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Pré-candidato, Thammy diz que transexualidade é missão divina: 'Quero que a direita entenda e discuta diversidade'

"Não vou me definir como comunista, nem conservador, nem nada. Sou progressista", diz Thammy à BBC News Brasil - Instagram/@thammymiranda

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Londres

Ameaças de boicote, palavrões e ofensas chegaram ao tipo dos assuntos mais discutidos nas redes sociais nesta semana depois que o ator e empresário Thammy Miranda, 37, virou garoto propaganda de uma campanha de Dia dos Pais.

Figuras como o pastor Silas Malafaia e o deputado federal Eduardo Bolsonaro disseram que Miranda não poderia ser pai do pequeno Bento, de seis meses, pelo fato de ele ser um homem transexual. Influencers conservadores convocaram seguidores a nunca mais comprarem produtos da Natura, responsável pela ação.

Os ataques foram um sucesso... para a Natura, cujas ações se valorizaram em R$ 1,5 bilhão até a última quinta-feira (30), segundo reportagem da revista Forbes. "É engraçado que os haters acabaram fazendo tudo isso. As pessoas que são contra é que deram essa visibilidade toda", avalia o filho da cantora Gretchen em entrevista à BBC News Brasil.

Em meio aos ataques religiosos, ele diz que "tudo o que toca é próspero". "Sou muito temente a Deus e acredito que ele não faz nada em vão. Se vim como vim ao mundo, com certeza eu tenho uma missão."

Enquanto aproveita a repercussão e mensagens públicas de apoio de personalidades como o ator Bruno Gagliasso e o youtuber Whindersson, Thammy vê crescimento recorde em sua redes sociais –só no Instagram, ele tem quase 3 milhões de seguidores. Mas a visibilidade também se reflete na pré-candidatura a vereador em São Paulo pelo Partido Liberal. Ele tentou em 2016 pelo PP, de Paulo Maluf, mas não se elegeu com 12,4 mil votos.

"Inclusive dentro desse partido eu fundei o núcleo de diversidade. Na esquerda já se fala sobre isso, já entendem sobre isso. Na direita não e é lá que a gente tem que conquistar o nosso espaço", diz, afirmando que não é "comunista, nem conservador, nem nada". "Sou progressista."

Em 2014, já conhecido em todo o país, Thammy anunciou ser um homem transexual e começou um processo de transição sob os holofotes da imprensa e das páginas de fofocas. "Minha militância é desde a hora que eu acordo. As pessoas me conhecem. Quando vou a um restaurante e as pessoas ficam vendo em que banheiro vou entrar eu já estou militando", diz.

A palavra mais repetida por Thammy em toda a entrevista é "representatividade". A reportagem pergunta se, para além da campanha externa de Dia dos Pais, a Natura tem funcionários e políticas para transexuais "da porta para dentro". "Não sei."

Veja os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - O que esse episódio diz sobre o Brasil, sobre a nossa sociedade em 2020?
Thammy Miranda - A gente ainda tem uma educação muito retrógrada e precisa investir na educação das nossas crianças para termos seres humanos melhores daqui para frente. Eu não estou lá só para representar um nicho e pronto. A Natura não quis dizer que eu sou a imagem de um pai perfeito e que tem que ser aquele pai. Estou representando os homens trans, as mais de 12 milhões de mulheres que são mães solteiras no Brasil, as mais de 5 milhões de crianças que não tem o nome do pai na certidão de nascimento.
Agora, se eu não represento um certo nicho, não tem problema algum. Outros homens foram contratados pela marca para representar os que não se sentem representados por mim. Mas existe uma grande massa que se sente representada por mim não só pela questão da imagem de homem, mas da imagem de pai presente, carinhoso, atencioso, que zela pela educação do filho, cuidadoso com a esposa. O pai que eu acredito que todos deviam ser.

O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, esse é um dos cartões de visitas negativos do país no exterior.
Segundo as ONGs dizem, é praticamente um transexual por dia.

