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'Ms. Marvel': Atriz fica longe das redes e diz que não pode agradar sempre

Iman Vellani estreia como atriz na pele da 1ª heroína muçulmana da Marvel

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David Itzkoff

Quando Iman Vellani assiste ao seu trabalho como a personagem título de "Ms. Marvel", ela não consegue evitar uma sensação de descrença. Antes que a oportunidade de fazer essa série da Disney+ aparecesse, ela era uma aluna de segundo grau cujo sonho aparentemente impossível era o de participar de um projeto da Marvel. Agora, Vellani está interpretando um dos poderosos heróis mascarados da franquia, exatamente como os atores que são seus ídolos desde que ela era criança.

Há momentos, disse Vellani, em que fica difícil conectar a pessoa que ela é agora com a personagem que vê na tela. "Pareço tão jovem", ela disse, em uma conversa recente. "Sinto-me diferente, agora. Minha sensação é a de que amadureci 20 anos". Para ser claro, Vellani tinha acabado de fazer 18 anos quando gravou "Ms. Marvel", e agora tem 19.

Apesar de toda a experiência que a atriz adquiriu fazendo a série, ela sabe que será subestimada, por sua idade e por seu status como uma novata cujas maiores preocupações, não muito tempo atrás, eram entregar seus trabalhos escolares em dia e procurar vaga em uma universidade. Mas nada disso desencorajou a Marvel de colocá-la em posição central em sua mais recente aventura de super-heróis.

"Ms. Marvel", que se baseia na série homônima de quadrinhos, conta a história de Kamala Khan, uma estudante de Jersey City que admira de longe os super-heróis da Marvel –até que misteriosamente recebe poderes que permitem que combata ao lado deles.

Quando a personagem se tornou a titular de uma série de quadrinhos, em 2014, Khan era parte de um esforço chave da Marvel para diversificar sua linha editorial –a adolescente americana de origem paquistanesa era uma das raras protagonistas muçulmanas da editora. Agora, a série de TV "Ms. Marvel" oferece um potencial semelhante de expansão da representação no gigantesco Universo Cinematográfico Marvel (MCU), que nunca para de crescer.

Se isso não fosse peso suficiente, Vellani está estreando nas telas como atriz, em "Ms. Marvel", e não tem os anos de celebridade ou os extensos currículos de que seus novos colegas já desfrutavam ao serem recrutados para o panteão da Marvel.

Mas o que ela tem é o amor escancarado de uma fã pela franquia da qual veio a se tornar parte. "Meu mundo inteiro, o único assunto de que eu falava, era a Marvel", disse Vellani. "E agora as pessoas têm de me ouvir quando falo a respeito".

Na metade de maio, conversei com Vellani por vídeo, em Los Angeles, como parte de sua primeira campanha de promoção na mídia. Apenas dois anos antes, ela era estudante de segundo grau em Markham, no Canadá, para onde sua família emigrou, de Karachi, quando ela tinha cerca de um ano de idade.

Vellani só tinha cinco anos ao ver seu primeiro filme do MCU, "Homem de Ferro", mas cresceu para se tornar um daqueles fãs altamente dedicados da Marvel, e não hesita em revelar que suas três pessoas preferidas no mundo são Robert Downey Jr., Billy Joel e o presidente da Marvel Studios, Kevin Feige.

Quando fez um teste de admissão para o programa de teatro de sua escola, aos 13 anos, Vellani disse que o papel de seus sonhos seria qualquer coisa no MCU. Poucos anos mais tarde, ela foi a uma festa de Halloween na escola vestida de Ms. Marvel, uma fantasia que a avó a ajudou a fazer.

"Ninguém sabia quem eu era", disse Vellani. "Todo mundo achava que eu era o The Flash. Por isso, tive de comprar uma revista da personagem e carregá-la comigo".

Em determinado momento de seus estudos, a precoce adolescente se desanimou com a ideia de se transformar em atriz profissional. "Quando você está em uma sala cheia de garotos de 15 anos de idade que acham que são Daniel Day-Lewis, é o pior lugar do mundo", ela disse. "Você imediatamente começa a odiar o teatro dramático".

