'One Tree Hill': Atrizes se reúnem e dizem que eram 'acessórios dos rapazes'
Trio usa podcast Drama Queens para falar com fãs e curar feridas
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Quando a iHeartMedia anunciou em junho que as atrizes Hilarie Burton Morgan, Sophia Bush e Bethany Joy Lenz estavam trabalhando em um podcast chamado Drama Queens, sobre o período em que atuaram na série "One Tree Hill", o pessoal da Geração Milênio que hoje está na casa dos 20 e 30 anos e que quando mais jovem era fã da rede CW, fundada no começo da década de 2000 e voltada aos adolescentes e jovens adultos, se entusiasmou.
Poucos dias mais tarde, uma prévia do podcast, com uma canção tema composta e cantada por Lenz, estava no topo das paradas do Spotify e da Apple. Ficou claro que, ainda que a série tenha estreado duas décadas atrás e saído de cartaz há quase uma década, ainda existe interesse –se não pelo programa em si, ao menos pelas três mulheres que ancoraram a história por muitos anos.
"O que aprendi sobre os fãs é que eles não necessariamente gostam tanto assim da série, agora", disse Burton Morgan, 39, em entrevista. "Mas gostam das pessoas que estiveram envolvidas, e por isso, seja para apoiar uma organização de caridade com que trabalho aqui em Rhinebeck, Nova York, seja para divulgar meu livro ou em qualquer outra coisa que faço, posso contar com o apoio deles como se aquilo fosse sua coisa favorita".
A ideia do podcast, que veio de Bush, era semelhante à de outros podcasts que envolvem assistir de novo a programas do passado. As três assistiriam a episódios e ofereceriam uma visão de bastidores sobre as cenas e a maneira pela qual elas vieram a acontecer. As três admitiram ter visto apenas partes da série, mais de uma década atrás, e portanto o podcast seria a primeira vez que assistiriam à história completa. E elas também convidariam seus colegas de elenco para falar sobre seus personagens e experiências. Para os fãs, o podcast foi uma surpresa muito bem recebida.
Em 2017, as três foram parte de um grupo de integrantes do elenco e equipe da série que escreveram uma carta sobre o assédio enfrentado no set de "One Tree Hill" por parte do showrunner do programa, Mark Schwahn. Schwahn não respondeu às acusações publicamente.
A descrição pelas três atrizes da experiência de trabalhar em "One Tree Hill" como traumatizante foi um sinal para os fãs de que a série não tem chances de retornar.
Lenz e Burton Morgan devem participar como atrizes convidadas de um episódio de "Good Sam", a nova série de Bush na rede de TV CBS, e as três dizem que seus sentimentos sobre uma possível retomada de "One Tree Hill" continuam a ser complicados. Mas o podcast permitiu que elas revisitassem a série em seus próprios termos.
"E se só eu e as meninas nos sentássemos para conversar sobre parte daqueles conflitos, com o objetivo de curar as feridas e traumas do passado?", disse Bush sobre a ideia inicial do podcast. "E se as meninas do elenco original se reunissem e tomassem o controle, e ao fazê-lo juntas invertessem a dinâmica de poder e retomassem o poder, convidando nossos amigos e colegas de elenco para fazer parte disso?"
"EU ME SENTIA INTIMIDADA"
Em Drama Queens, as apresentadoras falam abertamente sobre os desafios que enfrentaram, entre os quais os padrões impossíveis de beleza que eram forçadas a respeitar, como atrizes jovens e ainda inexperientes no show business; falam sobre terem personagens com ênfase excessiva na sexualidade, e sobre cujos destinos elas não tinham controle suficiente; e de serem colocadas em confronto nas telas e fora delas.
"Eu me sentia intimidada", disse Lenz. "Minha sensação era a de não poder confiar em pessoa alguma, porque a dinâmica de poder da série estava sempre me dizendo isso e, pelo que entendo da parte de Hilarie e Sophia, também lhes dizia a mesma coisa, que ninguém gostava de nós, ninguém confiava em nós". Os sentimentos dela foram ecoados por Bush e Burton Morgan. As três jamais puderam expressar plenamente esses sentimentos quando estavam na série, mas, agora, com a idade e a experiência, sentem que podem falar sobre eles.
"Ter uma filha mudou muito o jogo para mim", disse Burton Morgan. "Coisas que eu tolerava, que eu me dispunha a tolerar quando era responsável só por mim, eu deixei de tolerar por causa dela".
De certa maneira, o timing de Drama Queens foi ideal. Durante a pandemia, muita gente escolheu voltar a coisas do passado. E encontrar um caminho para o passado ao assistir a séries, ou ter a oportunidade de assisti-las agora e de ao mesmo tempo ouvir podcasts sobre elas, se tornou uma forma de lidar com a ansiedade causada pela pandemia, por conta do conforto e da familiaridade que essa experiência oferece.
Além de dissecar o podcast no TikTok e Instagram a cada semana, os fãs de "One Tree Hill" postam sobre cada episódio no Facebook, Reddit e em outras comunidades online sobre a série que se mantiveram ativas nos nove anos transcorridos desde que ela acabou.
Quando as pessoas têm medo do futuro, elas buscam o passado para se reconfortar, disse Clay Routledge, professor de administração de empresas na Universidade Estadual de Dakota do Norte, que estuda motivação humana e nostalgia há mais de 20 anos.
