Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

'Ted Lasso': Phil Dunster diz que teve de confiar nos roteiristas para transformá-lo de vilão em herói

Britânico que vive o arrogante jogador de futebol Jamie Tartt fala sobre medo que sentiu de não dar conta do recado

O ator Phil Dunster em ensaio em Los Angeles - NYT

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Calum Marsh

O novo Jamie Tartt é muito diferente do velho Jamie Tartt. Representado pelo ator inglês de 31 anos Phil Dunster, o Jamie Tartt que encerra a terceira e provavelmente derradeira temporada de "Ted Lasso" é sincero, franco e emocionalmente maduro –muito longe do craque de futebol e playboy arrogante e egoísta que ficamos conhecendo na primeira temporada da série.

Aquele Tartt era egocêntrico e exibido, um sujeito que nunca queria dividir a bola com ninguém em campo e uma pedra no sapato de quem era obrigado a aturá-lo, incluindo seu treinador no AFC Richmond, Ted Lasso (Jason Sudeikis); seu rival pessoal que virou seu personal trainer, Roy Kent (Brett Goldstein), e sua namorada intermitente, Keeley Jones (Juno Temple). Em episódios recentes da comédia de sucesso da Apple TV+ vimos Tartt se abrindo para esses personagens, entre outros, e aprendendo a perdoar seu pai abusivo (Kieran O’Brien). O mais surpreendente de tudo é que ele virou líder de assistências na Primeira Liga –o jogador arrogante e exibido virou um membro do time.

No capítulo final da última quarta-feira –atenção, leves spoilers pela frente--, Tartt é chamado para fazer um comercial da Nike no Brasil, tem uma conversa franca com Roy Kent que já era esperada havia muito tempo e visita seu pai, que está se recuperando –mostrando como ele evoluiu nos últimos três anos.

Foi uma reinvenção drástica de um personagem antes conhecido apenas por sua atitude de bad boy. E Dunster, diante do desafio de tornar essa transformação convincente, não sabia se conseguiria dar conta do recado.

"Eu vivia apavorado", ele admitiu, falando na semana passada num videocall de seu apartamento em Londres. "Cada vez que eu lia um roteiro novo, pensava, ‘m...., não sei fazer isso'."

Dunster diz que quem o ajudou foi Sudeikis, o astro e co-criador da série, especialmente numa cena importante do episódio 11 em que Tartt desaba e chora com o estresse que sente diante de uma partida iminente à frente da torcida de sua cidade.

"Há algumas coisas muito bacanas que as pessoas disseram depois daquele episódio. A resposta sincera é que foi ideia de Jason", disse Dunster.

Afável e com ar pensativo, frequentemente olhando para o longe antes de falar, Dunster pareceu interessado em refletir sobre "Ted Lasso" no momento em que a série estava se encerrando. (Ainda não foi feito nenhum anúncio oficial sobre o futuro da série após a final da terceira temporada, na quarta-feira, mas não há planos no momento para mais episódios ou spinoffs.) Ele relembrou o processo de casting com prazer saudoso, falando em um tom inglês refinado que forma um contraste forte com o sotaque de Manchester de seu personagem.

Na época, ele contou, Tartt se chamava Dani Rojas, que era "o que o personagem que Jamie é hoje, mas possivelmente europeu ou sul-americano, representando possíveis locais de origem de muitos craques que podem ter um certo espírito de diva". (Dani Rojas, mais tarde, se tornou um personagem separado, um "Poliana" mexicano que adora futebol e é representado por Cristo Fernández.)

Dunster fez um teste para o papel falando "numa espécie de sotaque espanhol", contou, que "não era bem o que eles estavam procurando". Ele imaginou que não tivesse dado em nada. Mas uma tarde quando estava jogando vôlei, algum tempo depois, ele recebeu uma ligação de seu agente dizendo que os produtores queriam que ele voltasse, desta vez sem o sotaque espanhol.

"Pediram para eu encontrar um sotaque que fosse representativo de jogadores de futebol no Reino Unido e que não soasse como eu mesmo", disse Dunster. Imediatamente ele pensou em Manchester, a cidade dos célebres times Manchester United e Manchester City, este último o campeão atual da Premier League. Em vez de "myself", Tartt diz "me-self". "Keeley" ele pronuncia como "Kee-lah."

"Procurei desenhar o personagem na minha cabeça com certa ousadia", disse Dunster. "Foi uma representação meio generalizada: um rapaz sedento de fama que tem uma visão distorcida da celebridade e pensa que para ter longevidade no futebol é preciso ser o mais fanfarrão possível."

