Depoimento: 'Covid nos despertou para a fé', diz Geraldo Luís
Após 22 dias internado, apresentador segue em recuperação
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Infectado pelo novo coronavírus no fim de fevereiro, o apresentador Geraldo Luís, 49, ficou 22 dias internado, sendo 12 deles na UTI do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, respirando com a ajuda de aparelhos.
Pouco mais de um mês após receber alta, ele ainda sente as sequelas da Covid, como a dificuldade de movimentar as pernas e a fraqueza que dificulta até subir uma escada. Ele também se afastou da apresentação do programa A Noite É Nossa, da Record —hoje comandado por Luiz Bacci.
DEPOIMENTO As pessoas não têm noção ainda real do que é essa doença. Quando eu fui infectado, falei: 'caramba, nos 20 minutos do segundo tempo pegar essa doença'. Me senti frustrado de a vacina não ter chegado em tempo para mim como diabético, e para todo o mundo.
Pensa em um cara que se cuida ao extremo. Eu tinha um pavor danado de me contaminar. Não tenho ideia [de onde peguei]. Naquele semana, eu estava trabalhando normalmente, mas sempre mantive os cuidados [ele comandava o programa A Noite É Nossa].
Quando as pessoas vinham tocar, porque algumas delas ainda têm esse costume de querer tocar a mão, eu falava: 'olha, sou diabético, não aperto mão'. Achavam até que era exagero meu.
No fim de semana [no final de fevereiro], eu percebi que estava com sintomas de uma gripe, o nariz começou a escorrer, pegou a garganta. Logo fiquei ruim e já liguei para a doutora Ludhmila [a cardiologista Ludhmila Abrahão Hajjar, que chegou a ser cotada para assumir o Ministério da Saúde]. Eu já não aguentava mais levantar, uma dor imensa nas costas. Foi muito rápido.
Quando fui para o Hospital Vila Nova Star, eu fiz a tomografia e o pulmão estava limpo. Voltei [para casa]. No dia seguinte, eu cai, não aguentava. Era uma dor insuportável, uma falta de ar. Já voltei para o hospital, e já tinha 35% do pulmão tomado. Quer dizer, foi de um dia para o outro.
Foram três dias internado no quarto, piorei, e subi para a UTI. Em cinco dias, meu pulmão chegou a ficar 85% comprometido. Não cheguei a ser intubado. Usei aquela máscara como se fosse um capacete [de oxigênio]. Foram 12 dias de UTI, 22 dias de internação total. É uma luta psicológica, é um abalo.
Na UTI, eu percebi que comecei a emagrecer, que estava com dificuldade física de respirar. Pensei: 'tem alguma coisa acontecendo, eu estou piorando'. Cada vez que aquelas máquinas de tomografia entravam no quarto, eu sabia que estava acontecendo alguma coisa.
Você imagina na UTI, aquele barulho horrível, a quantidade de remédios. Eu convivi nesses dias com pessoas que foram embora, outros que estavam também em estado delicado. O psicológico e a fé são muito importantes. Busquei usar o silêncio ao meu favor, como força.
O silêncio para mim era a minha oração, a minha forma de falar com Deus. Fora o Pai Nosso e a Ave Maria, a minha oração é uma conversa. Porque aquele barulho da UTI, ele causa um isolamento muito grande, e você tem que se encontrar, porque senão, você acha que vai embora.
E eu falava: 'senhor, qual é a minha missão aqui na terra? Eu te peço mais uma chance, se essa chance realmente for valorizada por mim, me devolve, não me deixa embora não, tem muita coisa para fazer ainda.' A oração que eu recebi do público, do telespectador, essa comoção certamente foi um poder de cura para mim. Eu sabia que ia dar certo, que o tratamento era confiável.
Perdi 12 kg nesses 22 dias. Perdi o movimento da perna direita, ficou toda amortecida, o pé caído. Estou fazendo fisioterapia e indo no hospital Lucy Montoro duas vezes por semana. Eles me colocam naquele robô, que faz uma coordenação nas pernas para o movimento voltar.
