerton' não busca precisão documental", disse Vickery durante uma chamada de vídeo recente, com Greig em uma janela adjacente. "É uma fantasia, mas é uma fantasia fundamentada em um entendimento do período." Seu papel, como ela vê, é apontar possíveis anacronismos e deixar que os roteiristas e diretores decidam a partir daí.

Greig teve uma formulação ligeiramente diferente. "Você é a nerd de plantão, a enciclopédia ambulante", disse ela. Mas ela e Vickery compartilham uma espécie de lema: o show faz escolhas, não erros. "Quando eles se afastam da história de forma absoluta, é feito de forma consciente e por um motivo", disse Vickery. "É intencional."

O período da Regência é geralmente entendido como abrangendo os anos do final do século 18 até a ascensão da rainha Vitória em 1837, um período concomitante com o trabalho de Jane Austen e um cenário popular para romances. Embora os roteiristas de "Bridgerton" tenham um conhecimento geral dos modos e costumes do período, há um assistente na sala dos roteiristas encarregado de pesquisar perguntas (do tipo: sim, havia balões de ar quente nesse período) e oferecer curiosidades históricas.

Há também um consultor de diálogo, John Mullan, outro professor da University College London. Mullan revisa cada roteiro e faz sugestões, ajudando, como disse a showrunner da 3ª temporada, Jess Brownell, a "regencializar" o discurso.

Brownell aceita quase todas as suas observações, exceto quando seria necessário usar 10 palavras da Regência para substituir uma moderna. "Nesse caso", ela disse, "simplesmente não vale a pena".

Greig e Vickery também revisam os roteiros antecipadamente. Às vezes, são solicitadas a consultar sobre questões maiores, como: qual era o status social de uma viúva nesse período? O objetivo, disse Vickery, não é ser "uma professora, repreendendo-os", mas sim fornecer à equipe criativa as informações necessárias e oferecer sugestões que possam livrá-los de um buraco no enredo.

É claro que alguns anacronismos são deliberados. Nesta Regência, é primavera para sempre e raramente chove. Como "Bridgerton" é uma fantasia progressista, permite às mulheres uma autonomia significativa e inclui pessoas de cor nos mais altos escalões da sociedade inglesa.

"É uma forma de equilibrar as coisas pela quantidade de apagamento que houve de pessoas de cor na época da Regência na televisão e no cinema", disse Brownell.

Notavelmente, "Bridgerton" escalou Golda Rosheuvel, uma atriz birracial, como rainha Charlotte. Embora pelo menos um historiador tenha proposto a verdadeira eainha Charlotte como multirracial, essa teoria encontrou pouca aceitação. Na época da rainha, Vickery observou, Charlotte era percebida como muito alemã e muito entediante.

"Felizmente, esta rainha Charlotte é muito mais emocionante", disse Vickery. Tão emocionante que inspirou uma série derivada, "Queen Charlotte", que se afasta mais entusiasticamente do registro histórico.

De outra forma, e excetuando algumas omissões pontuais, "Bridgerton" adere em grande parte à história. Os bailes eram realmente tão extravagantes, e o sexo era potencialmente tão intenso (as fontes para isso: a encantadora literatura erótica do século 18). Até a peruca de cisne da rainha Charlotte tem um precedente.

Ainda assim, existem dezenas de fóruns online dedicados às maneiras pelas quais "Bridgerton" se afasta da verdadeira Regência —os penteados, as modas, o fumo. E há argumentos online mais substanciais, discussões sobre o que significa diversificar a aristocracia retrospectivamente sem considerar o racismo e o colonialismo do mundo real da época. A série também ignora as mudanças políticas ocorrendo em outros lugares (as Guerras Napoleônicas mal são mencionadas) e as mudanças provocadas pela Revolução Industrial em casa.

"Isso seria um show muito, muito diferente", disse Vickery. "Isso simplesmente não é o que 'Bridgerton' está tentando fazer. É realmente sobre o prazer feminino. Provavelmente 'Bridgerton' pensa mais sobre o prazer feminino do que muitos homens aristocráticos fizeram."

Vickery e Greig dizem que, como espectadoras, nunca experimentam o desconforto de um anacronismo aparente. Principalmente porque sabem o que esperar. E acreditam que anacronismos deliberados podem gerar conversas produtivas entre historiadores e leigos.

"Agora nos perguntam muito mais sobre qual é a verdadeira história da raça, qual é a verdadeira história de um relacionamento entre a Inglaterra e a Ásia do Sul", disse Greig. "Isso realmente abre a conversa de uma maneira que outros dramas de época talvez não façam."

Vickery disse que colaborar no show enriqueceu seu trabalho como historiadora. As perguntas sobre moda e etiqueta que os roteiristas fazem muitas vezes envolvem questões de poder, reputação e risco. E ela descreveu suas visitas ao set em termos vívidos. "É impressionante", disse Vickery. "É como ver um exército no campo. Mas então é perguntado se você tem alguma observação."

Muitas vezes ela tem, e muitas vezes essas observações são então incorporadas, um presente para qualquer acadêmico. "'Bridgerton' é uma alegria absoluta", disse Greig. "É uma ficção. É uma fantasia. É uma maneira de nos fazer pensar de forma diferente sobre o passado, e essa é uma de suas grandes alegrias."