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Psicóloga diz que todos nascem um pouco tímido, mas podem aprender uma forma para mudar

Saiba histórias de quem enfrentou bloqueios no trabalho e na vida

Rodrigo Fioratti está sentado e sorrindo
O empresário Rodrigo Fioratti tinha muita dificuldade de criar amizades no trabalho - Rubens Cavallari/Folhapress
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Descrição de chapéu Agora
Fabiana Schiavon
São Paulo

Atos aparentemente simples, como dar bom dia aos colegas de trabalho ou fazer parte de um grupo de estudos na universidade, podem ser um pesadelo para os muito tímidos. Diferentemente dos introvertidos, que preferem o isolamento, os tímidos sentem culpa por perder oportunidades profissionais e na vida pessoal. Mas muita gente consegue vencer essas dificuldades e hoje encoraja outras pessoas a darem o primeiro passo rumo à mudança.

Há diversas formas de avaliar a timidez, que se manifesta em diferentes graus e aspectos. "Alguns casos são situacionais. Isto é, a pessoa pode ter vergonha de se aproximar de alguém para paquerar ou de dar uma palestra. Já o tímido disposicional sofre diversas ocorrências na vida, nas mais variadas situações", afirma Thiago de Almeida, psicólogo doutor pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista no tratamento das dificuldades do relacionamento amoroso.

No caso da professora universitária Hosana Celeste, 47, ela sentiu o drama da timidez durante a vida universitária, que a obrigou a participar de seminários, dar palestras e aulas. "Na escola, fui representante de classe até, mas a coisa pegou quando cheguei na faculdade. Morria de vergonha de apresentar as minhas ideias, talvez porque a pressão fosse muito grande. O ambiente acadêmico pode ser bastante intimidador."

Ela chegou até a pensar em mudar de área. Então, procurou um médico. "Percebi com ele que eu tinha de mudar o meu estilo de vida", diz a professora. Hosana consumia informação demais, trabalhava por muitas horas e não tinha tempo para se preparar para as situações em que tinha de se expor. "Desacelerei o ritmo de trabalho para me sentir mais segura e funcionou. Depois disso, dei até aula em inglês na Europa", diz Hosana.

Independentemente da situação, é importante diminuir a pressão sobre o fato de ser tímido, segundo Livia Marques, psicóloga e coach. "Todo o mundo nasce um pouco tímido, a gente só tem de aprender a lidar com isso. E a timidez só prejudica quando causa perdas ao nosso dia a dia e à nossa qualidade de vida."

 

O Brasil tem uma cultura extrovertida, o que pode complicar a compreensão geral de que a introspeção é comum e não problemática, segundo especialistas. "As pessoas acabam criando a falsa expectativa de que precisam se relacionar bem o tempo todo, de que devem estar sempre animadas, e confundem timidez com introversão. Quem é introvertido aprecia a solidão e não se sente confortável em situações sociais o tempo todo”, diz Fredy Figner, psicólogo e treinador comportamental.

"Na maioria das vezes, o introvertido não se importa com a opinião dos outros. Já o tímido se preocupa com o julgamento e se sente culpado", avalia.

Segundo o psicólogo Vitor Friary, a timidez pode ser caracterizada por um conjunto de experiências que causam apreensão em certas situações ou fazem com que a pessoa até fuja de algumas delas. "Pessoas com timidez frequentemente acham que serão mal avaliadas. Têm pensamentos negativos acerca de si mesmas, como ‘Eu não sou bom’ ou ‘Não sou interessante’."

O empresário Claudio Emboava, 24, tem consciência de sua timidez. “Sempre houve um bloqueio e hoje sei que ele acontecia porque eu supervalorizava as pessoas e tinha medo do que elas pensariam de mim. De um tempo para cá, eu comecei a entender que todos temos defeitos, por isso, não há problema algum em iniciar uma conversa.”

Formado em psicologia, ele já tinha uma ideia de como lidar com essas situações, pelo menos, na teoria. “Tudo se complicou quando abri a minha empresa na área de recursos humanos. Fui a um evento que seria uma oportunidade única de fazer contatos e eu não conseguia me aproximar de ninguém".

"Como eu já sabia um pouco dos caminhos para a solução da timidez, fui enfrentando essas situações e até abrindo o jogo com as pessoas e com os amigos. Fui vendo que as outras pessoas também têm suas inseguranças e seus anseios, por isso, não há motivo para sentir medo”, analisa ele.

TÍMIDO AMOR

Geralmente quem sofre de timidez severa enfrenta limitações igualmente na vida pessoal e na profissional, segundo especialistas. “Porém há tímidos que são mais expressivos em um grupo do que em outros, e isso não necessariamente segue uma regra exata”, afirma o psicólogo Friary. O empresário Claudio Emboava, por exemplo, lida melhor com a timidez no trabalho, mas sabe que ainda tem de conviver com essa questão em outros aspectos, como na vida amorosa.