O meu filho, João Pedro, também pegou. Ficou três dias ruins, no quarto dia, ele não tinha mais nada. Ele foi um apoio para mim, um segundo braço muito importante. Eu acreditei na ciência, acreditei na medicina e acreditei na força de viver. [A Covid] É a doença da solidão, da perda, é a doença que te enfraquece a alma.
A coisa mais dificultosa e que dá medo para um paciente grave de Covid é o banho de manhã, porque é um horror. Você não consegue levantar da cama. Para você sentar na cadeira e ir até uma poltrona é uma montanha que você escala. Não tinha forças para escovar os dentes. Isso me assustou. E aí você tem que reaprender, vem a fisioterapia.
No chuveiro parecia que eu ia morrer afogado. A coisa mais bonita que eu aprendi e que eu devo isso ao enfermeiro que me dava banho, o Márcio, é que você fica desnudo de tudo. Não é só da roupa, de alguém ver o seu órgão genital, isso não importa mais. É a confiança de querer voltar, de querer sair daquilo, e saber que aquele enfermeiro, aquela médica, vão fazer você melhorar.
Se uma dor não modificar você, você não está aprendendo. Aprendi muito isso com o Marcelo Rezende [1951-2017]. Nos seis meses de luta dele contra um câncer de pâncreas, ele não reclamava. A fé é amor. As pessoas precisam ser conscientizadas do que é a Covid.
Essas festas estão acontecendo porque a sociedade não acordou. Se a dor do outro não doer em você, não doer em mim, e aí? Como que essa sociedade vai mudar? Como que esse país vai mudar? Porque não é só uma gripe. Não é, nunca foi, e o mundo mostrou que não é.
Mas o Brasil ainda está engatinhando, principalmente com os jovens, que não é que eles não acreditam, o jovem sempre desafia, mas agora está tendo uma grande ignorância de alma, porque você está vendo gente morrer. E quando a dor do outro, de uma pessoa, de uma família, não te pega, e você consegue ir para uma festa...
Quando Ludhmila viu a minha tomografia limpando, ela entrou falando no quarto: 'olha, o seu pulmão está limpando, se recuperando'. Nossa, foi assim um milagre, certamente foi. Essa doença despertou a gente para a fé. A gente não pode sair igual depois da Covid. Se a gente continuar sendo a mesma pessoa, algo de errado, algo de muito sério está acontecendo.
Eu voltei mais sensível, mais amoroso. Que bom é poder sentir o cheiro da comida, o sabor da água, poder engolir, poder caminhar. Você imagina tentar respirar e não conseguir? E a gente faz isso todos os dias. Depois que eu cheguei em casa, dez dias depois, consegui tomar o meu primeiro banho sozinho, sem sentar e sem oxigênio, e para mim foi um prêmio. O prêmio da vida poder tomar o seu banho sozinho.
Aquela luva que aquela maravilhosa enfermeira fez, aquela luva é o tapa na cara de todo o mundo [luvas com água morna passaram a ser adotadas em São Carlos, no interior de São Paulo, após profissionais de saúde notarem os pacientes de Covid com mãos geladas]. Aquela luva tem que ser a nossa mão. O que a nossa mão está fazendo para o outro, para a gente mesmo? Quando foi a última vez que você conseguiu escovar os seus dentes? Coisas tão básicas, milagres diários que a gente não valoriza.
Mas só vai ter essa sensibilidade quem tem amor ao próximo, quem foi tocado e quem tiver o real valor da vida e o respeito. Infelizmente, muitos brasileiros estão dormindo por não acreditarem na ciência, não acreditarem nos indivíduos.
O meu paladar ainda não voltou, as pernas estão amortecidas, meu pé direito ainda não dobra, o pé esquerdo também. Tenho dificuldade de andar e sinto muita fraqueza. Subir escada ainda é um horror.
O meu foco agora é a recuperação das pernas para voltar a caminhar. Estou louco para trabalhar, me faz uma falta, quero voltar para o ao vivo, tenho muita coisa para fazer, muitos projetos, mas agora estou respeitando o meu corpo.
A minha perna está melhorando sensivelmente. É um milagre da vida. E toda pessoa que volta do milagre, ela tem que contar, porque tem que tocar outras pessoas. Que as pessoas respeitem muito a gravidade dessa doença, o que ela causa e o que o pós dela causa. E que a população seja vacinada logo, urgente.