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Cachê, visibilidade e 'tapa' no visual levam pessoas a programas de barraco na TV, diz pesquisa

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"Rapaz namora um homem e uma mulher e agora contará esse segredo aos dois."

"Mulher perdeu o namorado para a melhor amiga e agora quer vingança."

"Mãe não aceita que filho travesti faça programas, mas é ele quem a sustenta."

Ainda que espinhosos e íntimos, muitas pessoas se dispõem a falar desses temas em TV aberta, "para todo o Brasil". Mas por quê? Essa foi uma das perguntas que moveu Maíra Muhringer Volpe, 33, em sua pesquisa de doutorado sobre programas que tem por tema a exposição da intimidade, como "Casos de Família" (SBT) e o extinto "Márcia" (Band).

Para isso, Volpe passou três anos acompanhando as gravações dessas atrações e entrevistando sua plateia.

Crédito: Vinicius Pereira/Folhapress
Christina Rocha, apresentadora do "Casos de Família"(SBT)

No SBT, ela também teve acesso aos convidados que iam ao palco e à equipe de produção.

A pesquisa revelou aspectos que não são evidentes aos telespectadores e uma dinâmica própria por trás dos palcos, como, por exemplo, como é feita a escolha dos convidados e o que leva as pessoas a participarem dos programas.

REALIDADE X FICÇÃO

Em sua tese, um dos temas debatidos por Maíra Muhringer Volpe foi o de "história real". Afinal, os conflitos levados ao ar estavam sendo inventados?

"Posso falar pelo 'Casos de Família', em que tive acesso aos bastidores. Sim, os conflitos são reais, mas são revividos no palco pelos envolvidos. Todos nós agimos em determinada situação social de acordo com o modo como queremos ser vistos e com o que é esperado de nós. O mesmo acontece com os convidados."

Segundo a estudiosa, diversos motivos levam uma pessoa a querer participar de programas como "Márcia" e "Casos de Família". Se, por um lado, há ganhos materiais envolvidos —um cachê de R$ 100, visitas ao dentista, roupas e cabeleireiro fornecidos pela emissora no dia da gravação—, outras circunstâncias mostraram ter grande importância para quem subiu ao palco.

"Muitos me disseram que participavam porque queriam ter sua postura legitimada pelos psicólogos. Queriam que eles —mas também a apresentadora e a plateia— aprovassem sua história publicamente. Uma senhora divorciada, por exemplo, queria ter sua decisão referendada pelos profissionais da TV, já que era criticada por seus familiares por ter deixado o marido."

Os convidados também utilizavam o espaço para dar visibilidade a um problema vivido e abrir a oportunidade para receber ajuda.

"Um casal falou sobre o desemprego no palco. Eles não tinham uma atitude ingênua, pois sabiam que não teriam a ajuda direta da emissora. Mas havia ali a possibilidade de se mostrar para além de sua comunidade, e talvez conseguir um emprego formal."

Crédito: 15. nov. 2013 - Vinicius Pereira/Folhapress Bastidores do programa "Casos de Família", do SBT, com a apresentadora Christina Rocha
Bastidores do programa "Casos de Família", do SBT, com a apresentadora Christina Rocha

Dessa forma, se o sofrimento dos convidados é explorado pelas emissoras, essa relação não pode ser entendida de maneira simplista.

Do mesmo modo, Volpe questiona a visão pejorativa dada a muitos desses programas.

"Há muitos programas na TV aberta e fechada em que as pessoas expõem suas vidas. Há, por exemplo, aqueles em que as casas são reformadas, a educação dos filhos é lapidada etc. São poucos, porém, em que seus participantes são tão malvistos —como "barraqueiros", como vulgares, que gritam, brigam e não sabem conversar... É como se fosse permitido socialmente a alguns grupos sociais expor suas histórias com dignidade, e a outros não. Nessa perspectiva, a TV, para falar rapidamente, acaba por naturalizar (e reforçar) a exploração de classe", conclui.

Crédito: editoria de arte/folhapress

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