Juliette Binoche diz que 'todos deveriam fazer filmes com seus ex-namorados'
Estrela de 'O Sabor da Vida' explica por que trabalhar com Benoît Magimel foi libertador
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Alguns atores se tornam a personificação de um cinema nacional por meio de uma combinação alquímica de comportamento e escolhas cinematográficas. Você poderia dizer que Clint Eastwood é o ícone americano por excelência, por exemplo, ou que Hugh Grant é a personificação de um certo tipo britânico.
Quando se trata da França, uma das estrelas arquetípicas do país é Juliette Binoche, cuja elegância discreta e sorriso enigmático têm adornado filmes de arte e populares desde sua ascensão doméstica interpretando uma atriz ingênua em "Rendez-Vous" (1985), seguida pela fama mundial uma década depois com o drama romântico "O Paciente Inglês" (1996), pelo qual ela ganhou um Oscar.
Agora Binoche tem dois projetos chegando ao mesmo tempo nos Estados Unidos (e no Brasil): "O Sabor da Vida", de Tran Anh Hung, no qual ela interpreta uma cozinheira autoconfiante do século 19, e a série "The New Look", da Apple TV+, na qual ela retrata Coco Chanel —o que significa que Binoche essencialmente carrega as bandeiras da comida e da moda, os sinais mais visíveis da cultura francesa no exterior.
Durante uma entrevista recente em Nova York, a atriz pareceu divertida quando perguntada sobre ser um símbolo nacional. "Estou bem em assumir esse papel", disse ela, rindo. "O importante é o que as pessoas sentem, porque o público se relaciona com algo não dito, algo além das ideias. Claro, o tema é comida em ‘O Sabor das Coisas’", continuou ela, "mas também é amor e criar juntos" (o que, pensando bem, também é associado aos franceses).
Adicionando tempero ao pot-au-feu, o filme juntou Binoche com seu ex-parceiro romântico Benoît Magimel. Embora tenham terminado há duas décadas, a intimidade dos atores pareceu retornar à tela, como memória muscular.
Tran lembrou que Magimel saiu do roteiro durante a filmagem do final complexo. Quando a personagem de Binoche, Eugénie, perguntou se ela era sua cozinheira ou sua esposa, o gourmand de Magimel deveria dizer, "Você é minha cozinheira", para reconhecer sua maestria. Exceto que o ator acrescentou "… e minha esposa".
"O que muda completamente o significado da cena", disse Tran. "Eu disse, ‘Benoît, você está louco; por que mudou a fala?’. Ele veio até mim, sorriu e sussurrou —para que Juliette não ouvisse: ‘Desculpe; me perdi nos olhos dela'." (Não funcionou: Tran pediu para refazer a cena.)
Confortavelmente instalada em um sofá em um café de um hotel em uma rua tranquila de paralelepípedos no bairro de TriBeCa, em Manhattan, Binoche, 59 anos, pulou entre passado e presente, paixões e irritações. Abaixo, trechos editados da conversa.
Houve uma polêmica na França sobre a decisão de submeter "O Sabor da Vida" ao Oscar de melhor filme internacional, em vez de "Anatomia de uma Queda", de Justine Triet. Depois, seu filme acabou não sendo selecionado. Qual é a sua opinião sobre essa confusão?
Primeiramente, não escolhemos ser selecionados —fomos escolhidos apesar de nós mesmos. Colocamos nossas vidas de lado e nos dedicamos totalmente a fazer todas as entrevistas. Depois de não ser [indicado], o Le Monde atacou nosso filme. Foi uma crítica muito dura, dizendo que o filme era convencional e antiquado, que era apenas sobre comida. Alguns atores —famosos, inclusive— até curtiram aquele artigo no Instagram. Pensei, nossa, sério? Foi difícil para o Hung, que faz um filme a cada quatro ou cinco anos. Achei que foi severo, muito severo.
Foi complicado se reencontrar com Benoît Magimel?