"Nostalgia ajuda a confortar as pessoas quando elas estão estressadas, nervosas, desgastadas ou solitárias", ele disse. "Engajar-se em atividades nostálgicas dessa espécie é em geral benéfico. Se o ponto é assistir a ‘One Tree Hill’, talvez seja porque a série causa uma sensação boa quando a pessoa a assiste. Traz felicidade, causa riso. É reconfortante. Leva a pessoa ao passado e a ajuda a se conectar com velhas lembranças".
"ÉRAMOS ACESSÓRIOS PARA OS RAPAZES"
Em 2006, quando as redes WB e UBN fecharam e surgiu a CW, "One Tree Hill", em companhia de "Gilmore Girls", "Supernatural", "Girlfriends", "Veronica Mars", "America’s Next Top Model" e "Everybody Hates Chris", foi transferida para a nova rede a fim de atrair as audiências mais jovens.
A combinação entre essas séries e mais a criação de "The Vampire Diaries", "Gossip Girl" e "90210" tornou a nova rede popular entre os adolescentes e jovens adultos interessados em dramas. Uma nova mudança pode estar para acontecer na CW, já que este mês o The Wall Street Journal noticiou que a ViacomCBS e a WarnerMedia estão estudando a possibilidade de uma venda da rede.
Quando "One Tree Hill" estreou, na rede WB em 2003, a série era descrita como uma história sobre os irmãos Lucas (Chad Michael Murray) e Nathan (James Lafferty) Scott, filhos do mesmo pai mas com mães diferentes, em uma cidadezinha da Carolina do Norte. Os irmãos iam à mesma escola de segundo grau mas frequentavam círculos sociais diferentes. O amor compartilhado pelo basquete e a rejeição de ambos ao pai os aproxima, e também faz com que seus amigos se aproximem.
Mas os personagens mais envolventes, para muitos espectadores, eram Peyton (Burton Lane), Brooke (Bush) e Haley (Lenz) –meninas adolescentes tentando sobreviver na escola no começo dos anos 2000. As histórias sobre elas giravam em torno de autoestima, confiança, drogas, solidão, pesar, gravidez na adolescência (um colunista do The New York Times chegou a criticar a série por "se recusar a expor as consequências sombrias de ter filhos ainda na adolescência"), e relacionamentos familiares e românticos complicados.
No pico de sua popularidade, "One Tree Hill" atraía 4,3 milhões de espectadores por episódio e, nada surpreendentemente, boa proporção dessa audiência era formada por mulheres. Bush disse que as atrizes, apesar de sua popularidade, ainda assim tinham de lutar pelo desenvolvimento e crescimento de suas personagens.
"Não passava despercebido para nós que os meninos tinham personagens completamente desenvolvidos, com pais, e literalmente mulher alguma da série tinha pais", disse a atriz. "Éramos tratadas mais ou menos como a versão televisiva de cachorrinhos ou bolsas. Éramos acessórios para os meninos".
"One Tree Hill" não era perfeita, e certamente faltava diversidade ao elenco, questões com que Burton Morgan, Bush e Lenz lidam no podcast. Nos seus momentos mais absurdos, um cachorro comeu um coração humano, um perseguidor sinistro fingiu ser o irmão de um personagem, e uma babá tentou seduzir um homem e em seguida sequestrou o filho dele. E Drama Queens não evita discutir esses momentos bizarros, o que torna o podcast ainda mais delicioso.
"Não era como uma versão forte de ‘Riverdale’", disse Bush. "E nem sobre lobisomens ou vampiros. Era sobre famílias. E você via jovens lutando contra o abandono, com questões de privilégio, com a pobreza, e os via descobrir o potencial da intimidade sexual".
Ver Haley, Brooke e Peyton passando pelo altos e baixos das amizades femininas, do casamento e da maternidade era certamente uma diversão, mas também uma fonte de esperança. Depois de cada briga, as personagens encontravam maneiras de se reaproximar.
Ouvir as atrizes falando sobre as dificuldades de amadurecer e de se manterem amigas na vida real é reconfortante, e um lembrete tocante de que as personagens eram representadas por pessoas reais, que cresceram juntas no ramo.
"As meninas, especialmente, estavam sempre em busca de amizades femininas positivas e autênticas", disse Lenz. "Era o lugar certo e a hora certa, com a combinação certa de autenticidade centrada, positividade e amizade feminina".
Lenz disse que durante a série ela era parte de um grupo "controlador" e que isso a tinha impedido de se aproximar tanto quanto gostaria de seus colegas de elenco. O podcast lhe deu a oportunidade de compensar alguns dos momentos perdidos, e a faz pensar sobre o que ensinará à filha sobre a amizade feminina.
"Agora tenho a oportunidade de regravar minhas cenas, com relação a essas amizades femininas, de aprender a confiar, baixar a guarda e ser vulnerável, e isso é bom para minha filha porque estou aprendendo coisas que posso transmitir a ela", disse a atriz.
A reaproximação para o podcast também fez com que as atrizes recordassem o quanto representavam para os espectadores leais.
"O recado que eu recebia vezes e vezes sem conta era o de o quanto eu era substituível", disse Burton Morgan, com lágrimas nos olhos. "E a lição de humildade agora é que, depois de receber essa mensagem, ver os fãs aparecerem para um podcast 18 anos mais tarde a fim de lhe dizer que você não é substituível é uma sensação boa demais".
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci