A igreja que atraiu Justin Bieber e outros astros usando shows de rock e Instagram
Enquanto igrejas cristãs nos EUA assistem a uma queda no número de fiéis, uma igreja em especial contraria essa tendência. Mas fica a pergunta: seria a Hillsong o triunfo do marketing ou da fé?
Se alguém fosse coreografar a plateia ideal de um show, seria algo assim: todo mundo joga as mãos para o alto e as agita. Os primeiros acordes de cada música são recebidos com gritos frenéticos. Para os poucos que ainda não sabem de cor, as letras das músicas aparecem em telas gigantescas nas laterais do palco.
As canções parecem ser projetadas para provocar uma reação emocional. As melodias vêm, vão e, depois, ressurgem como se fossem uma versão mais dramática das músicas da banda londrina Mumford and Sons.
A responsável por esse espetáculo é a banda Hillsong United, que lotou o Anthem, uma das principais casas de show de Washington D.C., capital dos EUA. O grupo tem shows previstos para o Brasil.
O estilo das dez pessoas que estão no palco é reproduzido pelo público: jeans apertado, camisetas largas e tatuagens. Essa uniformidade, contudo, faz com que os fãs se pareçam menos com uma multidão e mais com uma congregação.
Há ainda outros sinais que mostram que os integrantes da Hillsong United não são estrelas do rock convencionais. São bem diferentes, por exemplo, da cantora Billie Eilish, que esteve no mesmo palco dias antes.
SHOW SÓBRIO
No show da banda, não são vendidas bebidas alcoólicas. Há voluntários de roupas azuis circulando devagar na pista do show, pedindo doações para um grupo cristão. E há ainda a recriação de uma imagem de Jesus na cruz, gerada por computador, iluminada em cima do palco.
Mas não é só um show, é também uma igreja. A banda, Hillsong United, é parte fundamental da Igreja Hillsong. Fundada pelo casal Brian e Bobbie Houston em Sydney, na Austrália, em 1983, a igreja tornou-se um fenômeno evangélico global.
Já está em seis continentes e tem templos em 23 cidades. Todos os domingos, cerca de 130 mil fiéis assistem a seus cultos. A congregação tem fiéis famosos como Justin Bieber e a esposa, Hailey Baldwin Bieber. Os jogadores da NBA Kevin Durant e Kyrie Irving seguem os ensinamentos do pastor Carl Lentz, da Hillsong de Nova York.
O ator Chris Pratt e as celebridades Kylie Jenner e Kourtney Kardashian também estão ligados à igreja. A Igreja Hillsong recusou pedidos de entrevista.
MARCA EM EXPANSÃO
"Eles têm um impacto enorme no momento", diz Mack Brock, músico que abriu os shows da Hillsong United, durante a turnê nos EUA neste ano, depois de passar mais de uma década como líder de louvor na Elevation, uma megaigreja sediada na Carolina do Norte.
A Hillsong se define como uma igreja cristã "contemporânea", "numa missão para ver o reino de Deus estabelecido na terra". Esse objetivo está presente nos cultos e na própria marca, que está em plena expansão.
A igreja já tem duas faculdades, uma em Sidney e outra em Phoenix, nos EUA, organiza conferências anuais, é dona de um canal de televisão 24 horas e de uma gravadora de música, além de oferecer serviços comunitários.
Só a banda tem mais de 2 milhões de seguidores no Instagram. Os seguidores de cada um dos integrantes do grupo, juntos, somam mais de 1,5 milhão. Suas músicas são tocadas 3,5 milhões de vezes por semana no Spotify.
A música mais popular, "Oceans", já foi executada mais de 155 milhões de vezes no Spotify. É mais que o dobro do alcance da música "Bad Guy", uma parceria entre Billie Eilish e Justin Bieber. A ligação entre o cristianismo e o rock não é algo novo, mas a extensão do alcance da banda Hillsong United pode ser.
Na América do Norte, a banda fez show em mais de 30 cidades dos EUA e Canadá, como parte da turnê internacional chamada People. Em novembro, o grupo estará na América Latina, com shows programados para Brasil, Argentina e Peru.
Hillsong está "na vanguarda da música de igreja", diz o músico Mack Brock. "Eles são, eu acho, os que fazem melhor."