Não, não, não, de jeito nenhum. Foi libertador para mim. Porque as coisas não estavam mais estagnadas. Criou movimento nas expressões, no dizer, no sentir, no estar na presença um do outro. Foi ótimo sentir isso. Os bloqueios se foram, e foi libertador para mim. Não falamos muito, de verdade, desde o filme, então não sei sobre ele, e está tudo bem para mim. Pelo menos isso aconteceu. Acho que todos deveriam fazer filmes com todos os ex-namorados de quem se separaram.
Um grande tema do filme é a ideia de transmissão: de amor, de sabores, de receitas de uma geração para outra. O que foi transmitido a você durante sua infância?
A culinária de minha mãe, com certeza, mas também seu amor pelas artes e sua curiosidade. Ela não tinha muito dinheiro, mas fazia o esforço para ver concertos e peças de teatro. A essência da vida para ela eram as artes. Sua culinária era simples, mas sempre muito saborosa. Ela ia buscar ingredientes em fazendas orgânicas, e isso era nos anos 70.
Você tem muito pouco diálogo em "O Sabor da Vida". Você pinta há anos e fez um espetáculo de dança com o coreógrafo Akram Khan. Você tem afinidade por projetos que envolvem expressão sem palavras?
Quando comecei, percebi que a maioria dos prêmios era dada aos homens, e as mulheres tinham que lidar com emoções, cenas nuas e silêncios. Lembro-me de quando era jovem atriz, fiquei meio chateada porque me perguntava: "Quando os diretores vão me dar palavras para dizer?". As mulheres não tinham os grandes blocos de palavras que os homens costumam ter, e achei isso tão sexista, de certa forma. Agora sinto que está realmente mudando, também porque há mais diretoras. Mas acho que se expressa muito com silêncios —veja: Buster Keaton ou Charlie Chaplin ou Lillian Gish. Tudo estava dentro; você podia ler no rosto, então não precisava ouvir palavras.
Você costuma chegar em um set com pesquisa e um plano de interpretação para o personagem, ou é um processo mais intuitivo?
Muito cedo, eu cheguei no set de Jean-Luc Godard [para "Eu Vos Saúdo, Maria", de 1985] pensando que ele ia me dar tudo. Eu vinha de uma aula de atuação onde a professora, Véra Gregh, era muito gentil e generosa, dando ideias e te empurrando nessa direção e na outra direção para você sentir. Godard era o oposto: ele ficava irritado com atores; ele era afiado e distante. Então me deu a mentalidade de que você deve chegar no set preparado —mesmo que você possa mudar e se adaptar. É por isso que eu amo trabalhar com diretores: ter dois, três takes de graça. E depois desses três takes, o diretor pode me pedir para fazer o oposto ou mais disso, menos daquilo. Eu sou flexível. Também é muito divertido ir em direções diferentes.
Sua Coco Chanel em "The New Look" tem uma energia cômica. O que alimentou sua atuação?
Ela está realmente ligada —e eu não acho que ela usava drogas (risos). Foi exaustivo porque eu não sou assim de jeito nenhum. Ela tinha essa força de vida e sagacidade. Ela queria se divertir depois da Primeira Guerra Mundial e da morte de Boy Capel, o amor de sua vida, em 1919. Ela fez esse logotipo com dois C's, que eu acredito ser Capel e Chanel juntos para sempre, que ela queria selar seu amor. Então acho que você vê Chanel de uma maneira diferente.
Você pode me falar sobre seu próximo filme, "The Return" de Uberto Pasolini, uma adaptação de "A Odisseia" em que você interpreta Penélope ao lado de Ralph Fiennes, como Ulisses. Você estava dizendo anteriormente que está feliz que os homens não fiquem mais com todas as palavras, mas não é Penélope associada à espera estoica?
Nesta Penélope, há uma raiva que vem se acumulando ao longo dos anos de ser deixada sozinha, de ter que lidar com aqueles pretendentes, de ver seu filho em uma posição frágil. Há paciência, mas também muitos sentimentos raivosos. Acho interessante interpretar isso porque algumas pessoas a retratam como uma santa. Nós não fizemos isso. O diretor me disse que realmente queria uma mulher que fosse a perspectiva feminina sobre as guerras de testosterona masculina e a necessidade dos homens de ir embora, o lado masculino destrutivo. Acho que é um filme muito moderno nesse sentido.