Emma D'Arcy diz que tentou ser mais feminina para conseguir agente antes de 'A Casa do Dragão'
Intérprete de Rhaenyra Targaryen, que prefere usar pronomes neutros, também conta como perda na própria família lhe afetou durante gravações da segunda temporada da série da Max
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Em uma manhã recente em Londres, Emma D’Arcy estava lidando com "uma emergência". D’Arcy estava em um estúdio, regravando a narração de Rhaenyra Targaryen para a segunda temporada do sucesso "A Casa do Dragão", o prelúdio de "Game of Thrones", da HBO.
Era a quarta vez que D’Arcy, que usa pronomes neutros, gravava esse trecho específico de diálogo e, a cada vez, era confrontada por uma tela enorme mostrando seu rosto, cercado por efeitos especiais inacabados. Era como um "Feitiço do Tempo" bastante brutal, disse, acrescentando ironicamente que "o processo de repressão acontece muito rapidamente quando se tem um trabalho a fazer".
Como a estrela em ascensão de "A Casa do Dragão", que retornou para sua segunda temporada no domingo passado (16), D’Arcy, de 31 anos, teve que se ajustar a ver sua imagem ampliada. "Emma é literalmente o rosto no cartaz", disse Ryan Condal, criador e showrunner da série, em uma entrevista por telefone, acrescentando que não conseguia imaginar como deve ser "assumir isso, mas ainda ser artista e estudar seriamente o ofício".
D’Arcy tem lidado com essa tensão desde que "A Casa do Dragão" começou a ir ao ar em 2022, tornando-se a estreia mais assistida na história da HBO. Ambientada aproximadamente 200 anos antes de "Game of Thrones", a série se concentra na dinastia Targaryen antes de sua queda dramática. A destemida montadora de dragões de D’Arcy, Rhaenyra, que deve defender sua reivindicação ao Trono de Ferro, rapidamente se tornou a personagem favorita dos fãs.
Na nova temporada, D’Arcy está em todos os oito episódios, enquanto na primeira temporada, de 10 episódios, Milly Alcock interpretou uma versão mais jovem de Rhaenyra em seis. "O que percebi retrospectivamente é que, quatro episódios —muah!", disse D’Arcy, fazendo um gesto de beijo com os dedos enquanto estava sentada de pernas cruzadas em uma cadeira no Royal Court Theater em Londres.
A segunda temporada foi mais emocionalmente difícil também. No final da 1ª temporada, o filho de Rhaenyra, Luke, é morto por um dragão e, assim, a personagem de D’Arcy está "atingida pela tristeza", disse. "Ela é isolada por sua perda", irradiando "um sentimento violento, vil —como um sentimento de ódio".
Pouco antes de começar a filmar a segunda temporada, D’Arcy disse que também havia passado por uma grande perda em sua própria família. "Foi um momento estranho ser convidado a meditar sobre a tristeza em seu trabalho, enquanto tentava encontrar algum espaço para colocar sua tristeza real", disse baixinho. Como Rhaenyra, disse que estava com raiva.
"Stanislavsky tem seu lugar, é claro", disse, referindo-se a Constantin Stanislávski, cujo método de atuação ensinava os atores a canalizar experiências pessoais na performance. "Mas não é realmente meu estilo ter minhas próprias coisas tão próximas", disse, acrescentando: "Foi um pouco como ser meu próprio doppelgänger".
Matt Smith, que interpreta o tio/marido de Rhaenyra, Daemon, disse em uma entrevista por telefone que D’Arcy tinha "a capacidade de estar em seu eu trágico, bastante abertamente". Como artista, o foco de D’Arcy era "forense e impulsionado por um intelecto a laser", acrescentou.
Nos subúrbios de Gloucestershire, no sudoeste da Inglaterra, os pais de D’Arcy incentivaram a expressão artística, segundo conta. Sua mãe havia sido ilustradora antes de D’Arcy nascer e, mesmo que o trabalho diurno de seu pai fosse com segurança, ele era "um pintor e fotógrafo obsessivo", disse.
Quando criança, D’Arcy assistiu a uma fita VHS de "Joseph and the Amazing Technicolor Dreamcoat" tantas vezes, lembrou, que "ela fazia aquele estranho barulho listrado". Eles se tornaram "completamente obcecados" com o narrador do musical, que tinha cabelos loiros curtos e usava um longo sobretudo. "Aquele personagem está no comando e tinha essa aparência andrógina", disse D’Arcy. "Eu pensei: 'Gostaria de ser como você'."
Depois de uma experiência "bastante desagradável" no ensino médio, D’Arcy passou um ano formativo estudando arte e se especializando em escultura. "Para mim, foi como fogos de artifício no cérebro", disse. Os estudos de Belas Artes continuaram na Ruskin School of Art, parte da Universidade de Oxford, e o começo de seus 20 anos foi em uma companhia de teatro, dirigindo e projetando cenários, além de atuar.
