Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

Em 'Next', astro de 'Mad Men' John Slattery fica ainda mais louco

Ator fala sobre inteligência artificial e a vida como símbolo sexual de meia-idade

Nossas colunas são exclusivas para assinantes. Continue lendo com acesso ilimitado. Aproveite!

3 meses por R$1,90

+ 3 de R$ 19,90 R$ 9,90

Tenha acesso ilimitado:

Assine

Cancele quando quiser

Já é assinante?

Faça login
Alexis Soloski

The New York Times

"Não sou o cara mais informado do mundo sobre tecnologia", disse John Slattery. Ele estava falando via Zoom de sua casa nos Hamptons, em Long Island (EUA), e só no fim de nossa entrevista de 60 minutos o ator descobriu como minimizar a imagem de seu rosto barbudo na tela do laptop. Mas ele tinha encontrado um fundo para entrevista, uma cozinha bem arrumada, contra a qual seus cabelos brancos revoltos não desapareciam. "Viu?", disse Slattery. "Estou aprendendo."

Slattery, 58, chegou aos Hamptons na metade de março, pouco depois de completar a produção da primeira temporada da série "Next", um drama de ficção científica da Fox. (Pouco depois do encerramento, um membro da equipe técnica foi identificado como portador do coronavírus, mas Slattery, testado meses mais tarde, não parece ter sido contagiado pelo vírus. Ele passou os últimos meses com sua mulher, filho, sogra e cachorros, em geral surfando, lendo e assistindo a dramas internacionais.

Na nova série, Slattery interpreta Paul LeBlanc, uma lenda do Vale do Silício que caiu em desgraça e vem a acreditar que um sistema de inteligência artificial que ele desenvolveu, chamado neXt, adquiriu consciência. E tem intenções sinistras com relação à humanidade. Para expressar de outra maneira: e se a Siri estivesse tentando nos destruir?

Oh, e LeBlanc sofre de insônia familiar, uma doença incurável e fatal que o expõe a intensas ilusões paranoicas. "Ele é meio louco", diz Slattery, com típica ironia e um traço de sotaque de Massachusetts.

Slattery trabalha como ator há mais de 30 anos, mas só se tornou realmente famoso ao ser escalado em "Mad Men" como Roger Sterling, “bon vivant” que é um dos sócios de uma agência de publicidade da avenida Madison. O papel lhe rendeu quatro indicações ao Emmy e fez dele, na meia-idade, um símbolo sexual, certificado pela revista People.

Durante uma conversa interrompida pelo ruído ocasional de latidos, ele falou sobre gênio, paranoia e os prós e contras de se tornar grisalho prematuramente. Abaixo, trechos editados da conversa.

*

Você sempre sonhou que um dia interpretaria um gênio bilionário da tecnologia, portador de uma doença genética obscura?
É exatamente o papel que eu sempre quis, por 20 anos. Não, falando sério, não imaginei. Mas fico feliz por ter dado certo. É um cara errático, difícil e irascível, e é divertido interpretar essas coisas.

É difícil carregar uma série como personagem principal? Na época de "Mad Men", você dizia em entrevistas que era um alívio não ter de levar a série nas costas.
Espero que funcione bem. Não sinto qualquer pressão por sucesso; minha sensação é a de que arquei com minha parte da carga. Você faz o melhor trabalho que pode, e depois só resta esperar que tudo dê certo.

Como é seu relacionamento com a tecnologia pessoal? Percebi que você está com fones de ouvido sem fio.
Enfim descobri como usá-los, para não ficar berrando para a tela. Não sou luddita. Tenho um filho de 21 anos que me olha com desdém, e isso me motiva a tentar compreender as coisas. Tenho um celular, tenho um laptop. Tenho um iPad que uso para ler, às vezes, quando viajo. Tive um Apple Watch. Mas quem é que precisa ficar tanto assim em contato? Eu não.