Você é um caso fora da curva nesse universo de transexuais. Muita gente tem muita dificuldade para entrar no mercado de trabalho, sofre estigma a ponto de precisar sair de casa, ir para a rua. Você é casado, tem um cachorro, agora tem um bebê, sua mãe está sempre em casa. Não é a realidade da maioria.
Não é a maioria. Sim. Eu tenho consciência disso e por isso minha responsabilidade de levar voz para essas pessoas é cada vez maior.
Na questão da educação, a gente precisa dar atenção para isso porque muitos transexuais não chegam a ser educados porque saem da escola, porque o nome social não é respeitado. Eles passam bullying e aí deixam de estudar. Não estudando, não se formam, não têm uma profissão, e acaba como uma bola de neve. Eles ficam à margem da sociedade.

Felipe Neto narrou as ameaças que tem recebido no Jornal Nacional. O episódio Natura não é um caso isolado, há ofensas constantes contra você. Que tipo de ataque costuma receber?
Eu procuro não ler esse tipo de coisa, porque são coisas que fazem muito mal para a gente. Procuro não absorver pela minha saúde mental, até porque eu preciso estar bem para poder cuidar da minha família, do meu filho. Tenho uma equipe que prontamente apaga estes comentários. Às vezes, quando não são tão ofensivos e precisam de informação, eles me passam e aí eu respondo a título de informar essas pessoas.
Mas os agressivos, aqueles que são para machucar, eu não leio, de verdade. No me permito sentir essa energia e não permito que minha família leia e sinta isso. Isso não faz parte da gente, e da nossa casa. Minha forma de militar vai ser outra, vai ser através de conversa, educação, amor. Eu não vou ficar rebatendo pessoas que estão me agredindo.
A gente dá aquilo que a gente tem de melhor dentro da gente. E se o melhor dessas pessoas é tão ruim, é delas, não meu, e eu não vou pegar para mim. Vou oferecer o que tenho de melhor e prefiro fazer assim pela minha saúde mental.

As ações da Natura subiram mais de 10%, com valorização de mais de R$ 1 bilhão, segundo a Forbes. Isso em meio a notícias falsas que diziam que boicotes teriam abalado a empresa. Como vê esse fenômeno tão desconectado das redes sociais na Bolsa?
Vejo que os investidores têm uma visão ampla. O mundo está mudando, o respeito está sendo meio que obrigatório, as pessoas não têm mais opção de não respeitar as outras. Acho que estão investindo nisso, em respeito, em ver que uma marca está ampliando horizontes e mostrando representatividade. Acho que outras marcas deveriam pensar em várias outras representatividades.
Nunca vimos um deficiente físico fazendo propaganda, de margarina ou do que for. Vimos recentemente super-heróis negros. A criancinha negra se identifica com isso. O deficiente físico também se identifica. Precisa mais dessa representatividade e eles estão enxergando isso.

Você fala bastante da importância de representatividade e esse é um tema fundamental para diferentes grupos. Você se interessou ou chegou a perguntar como são as políticas da Natura em relação aos seus próprios funcionários - eles têm muitos transexuais lá dentro? Como lidam com este público?
Então, eu não sei se têm de fato transexuais trabalhando lá dentro. Mas sei que eles já apoiam essa causa há um tempo. Tem uma propaganda deles de 2017 que fala sobre toda as formas de ser homem e aparecem vários, inclusive um transexual. Eles já conversam sobre isso há um tempo. Agora, se há transexuais trabalhando na empresa, eu não sei.

Pergunto porque há pessoas apelando para argumentos inaceitáveis, ataques injustificáveis, mas também gente trazendo discussões mais complexas como o "pink money", por exemplo, ou quando pessoas ou empresas têm um discurso da porta para fora e outro da porta para dentro. Essa é uma questão importante a se lidar, não?
Sim. Importantíssima. Inclusive é excelente saber disso porque eu vou procurar, sim. Acho muito legal, muito bacana. Várias empresas com quem eu já trabalho, inclusive farmácia de manipulação, vou te dar o exemplo, têm essa representatividade. Até pediram minha ajuda para que eu publicasse um anúncio de que eles gostariam de contratar pessoas trans.