“Sempre rolou uma timidez nesses casos também. É um traço da minha personalidade que interfere até hoje em todas as esferas da vida. O pensamento que me ajuda a superar essa questão é que as outras pessoas são iguais a mim e não preciso ter receio para conversar ou interagir”, lembra o empresário. “Às vezes, essa prática funciona. Mas há ocasiões em que não rola mesmo e acabo deixando passar oportunidades”, reconhece.

Hosana também diz que esse é um aspecto que ela enfrenta dificuldade. “Nunca consegui tomar a iniciativa de conversar com alguém. Acho que só comecei a mudar agora, aos 47 anos. Aprendi muito observando as pessoas e vendo que todo o mundo passa por isso”, destaca a professora.

Segundo Figner, hoje em dia, no campo amoroso, é preciso vencer alguns desafios para ir além da conversa pelo celular ou pela internet. “As pessoas tímidas costumam usar o WhatsApp, por exemplo, para iniciar um papo. Isso não é um problema, mas é importante evoluir. Treinar o olho no olho, convidar a pessoa para sair ou até abrir o jogo sobre a timidez é importante”, diz o psicólogo.

COMO LIDAR

Mudar é possível, mas depende de cada um. “A transformação acontece quando a pessoa tem o verdadeiro desejo de sair da condição de ser tímida. O desejo mobiliza uma capacidade transformadora que a leva a parar de sofrer pela timidez”, afirma a psicóloga Miriam Farias.

O empresário Rodrigo Fioratti, 37, já não se considera mais tímido e confirma a receita. “O primeiro passo para perder a timidez é ter força de vontade. Aceite primeiro que você é tímido para depois trabalhar isso. A terapia me ajudou muito nesse passo." 

"Já fui muito tímido. Eu trabalhava na área financeira e ficava dentro de uma sala, sem contato com ninguém. Era muito difícil fazer amigos. Depois, acabei migrando para a área de comunicação, porque eu gostava, e percebi que não tinha jeito: eu teria de falar com muita gente o tempo todo. Hoje, é supertranquilo", diz Fioratti. 

Tímidos e profissionais da psicologia concordam que para vencer a timidez é preciso querer enfrentá-la, mas sempre dentro dos limites de cada um. “Tive uma paciente que não conseguia se relacionar com a sua equipe de trabalho. O nosso primeiro desafio foi ela ser capaz de dar bom dia assim que chegasse. Quando conseguiu, nós avaliamos o que ela sentiu naquele momento, como foi a experiência e, depois, passamos para outro passo”, lembra a psicóloga Livia.

Além de enfrentar situações que provocam a timidez, a outra dica é abrir mão da necessidade de ter que agradar às pessoas, segundo o psicólogo Friary. “Não é preciso ser perfeito no que faz. Pratique falar e agir na forma que você gostaria. É como andar de bicicleta, depois que você anda algumas vezes, aquela aprendizagem vai se solidificando e se fortalecendo. O novo comportamento logo começa a se tornar uma realidade.”

A psicóloga Miriam Farias lembra que a terapia pode ajudar também o tímido a encontrar a origem emocional de seus medos. “É importante, ainda, procurar fazer atividades em grupo, como esportes coletivos ou dança, que têm contato humano e relação com o grupo. Além disso, são atividades físicas que fazem o cérebro produzir substâncias de prazer."

CRIANÇAS TÍMIDAS

Se todos nascem um pouco tímidos, é possível observar as crianças e ajudá-las a crescer mais confiantes. "A timidez não começa necessariamente na infância, mas crianças tímidas, na grande maioria das vezes, têm dificuldades para fazer amizades. Notamos isso em festinhas de aniversário, parques, atividades esportivas e na escola. Consideramos esse quadro normal, porque as crianças ainda não criaram uma relação de confiança com o outro.

Mas vale a pena que o adulto incentive a aproximação entre elas”, afirma Cristina da Fonseca, psicóloga
especialista em transtornos de ansie­dade. “No caso da criança, o tratamento é necessário apenas quando a timidez faz com que situações de rotina se transformem em um grande sofrimen­to para ela. Aí a terapia deve ser inicia­da”, conclui a profissional.

Especialistas incentivam que crian­ças não sejam superprotegidas e que tenham uma infância sociável. “Desen­volver habilidades sociais e emocionais é importantíssimo em qualquer fase da vida, principalmente na infância. Quan­do adultos, basta sairmos com grupos de amigos, que nos colocamos nessas situações. No caso das crianças, dá para levá-la para brincar em parquinhos, in­centivar a prática de atividades ao ar li­vre”, lembra a piscóloga Livia.

“Por que as crianças fazem trabalhos em grupo na escola? Para que aprendam a lidar com o coletivo e a se articular em grupo para, assim, crescerem adultos menos tímidos e mais desenvoltos.”

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