Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

'Cidadão Kane' não é nenhum 'Paddington 2', diz site de avaliação de filmes

Clássico de 1941 não tem nota máxima do Rotten Tomatoes

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Sarah Bahr

The New York Times

Algumas coisas são perfeitas. Já outras são quase perfeitas. E, como qualquer pessoa que tenha obtido 99% de acertos em uma prova poderá lhe dizer, as duas situações são bem diferentes.

“Cidadão Kane”, clássico dirigido por Orson Welles em 1941 sobre a ascensão e queda do magnata jornalístico Charles Foster Kane, por muito tempo manteve nota máxima nas avaliações dos críticos computadas pelo site cinematográfico Rotten Tomatoes, que tinha 115 resenhas sobre o filme registradas.

Até março deste ano. Foi quando uma resenha redescoberta, escrita por uma crítica que morreu décadas atrás, estragou a festa.

A resenha publicada 80 anos atrás e bem menos que efusiva, intitulada “na opinião desta crítica, ‘Cidadão Kane’ não é o melhor filme de todos os tempos”, ressurgiu no mês passado como parte de um novo projeto de incorporação de arquivos empreendido pelo Rotten Tomatoes.

A resenha, publicada pelo jornal Chicago Tribune, em 1941, foi acrescentada discretamente à página do site sobre “Cidadão Kane”, em março, e pôs fim à unanimidade sobre um filme clássico que costuma encabeçar a lista de maiores obras do cinema americano.

“Você com certeza já ouviu falar desse filme, e vejo pelos anúncios que alguns especialistas o consideram ‘o melhor filme de todos os tempos’”, afirmava a resenha, assinada com o pseudônimo brincalhão Mae Tinee. “Mas eu discordo”.

O problema? O filme aparentemente era inovador demais. “É interessante”, escreveu a resenhista. “É diferente. Na verdade, é bizarro o bastante para se tornar uma peça de museu. Mas, por sacrificar a simplicidade em benefício da excentricidade, o filme perde em termos de distinção e valor de entretenimento”.

A fotografia em branco e preto de “Cidadão Kane”, elogiada ao longo dos anos por seu clima e pelo tom noir, foi criticada como “sombria e fantasmagórica” pela resenhista, segundo a qual as imagens do filme “chegam a assustar”.

“Eu fiquei torcendo o tempo todo para que deixassem o sol entrar”, ela escreveu. (Mas a resenhista admira o trabalho de Welles como ator, classificando-o como “um intérprete zeloso e efetivo”.)

Com a inclusão de sua opinião dissidente, o filme agora tem uma classificação de “frescor” de apenas 99% no “tomatômetro” do Rotten Tomatoes.

Isso significa que, de acordo com o site de resenhas, existem pelo menos 63 filmes com um mínimo de 40 resenhas que são mais admirados pelos críticos do que “Cidadão Kane”. O Clube dos 100% no Rotten Tomatoes inclui alguns clássicos previsíveis (“Tempos Modernos”, “Cantando na Chuva”, “O Falcão Maltês”), bem como alguns filmes recentes menos previsíveis (os dois primeiros filmes da série “Toy Story”).

Um dos membros do clube é “Paddington 2”, filme infantil sobre um ursinho que, de acordo com o site de resenhas, “espalha alegria e geléia por onde passa”. O roteirista e diretor do filme, Paul King, disse à revista The Hollywood Reporter que embora esteja satisfeito por o seu filme fazer parte da lista, ele não leva muito a sério a ideia de que superou “Cidadão Kane”.

“Não vou deixar que isso me suba à cabeça e partir para a construção da minha Xanadu”, ele disse. O Rotten Tomatoes, que em breve pode derrubar as avaliações de outros clássicos à medida que resenhas antigas forem encontradas em velhos arquivos e incluídas no site, havia admitido anteriormente que os membros do Clube dos 100% “não são necessariamente perfeitos”.

“A estrada para que um filme conquiste aprovação 100% da parte dos críticos é difícil e repleta de perigos”, diz uma página do site dedicada aos filmes 100%. “E se um pequeno furo na trama bastar para irritar um resenhista pernóstico? E se o diretor de câmera decidiu faltar no dia em que uma cena importantíssima seria rodada? E se um dos extras em uma cena trabalhou pessimamente?”

A opinião de Mae Tinee sobre “Cidadão Kane” era minoritária, na época. “A despeito de alguns lapsos desconcertantes e ambiguidades estranhas na criação do personagem principal”, escreveu o crítico Bosley Crowther no The New York Times, depois de assistir à estreia do filme no Palace Theater, em 1941.

“‘Cidadão Kane’ é por larga vantagem o mais surpreendente e empolgante filme que vi em muito tempo”, afirmou o crítico. “Na verdade”, ele acrescentou, “ele está perto de ser o filme mais sensacional já realizado em Hollywood”.

O filme também serviu como inspiração para o recente “Mank”, da Netflix, uma cinebiografia de Herman Mankiewicz, o roteirista de “Cidadão Kane”, estrelado por Gary Oldman e ganhador de dois Oscars (mas que recebeu apenas 83% de aprovação dos críticos no “tomatômetro” do Rotten Tomatoes).

Sempre existiram quadrantes da internet nos quais “Cidadão Kane” é classificado há anos como um filme sem graça, apesar dos prêmios e dos elogios ao longo das décadas. (Veja discussões no Reddit com temas como “Cidadão Kane é o filme mais superestimado de todos os tempos?” ou “será que alguém poderia por favor me explicar detalhadamente por que tantos críticos e espectadores consideram Cidadão Kane como o melhor filme da história do cinema?”)

E agora, graças a uma mudança de 1% na classificação do filme, todos esses céticos podem respirar aliviados —graças à Resenhista 116.

Tradução de Paulo Migliacci