Você é alguém com uma trajetória particular porque a sua transição foi televisionada. O Brasil acompanhou o antes e o depois, assim como aconteceu com a (cartunista) Laerte. Você ganhou muito mais visibilidade depois. Como essa hipervisibilidade influencia o seu cotidiano e esta nova etapa, Thammy pai?
Eu sou muito temente a Deus e acredito que ele não faz nada em vão. Se vim como vim ao mundo, com certeza eu tenho uma missão. Se ele me tornou alguém tão conhecido, com tanta visibilidade, ele deve ter um propósito para que a gente possa levar essa voz para mais lugares.
Acredito que Deus tenha uma missão na minha vida porque é inacreditável, tudo o que eu toco, tudo que chega até mim é próspero, é bom, é leve. Deus tem um propósito em relação a isso para a gente levar isso para mais pessoas e elas começarem a entender que é normal, que existem pessoas diferentes e que precisam ser respeitadas como qualquer um. Somos todos seres humanos, independente da condição, escolhas, cor. Somos seres humanos e só isso tem que ser respeitado, mais nada.

Como está sendo ser pai, o que surpreende mais?
É a melhor sensação do universo. Eu me emociono só de olhar para ele. Eu chego em casa, olho para ele e dá vontade de chorar. É um amor que não dá para explicar em palavras. Mesmo com todas as mudanças na nossa vida. Porque antes era só eu e Andressa, a gente fazia o que queria na hora que queria. E agora tem esse serzinho que bagunçou a nossa vida, mas que é a melhor coisa do universo, um amor que preenche e é uma responsabilidade gigantesca. Tenho um pouco de medo dessa responsabilidade, porque quero que ele seja um ser humano bacana, bom caráter, do bem. É bom demais.
Eu dou banho no bento, eu troco frauda, faço ele dormir. Paro no meio do dia meu trabalho para brincar com ele. A gente teve esse privilégio de estar numa pandemia - por esse lado, a pandemia para a gente foi boa porque estamos em casa com ele o tempo todo podendo acompanhar cada minuto da vida dele.
Eu não julgo os pais que têm sua vida de trabalho e saem para trabalhar às 6h e volta às 21h. O cara tem que trabalhar para botar o sustento dentro de casa. Agora, se ele tirar meia hora do tempo dele depois que chegar em casa para ficar com o filho, dar carinho e atenção e ser só daquela criança naquele momento, já cumpre todas as necessidades e isso é importante.

Como é sua relação com a militância trans no Brasil? Há diversos movimentos. Você é próximo?
Eu faço a minha militância. Minha militância é desde a hora que acordo. Quando vou para a rua, estou militando. As pessoas me conhecem. Quando vou a um restaurante e as pessoas ficam vendo em que banheiro vou entrar, eu já estou militando. Quando me imponho pedindo respeito e que as pessoas me tratem no masculino, já estou militando.
Tenho vários trabalhos também em conjunto, por exemplo, com trans mulheres. Tenho um grupo no WhatsApp de trans homens, que a gente acolhe, faz um trabalho com o grupo. Temos rodas de conversa com homens e mulheres trans, a maioria homens nesse grupo, mas mulheres são muito bem-vindas. A gente faz esse trabalho "em off". Porém, minha militância é da hora que eu acordo à hora que eu vou dormir. Não tem como. As pessoas sabem quem sou eu. Mesmo que eu não quisesse, não teria como.

Ser um homem transexual é um gesto político?
Não, ser um homem trans é a minha realidade. Ser um homem trans é o que eu sou.

Muita gente lendo a gente agora deve estar nos chamando de comunistas nas caixas de comentários. É um termo que aparece muito em reportagens sobre questões ligadas a gênero e identidade. Como você responde a esse tipo de associação?
Não respondo. Acho que não tem que definir se você é comunista, se é isso ou aquilo. As pessoas não tem que achar, não é achismo. As pessoas não têm expor sua opinião sobre tudo que vêem. Se não concordam, vão atrás de quem concordam. Não vou me definir como comunista, nem conservador, nem nada. Sou progressista, sou para frente, quero que o Brasil e o ser humano evoluam e que as pessoas sejam melhores, independente de questão política.

Você não se coloca como alguém de esquerda ou direita, portanto.
Não me coloco.