"Eu estava deixando meu cabelo crescer para parecer mais feminina porque achava que isso me ajudaria a conseguir um agente", disse D’Arcy. Mas quando conseguiu um, em 2016, teve o que descreveu como "um pânico total" e se perguntou se teria que escolher entre trabalhar com interpretação e viver de uma forma que fosse autêntica para sua identidade de gênero. Em 2020, quando a HBO pediu a D’Arcy que confirmasse os pronomes pelos quais preferia ser tratada antes de filmar "A Casa do Dragão", percebeu que não precisava fazer uma escolha.
Antes de assumir o papel de Rhaenyra, D’Arcy escreveu uma lista de prós e contras para aceitar o trabalho. Eles fizeram o teste durante a pandemia e haviam acabado de perder um ano de trabalho. Na coluna de prós, "só tinha escrito 'perspectiva?'", disse D’Arcy, rindo, além de "talvez tenha que implorar menos para conseguir trabalho?".
Tornar-se reconhecível estava no lado negativo. Mas D’Arcy sentiu confiança de que "se você parar de aparecer na TV, isso desaparece". Desde a primeira temporada do programa, D’Arcy ainda conseguia andar de bicicleta por Londres e ter "um tempo completamente normal", disse, em parte graças "à peruca" que usa como Rhaenyra, que é loira platinada e na altura da cintura.
"Eu devo uma enorme gratidão a isso", disse D’Arcy secamente, passando a mão pelo seu curto e bagunçado cabelo castanho.
D’Arcy disse que nem sempre se sentia confortável sendo tratado como um talento, mesmo no set de "A Casa do Dragão", onde seu nome está no topo da lista de créditos e onde tem sua própria tenda de maquiagem. "Eu achei as hierarquias do set particularmente difíceis de entender", disse, acrescentando que era diferente da abordagem de todos trabalhando juntos com a qual havia se acostumado ao dirigir uma companhia de teatro.
Em 2022, D’Arcy de repente recebeu muito mais atenção depois que viralizou um vídeo em que explicava sua bebida favorita —"um Negroni ... Sbagliato ... com prosecco dentro"— para a colega de "A Casa do Dragão", Olivia Cooke. "Ainda parece algo que aconteceu com outra pessoa", disse D’Arcy.
A entrega vocal de D’Arcy nesse vídeo —arqueada, mas com um ar de elegância à la James Bond— virou meme. Em uma entrevista por telefone, Cooke, que interpreta Alicent, a inimiga e ex-melhor amiga de Rhaenyra, descreveu a voz de D’Arcy como "terrena e ressonante" e "bastante sensual, de certa forma", acrescentando que "poderia ouvi-la lendo os ingredientes de uma caixa de cereal". Cooke conteve um riso. "Meu Deus, eu pareço estranha, como uma de suas fãs", disse ela —embora, tenha acrescentado: "Eu sou uma de suas fãs!".
Enquanto a segunda temporada de "A Casa do Dragão" estreia e seu rosto retorna a milhões de telas, D’Arcy estará mais uma vez no palco em Londres, aparecendo em "Bluets", uma peça experimental dirigida por Katie Mitchell e baseada no livro de Maggie Nelson.
D’Arcy conheceu Mitchell por meio de seu colega de "Bluets", Ben Whishaw, que disse em um email que ficou impressionado com a "forma original de pensar" de D’Arcy em 2017, quando atuaram juntos em "Against" no Almeida Theater em Londres. "[D’Arcy] parecia realmente querer ver não apenas seu papel na peça, mas a peça como um todo, e então a peça no contexto mais amplo do teatro e do mundo", disse ele.
Em "Bluets", D’Arcy, Whishaw e Kayla Meikle interpretam o mesmo personagem, uma mulher navegando por diferentes aspectos da desilusão amorosa e as tristezas que vêm junto com elas. Mitchell disse em uma entrevista em vídeo que a decisão de escalar três atores com identidades de gênero diferentes foi tomada em parte para "ter uma conversa tranquila", sem inflamar ou ofender, "sobre o que é a 'experiência feminina' no sentido mais amplo da frase". D’Arcy interpreta a parte obsessiva da personalidade da personagem, que, como descreveu, "cutuca" sua dor "como uma crosta."
No palco, D’Arcy interpreta o papel com um senso de humor cáustico, enfatizando as neuroses da personagem. Mitchell citou o treinamento de artes visuais de D’Arcy como uma vantagem particular: isso lhe deu uma consciência, disse Mitchell, de como estar tanto "dentro de um personagem quanto ter uma visão externa do que está acontecendo conceitualmente ao seu redor".
D’Arcy disse que recentemente têm surgido mais convites para personagens num espectro de gênero mais masculino. "A esperança é que haja mais desses papéis por aí", disse.
De todo modo, já faz muito tempo desde que D’Arcy apareceu na tela usando uma calça, em uma história centrada nos dias atuais. "Eu adoraria estar aqui", disse. "Estou pronto para estar no presente."