CONTRA A MARÉ
A ascensão meteórica da Igreja Hillsong é particularmente notável diante da persistente queda da religiosidade em todo o mundo. Durante anos, a parcela cristã da população dos EUA caiu ao mesmo tempo em que foi registrado aumento dos que dizem não se identificar com nenhuma religião.
Num período de sete anos, entre 2007 e 2014, a percentagem de adultos que se definem como cristãos caiu mais de 8 pontos nos EUA. A queda é maior entre os jovens —e é justamente esse segmento que a Hillsong United mais atrai.
Na porta da Anthem, uma fila se formou uma hora antes da abertura dos portões e mais de duas horas antes de a primeira atração subir ao palco. "A gente esperou a vida toda por eles", disse Danielle Caputo, 27, enquanto esperava para ver a banda em julho. "Na terra, é o jeito mais fácil de ver Deus em pessoa", emendou.
A amiga dela, Kristin Maghamez, diz que "os shows da Hillsong United são um lugar onde você pode verdadeiramente adorar (a Deus)." A maioria das pessoas entrevistadas pela BBC News deu respostas semelhantes. Disseram que a banda é uma "personificação da fé", e os shows "são uma chance de compartilhar a fé com os outros".
Muitos insinuaram uma conexão visceral com a Hillsong. Antes do show, Danielle Caputo já previa: "Vou chorar demais". E houve muitas lágrimas, especialmente quando Hillsong, a banda, se inclinou mais para Hillsong, a igreja.
"Deus está fazendo alguma coisa", disse o vocalista Joel Houston —filho dos criadores da igreja Bobbie e Brian— para a plateia, enquanto descansava as mãos no violão. "Eu acredito que ninguém está aqui por acaso." "Eu acredito que Deus vai encontrar você onde você estiver."
Essa noção —de encontrar seguidores onde eles estão— é fundamental para os objetivos da igreja. A Hillsong aparece no caminho dos jovens e descolados. A banda Hillsong United lota arenas, os cultos na igreja enchem o Hammerstein Ballroom, em Manhattan, e seus pastores aparecem na quadra de jogos da NBA.
Brock e outros seguidores entrevistados rejeitam a ideia de que a estética de designer da Hillsong seja uma escolha deliberada por parte de seus líderes ou uma estratégia de marketing calculada. Mas, para alguém de fora, o apelo inicial de Hillsong está no visual.
"Eles são relevantes", diz Joe Adevai, que estudou no Hillsong College em Sidney antes de se transformar num líder de adoração em Nova Jersey. "Eles estão acompanhando a cultura. Como ser cristão e descolado ao mesmo tempo?"
"NÃO ENDOSSAMOS UM ESTILO DE VIDA GAY"
Mesmo com uma roupagem mais moderna, a Hillsong continua sendo, fundamentalmente, uma instituição religiosa. Mais especificamente, é uma igreja evangélica que vê a Bíblia como "precisa, dominante e aplicável à nossa vida cotidiana".
Para alguns, isso traz uma contradição inerente: uma igreja amplamente comercial, com marcas contemporâneas, mas que permanece deliberadamente conservadora.
Josh Canfield conhece essa tensão intimamente. Ele se juntou à Hillsong em 2008, logo depois se tornou um vocalista em sua equipe de louvor. Comparada à igreja que Canfield frequentou quando jovem, Hillsong parecia ser mais moderna.
Quando Canfield, que é gay, se juntou à Hillsong, ele ainda estava lutando com sua sexualidade no contexto da fé. Enquanto na igreja de seus pais a homossexualidade é um pecado, Hillsong era menos transparente em relação a isso.
"Parecia ser algo do tipo 'não pergunte, não fale' sobre a situação", diz Canfield. "Ninguém perguntava porque ninguém queria perguntar." Os sermões eram sempre positivos, diz Canfield, nos quais os fiéis eram chamados a amar os marginalizados, os imigrantes e os pobres. "Mas parece que eles simplesmente se esquecem do grupo LGBT", diz ele.
Em 2014, Canfield apareceu no reality show Survivor falando abertamente sobre sua sexualidade e o papel dele na Hillsong. Ele havia falado dos próprios planos, à liderança da Hillsong em Nova York, que lhe "deu o sinal verde".