Talvez algumas pessoas não saibam da sua carreira política. Você já foi de alguns partidos, era recentemente assessor parlamentar em São Paulo e recentemente abriu mão disso em meio à pandemia. Pode explicar o que aconteceu?
Não aconteceu nada.

Li que você abriu mão e queria entender o que isso significa.
Não aconteceu nada. Mesmo se eu não tivesse aberto mão, eu teria que me afastar do cargo porque vou concorrer a um cargo público, a vereador por São Paulo. Então eu nem poderia estar lá mais. Eu preferi dessa forma, já que em algum momento eu teria que me afastar, preferi me afastar antes, já que estaria em uma pandemia dentro de casa. Foi uma opção minha. Sobre estar em alguns partidos, já estive até em alguns partidos considerados de direita.

O PP, de Paulo Maluf.
Isso, o PP. Inclusive dentro desse partido eu fundei o núcleo de diversidade. Eu acredito nisso. Na esquerda já se fala sobre isso, já entendem sobre isso. Na direita não e é lá que a gente tem que conquistar o nosso espaço. Lá que a gente tem que ensinar eles a nos respeitar de fato. Quando formei o núcleo da diversidade lá, ele foi respeitado, eles me respeitavam lá dentro, me tratavam da forma que eu considero justa. Para mim, foi uma conquista ter um núcleo de diversidade em um partido tido como de direita.

Você quer ser de alguma forma um porta-voz na direita?
Não na direita. Não quero me definir de direita e esquerda. Quero que a direita fale sobre isso também. Quero que eles entendam, discutam sobre isso também. Que tenham espaço para isso lá também. Para que eles conheçam, saibam que não precisa ter esse desrespeito e que a gente se respeitando pode estar na direita, na esquerda, no centro, onde quer que seja. Vamos nos respeitar e ok, independente do direcionamento político.

Há pouquíssimas pessoas LGBTs à direita, à esquerda, vê-se algumas, também pouco representadas. À direita, me vem à cabeça Fernando Holiday, vereador também em São Paulo. Ele, para você, cumpre esse papel?
Acredito que sim. Apesar de que ele saiu do DEM e não sei para onde ele foi [em março deste ano, Holiday se filiou ao Patriota]. Porém, acho que ele faz, sim, essa função também, mas não tanto na questão dos LGBTs.

Seu trabalho já começou? Como é a rotina de pré-candidato?
Minha rotina de pré-candidato é minha rotina de vida normal. Sigo fazendo o que já fazia. Só o que a gente ampliou agora foi que, por conta do covid, eu entendi que a necessidade das pessoas de se cuidarem é muito grande, então a gente foi atrás de parceiros e amigos para poder fazer sanitização nas comunidades e amenizar essa questão do vírus nas comunidades. Mesmo não sendo político, vereador, mesmo não tendo cargo algum, eu sempre fiz ações sociais, sempre foi muito importante para mim cuidar das pessoas.

Que mensagem você deixa aos que estão no tiroteio de mensagens no WhatsApp e nas redes sociais sobre a sua participação na campanha de Dia dos Pais?
Que vocês pensem mais na palavra respeito. Se respeitarmos as diferenças, vai ser tudo mais fácil, mais leve, não vai ter briga, não vai ter guerra. Acho até engraçado porque os haters acabaram fazendo tudo isso, as pessoas que são contra é que acabaram dando essa visibilidade toda. Talvez se não tivessem feito todo esse boicote, esse alarde, talvez eu seria só mais uma pessoa representando um pai numa campanha publicitária. Assim como eu fui contratado, mais 16 foram. Se eu não represento, tem mais 16. As pessoas têm que parar de expor ódio gratuito e pensar mais em respeito e amor e levar isso para a vida, não só na internet.

Você falou em outros 16 nomes, de fato há outros, mas o seu é o que mais aparece. Essa controvérsia no fim das contas deu visibilidade a você. Dá para dizer que isso foi bom?
Acredito que foi bom, sim, lógico que foi. Deu mais visibilidade ainda para essa representatividade que para mim é tão importante.

BBC News Brasil