Mas sua curiosidade foi redespertada quando ela foi informada de uma oportunidade de fazer um teste para "Ms. Marvel". "Minha tia era operadora de um grupo de chat que ela nunca abria, e alguém tinha encaminhado a ela um convite de seleção de elenco via WhatsApp, e ela me avisou", explicou Vellani. "Foi a maneira mais bairrista pela qual a coisa poderia ter acontecido".

Comparada a heróis duradouros da Marvel como o Capitão América (surgido antes da Segunda Guerra Mundial) ou o Homem-Aranha (que estreou em 1962), Kamala Khan é estreante.

A personagem foi criada menos de uma década atrás por uma equipe que incluía Sana Amanat, que era diretora editorial da Marvel antes de se tornar executiva de produção e desenvolvimento no estúdio de cinema da empresa e produtora executiva de "Ms. Marvel".

Em conversas com seu então colega Stephen Wacker, que também ajudou a criar a personagem, Amanat disse ter expressado o desejo de ver uma heroína parecida com ela –ou seja, muçulmana e filha de imigrantes paquistaneses. Amanat disse que queria que as histórias da personagem refletissem "algumas das tribulações de ser uma adolescente desajeitada e de pele escura– ir ao baile de formatura sozinha, fazer jejum por causa da religião mas ter de jogar basquete ou lacrosse, usar um legging grosso por baixo do calção mesmo em um calor de 35 graus".

Nos primeiros quadrinhos da personagem, escritos por G. Willow Wilson e ilustrados por artistas como Adrian Alphona e Jamie McKelvie, Khan buscava deliberadamente se inspirar na Capitã Marvel, o lado super-heroína de Carol Danvers. Essa escolha narrativa, segundo Amanat, era para ilustrar uma dinâmica que ela experimentou em sua vida real quando adolescente.

"Para uma pessoa não branca", ela disse, "quando você olha para fora e contempla as pessoas que você cultua, aquelas com quem você gostaria de se parecer, nenhuma delas se parece com você. A Capitã Marvel é realmente emblemática disso –ela é loira, tem olhos azuis, é alta. E a história se desenrola a partir disso".

Bisha Ali, redatora chefe e uma das produtoras executivas da série "Ms. Marvel", disse que enfrentava objetivos discordantes em sua adaptação dos quadrinhos: preservar as porções da personalidade de Khan e de seu mundo que os leitores já apreciavam e ao mesmo ajudar os espectadores a estabelecer conexões para com ela, quando Ms. Marvel fizer novas aparições no MCU –o que já deve acontecer em "The Marvels", um novo filme planejado para lançamento em 2023.

"O desafio sempre foi, realmente, o que escolher", disse Ali, também redatora da série "Loki", mais uma produção Marvel. "O que devemos escolher para ajudar a posicionar essa pessoa como parte do MCU –para fazer dela uma integrante desse imenso fenômeno mundial de mídia, mas, ao mesmo tempo, de um jeito que pareça íntimo, pessoal e vital?"

Ali disse que abordou "Ms. Marvel" como a história de uma pessoa que está descobrindo quem ela é. "Todos os super-heróis têm poderes", ela disse. "Mas quando alguém aprende a se conhecer a fundo, em seu coração, isso é algo que empodera demais, especialmente para uma pessoa que faça parte de um grupo historicamente marginalizado".

Vellani superou todas as etapas de seu processo de seleção no começo de 2020 –primeiro enviou uma foto; depois gravou em casa uma audição em vídeo; mais tarde visitou os escritórios da Marvel em Los Angeles para um teste de câmera–, e seus colegas de elenco se viram encantados com seu entusiasmo e sua falta de malícia. ("Iman não só é um novo e incrível talento como uma imensa fã do MCU, que conhece e ama a personagem tanto quanto qualquer outra pessoa da Marvel Studios", escreveu Feige, um dos heróis da atriz, em uma mensagem de email.)

Relembrando uma conversa via vídeo com Vellani, Amanat disse que "quando me mostrou seu quarto, ela tinha um vidro de perfume do Homem de Ferro. E comentou que ‘sei lá, meu pai é que me deu. Não cheira tão mal assim’". (Na série "Ms. Marvel", Khan também terá um perfume do Homem de Ferro no quarto.)