Ele tomou cuidado, no começo, para não suavizar demais as arestas mais toscas de Jamie. Precisava se permitir ser o bad boy, pelo menos por algum tempo.

"Foi mais fácil representá-lo como antipático e deixar que o roteiro mostrasse que ele poderia ser redimido", disse Dunster. "O que a gente precisa fazer é não atrapalhar o roteiro, certo?"

Mas sua visão do personagem, para a qual contribuiu sua condição de torcedor eterno de futebol, acabou por ditar boa parte de como o personagem foi escrito, ele explicou, até as piadas que giram em torno do sotaque anasalado de Dunster. (Uma das falas mais memoráveis da terceira temporada se baseia em sua pronúncia singular de um termo coloquial para excremento.) Sudeikis encorajava os atores a "massagear o texto" para que parecesse certo para cada um deles, disse Dunster, "quer isso fosse anglificá-lo, jamieficá-lo ou o que fosse preciso."

Dunster cresceu em Reading, na Inglaterra, e ficou interessado em atuar desde a infância, tendo participado de produções escolares que lhe valeram atenção na escola e em casa.

"Não direi que virei ator unicamente porque fiz o papel de Oliver numa produção da escola quando estava na terceira série, mas é fato que foi então que comecei a gostar de me exibir", ele disse.

Apesar de ele vir de uma família militar –seu pai e seu irmão serviram nas forças armadas--, sua família o apoiou na decisão de tentar se profissionalizar como ator, matriculando-se na escola de arte dramática Bristol Old Vic Theatre School. Isso aconteceu em parte, como ele explicou em tom irônico, porque "eles sabiam que eu tinha zero habilidades acadêmicas, então disseram ‘sim, cara, você não tem dom para mais nada'."

Depois de se formar, Dunster foi ser garçom num restaurante asiático em Brixton, mas depois de um único turno de trabalho, percebeu que não levava jeito para a coisa.

"Pisei na bola, cara. Tinha uma pessoa para me orientar, mas consegui fazer tudo errado, mesmo assim", ele comentou. Quando estava no ônibus, voltando para casa, ficou desanimado. "Me lembro de ter pensado: ‘O que estou fazendo? Não posso ser ator se eu tiver que fazer isso.’"

Felizmente, ele não precisou: quase imediatamente depois disso lhe ofereceram um papel importante no filme de época britânico "The Rise of the Krays", e em um instante Phil Dunster passou de recém-formado ansioso a ator profissional que tem trabalhado constantemente desde então.

Ele começou a ser notado com papéis na sitcom "Catastrophe" (2015-2019) e no filme de Kenneth Branagh "Assassinato no Expresso do Oriente" (2017). Mas foi o ingresso no elenco de "Ted Lasso", em 2020, que elevou seu perfil tremendamente quando a série virou um fenômeno da era da pandemia, agradando ao público e à crítica com sua sinceridade docemente cômica.

Apesar do sucesso estratosférico da série nos Estados Unidos, porém, ela não alcançou reconhecimento cultural notável no Reino Unido.

"Vivo falando aos meus amigos: ‘Caras, juro que sou famoso na América’", falou Dunster, brincando. Ele conseguiu convencê-los a assistir à série, mas o efeito da popularidade de "Ted Lasso" sobre sua carreira tem sido difícil de avaliar.

Por um lado, ele disse, "é mais fácil ser chamado a reuniões nos EUA do que aqui, então não é algo que dou como garantido". Por outro lado, a própria noção de sucesso e ibope em casa versus no exterior pode ser uma distração desnecessária.

"É fácil deixar minha atenção ficar focada sobre isso, em lugar do trabalho real", ele explicou.

"É uma coisa insidiosa. A gente vê como isso atinge as pessoas –o desejo de acompanhar a repercussão. É importante não voar perto demais do sol, como fez um sujeito na Grécia antiga."

"Ted Lasso" é sobretudo uma série sobre bondade –sobre encontrar a bondade em outros e trazer para fora a bondade que existe em nós. Isso inclui Jamie Tartt, que, disse Dunster, acabou "sendo motivado por amor em vez de ser motivado por ódio", algo que ele nunca pensou que o personagem fosse escolher. Talvez não seja surpreendente que seu tempo passado trabalhando em "Lasso" tenha ensinado a Dunster sobre a importância de "trabalhar com gente boa". Agora que a série está se encerrando, pelo menos por enquanto, é isso que ele vai procurar novamente.

"O papel pode ser qualquer um –grande ou pequeno, um mocinho ou um vilão, um primeiro-ministro ou o oposto de um primeiro-ministro", ele disse. "Não importa realmente, desde que as pessoas que o façam sejam boas."

Tradução de  Clara Allain