Você se lembra de quando percebeu que a tecnologia o estava espionando.
Foi algo que entendi quando comprei alguma coisa e, no dia seguinte recebi 50 anúncios sobre produtos parecidos. "Ah, é disso que as pessoas estão falando." Talvez eu devesse me incomodar mais, mas não estou fazendo qualquer coisa de interessante ou ilícito, portanto não me incomoda que alguém assista. É esquisito, é intrusivo e sou contra. Mas não faço coisa alguma a respeito.

Essa série o tornou mais paranoico?
Não, não fiquei mais paranoico. Provavelmente não tanto quanto deveria ser. Você ouve o que alguém como [o filósofo e neurocientista] Sam Harris tem a dizer, e ele fala sobre uma inteligência artificial capaz de processar informações milhões de vezes mais rápido que um ser humano médio. O exemplo dele era que, você dá uma tarefa a essa coisa na sexta-feira e, ao longo do final de semana, ela aprende a história da humanidade [inteira]; e aí, quando você volta na segunda, você acha que aquela coisa vai continuar a aceitar que você é o chefe?

Como você se preparou para o papel de supergênio?
Estudei os suspeitos habituais –Bill Gates, Elon Musk– e depois arquivei tudo que aprendi. Boa parte da série não foi escrita com antecedência; eu não tinha muita informação em que me basear. E com isso você tenta alguma coisa, faz os seus ajustes, experimenta opções diferentes. Não sei muita coisa sobre o lado tecnológico. Não é algo que esteja incorporado a mim da maneira da qual gostaria. E ao interpretar uma pessoa assim inteligente você precisa sacar que elas não estão interessadas em impressionar os outros com sua inteligência. Elas já sabem o quanto são inteligentes.

Você já trabalhava como ator há duas décadas ao conquistar um papel em "Mad Men". E este é o seu primeiro papel principal em uma série. Por que você acha que o ramo demorou tanto tempo a imaginar que você era capaz de fazer papéis principais?
Talvez eu tenha cometido erros, ou talvez tenha tido oportunidades que não consegui aproveitar. Mas fico contente pelas coisas terem acontecido desse modo –que eu ainda esteja trabalhando, em oposição a ter feito sucesso desde o começo. Isso provavelmente seria mais difícil do que o contrário.

Você já foi indicado ao Emmy diversas vezes, mas não ganhou ainda. Qual é a sensação de chegar perto e não conseguir?
Na quarta vez em seguida que perdi um Emmy, briguei com minha mulher em uma festa naquela noite. E aí percebi que "acho que isso me deixa zangado". Eu estava irritado. Principalmente porque o prêmio é entregue nos primeiros 10 minutos do programa e você precisa ficar sentado lá por mais três horas com todo mundo vendo que perdedor você é.

Agora é hora das perguntas difíceis. Ficar grisalho foi bom para você? Fez com que você se destacasse?
Não, porque as pessoas ficavam confusas. Ninguém sabia que idade eu tinha. Eu pintava o cabelo o tempo todo. Às vezes eu pensava que "bom, pelo menos não sou parecido com os outros caras que ficaram grisalhos aos 35 anos". Mas por outro lado, se o pessoal da produção não estava procurando um cara grisalho, pronto, era o fim para mim. “Precisamos daquele cara prematuramente grisalho!” Isso nunca aconteceu.

Quando "Mad Men" apareceu, você foi consagrado como símbolo sexual, e jamais se sentiu especialmente confortável com isso. Por quê?
O que você faria no meu lugar? Qual seria a primeira coisa que você faria se alguém dissesse que “oh, você é um símbolo sexual”.

Talvez eu comprasse uma saia bacana.
Bem, foi o que eu fiz. Comprei uma saia bacana. Não, não tenho problemas com isso. Quero dizer, isso não me deixa mais desconfortável do que qualquer outra coisa deixaria. Fico feliz por ainda estar aqui.

Tradução de Paulo Migliacci.