Mas, depois que o programa foi ao ar e a história de Canfield atraiu a atenção da imprensa, o pastor Brian Houston publicamente "esclareceu" a posição de Hillsong sobre a homossexualidade. Em um post no site da igreja com o título "Do I Love Gay People (Eu amo pessoas gays?)", Houston escreveu que "a palavra de Deus é clara" sobre a homossexualidade.
"A Igreja Hillsong acolhe TODAS as pessoas, mas não endossa todos os estilos de vida", disse ele. "De forma clara, não endossamos um estilo de vida gay e, por isso, não temos pessoas ativamente gays em posições de liderança, remuneradas ou não."
FORÇADO A SAIR
A igreja pediu para Canfield deixar suas funções. Depois de uma série de encontros privados com o pastor chefe em Nova York, Carl Lentz, ele decidiu deixar a igreja.
"Meu problema não é se a Hillsong acredita que a homossexualidade é um pecado", diz ele. "O problema é que eles não estão sendo completamente abertos sobre suas crenças porque eles não querem que essas pessoas saiam. Isso é uma mentira? Em termos religiosos, isso é o pecado de omissão?"
A declaração de Houston é um argumento comum entre os seguidores da Hillsong: a igreja recebe todas as pessoas, mas não tolera todos os "estilos de vida". Eles preferem falar sobre o que são a favor e não sobre o que eles são contra, explorando, de certa forma, uma versão do conceito "amar o pecador, não o pecado".
"Acho que a Bíblia chama isso de pecado", diz Danielle Caputo sobre o casamento gay, algumas semanas depois de ter assistido ao show da banda. "Eu não acho errado dizer isso, mas precisa ser seguido. Deus vai amar você de qualquer maneira", afirma.
Steven Paulikas, um padre da Igreja Episcopal de Todos os Santos no Brooklyn e doutorando de teologia na Universidade de Oxford, no Reino Unido, argumenta que há um custo para esse tipo de nuance.
Para ele, são "coisas irreconciliáveis" dizer que acolhe algo, mas sem defender explicitamente. Paulikas não comentou especificamente o caso da Igreja Hillsong, mas falou de forma geral sobre as igrejas que dizem incluir todas as pessoas, mas não acolhem todas as partes dessas pessoas.
"Essa forma de propaganda enganosa é um tipo de violência espiritual", diz Paulikas. "Para um gay, é profundamente perturbador."
"EVANGELIZAÇÃO OU MARKETING?"
À primeira vista, a igreja de Paulikas não tem o mesmo prestígio desfrutado por Hillsong. E, embora ele diga que sua própria congregação cresceu nos últimos anos, reconhece que há um declínio institucional prejudicando pessoas como ele.
"Nós vemos nossos números caindo e isso é muito angustiante", diz ele. Olhando para igrejas como Hillsong, "há sentimentos de inveja porque nossas instituições estão em geral perdendo pessoas".
Paulikas e seus colegas conversam sobre maneiras de expandir seus círculos de fé —algo que Hillsong dominou "de forma obsessiva". Mas ele se opõe ao "sucesso" de uma igreja que está sendo medida em relação à quantidade de fãs.
O brilho associado à Hillsong não lhe interessa. "Vejo isso como distração", diz ele. "É evangelização ou marketing?" "O ensinamento moral é mais forte quando é removido dos indicadores terrestres de sucesso, como riqueza e popularidade", acredita Paulikas.
Depois de deixar Hillsong, Canfield se voltou para uma congregação menor. "Quando as câmeras não estão lá e ninguém está te entrevistando, é onde o verdadeiro cristão reside", diz o ex-integrante da Hillsong. Mas ele ainda fica na defensiva em relação à igreja.
"Você entra na Hillsong e é legal, há luzes acesas, há todas essas pessoas ao seu redor que são da sua idade, que estão sorrindo e conversando", diz Canfield. "E então a música começa e isso passa por você... o barulho do lado de fora é anulado."
"A música é tão bonita e edificante que faz você se sentir melhor", continuou ele. "Eu não acho que haja algo na Bíblia que diga que não podemos nos sentir bem."