Quando foi apresentada a "Ms. Marvel" em Los Angeles, disse Ali, "assim que me viu, ela perguntou se eu era Bisha, e disse que eu precisava lhe contar tudo sobre o mundo da TV e cinema. Ela personifica Kamala completamente. É uma pessoa muito curiosa e muito ativa".

Vellani disse que começou a se sentir cada vez mais ansiosa com relação às suas perspectivas, especialmente depois de sua visita à Marvel. "Eu senti que estava lá dentro, cara", ela disse. "Tive um gostinho de como a vida poderia ser. Pensei comigo mesma que, depois daquilo, não podia ir para a universidade, e não conseguia pensar em qualquer outra coisa que quisesse fazer".

Mais tarde, no segundo trimestre do ano passado, depois de já ter sido aceita pela sua universidade preferida, Vellani estava dirigindo pela cidade de Markham com amigos quando recebeu um telefonema crucial de Feige, que pediu que ela descesse do carro.

Quando foi informada de que tinha conseguido o papel, disse Vellani, "eu tentei segurar minha reação, porque meus amigos estavam vendo. Entrei de novo no carro e eles começaram a me perguntar se eu tinha ganhado na loteria. E eu respondi que basicamente sim. E aí fomos comer burritos para comemorar".

Agora, Vellani precisa se adaptar não só aos benefícios de interpretar uma super-heroína da Marvel mas também às desvantagens –das quais uma das maiores é um subconjunto de espectadores que encaram qualquer esforço para retratar diversidade como uma violação das tradições do passado, e gostam de expressar sua indignação na mídia social.

Perguntada se tinha enfrentado críticas desse tipo em seu período na Marvel, Amanat deu uma risadinha experiente. "Cara, você nem imagina", ela disse. "Não procure meu nome no YouTube. Não é uma boa ideia".

Reações negativas como essas "fazem parte da natureza do negócio", disse Amanat. Ela acrescentou que "não sei por que a caixa de brinquedos precisa ser tão pequena. Não estamos tirando coisa alguma do Capitão América –estamos aqui do nosso lado, fazendo a nossa coisa. Reações como essas me deixam um pouco triste e um pouco frustrada".

Mesmo assim, Amanat disse que projetos como "Ms. Marvel" eram importantes para uma audiência que ainda não está acostumada a se ver nas grandes franquias de entretenimento.

"Penso nas minhas sobrinhas e nas minhas afilhadas, nos filhos de meus amigos", ela disse. "Penso nessas crianças crescendo e vendo uma Iman Vellani no mundo, usando um uniforme de super-heroína, e isso realmente é maravilhoso para mim. É algo que elas jamais tiveram".

Vellani foi mais circunspecta ao falar de como lida com essas críticas à personagem Ms. Marvel. "Não estou na mídia social, e por isso não encontrei coisa alguma diretamente", ela disse. "Não há como deixar todo mundo feliz, e de qualquer jeito não é esse o nosso objetivo. Se você tenta isso, está se fadando ao fracasso".

Ela acrescentou que "se eu for ao trabalho a cada dia pensando que sou a primeira super-heroína muçulmana, jamais vou conseguir fazer o que preciso".

Os problemas espinhosos que Vellani prefere enfrentar agora envolvem decidir se assiste a novos filmes do MCU com seus amigos nos cinemas de sua cidade ou se o faz em exibições exclusivas para o pessoal da Marvel que trabalhou neles.

Quando ela "invadiu" uma exibição de "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" para os funcionários da Marvel, recentemente, Vellani disse que apreciou alguns aspectos da experiência, como ser apresentada a Xochitl Gomez, que interpreta a jovem heroína America Chavez. Mas também há lados negativos em assistir na companhia do pessoal da Marvel.

"Percebi que gosto de assistir a esses filmes com um grupo mais normal de nerds", disse Vellani. "Porque aqueles caras aplaudem, tudo, mano. Basta aparecer alguém que sabemos que vai estar filme, e eles aplaudem". "Eu entendo –estão aplaudindo as pessoas com quem trabalham", ela acrescentou. "Mas ainda assim, prefiro manter o foco enquanto assisto".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci