Saiu no NP

Exorcistas espantam demônios com rituais exóticos

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Nos meses de outubro e novembro de 1974, uma obsessão encarnou no "Notícias Populares". Em uma série de reportagens, o jornal abordou o tema do exorcismo, seus principais operadores e os polêmicos métodos empregados. O assunto estava em alta, já que iria estrear em 11 de novembro, em São Paulo, o filme "O Exorcista".

O longa já estava causando espanto no mundo desde que fora lançado nos Estados Unidos, no final de 1973. Mas, para o repórter Moacyr Jorge, responsável pela série, o exorcismo não era nenhuma novidade e, àquela altura, o Brasil já tinha tido casos horripilantes, muitos protagonizados pelo padre Luís Stefanello (1878 - 1964).

Italiano de Pádua, padre Luís realizava seus rituais de exorcismo em Cascalho, município de Cordeirópolis, no interior de São Paulo, entre as décadas de 1910 e 1950. De acordo com relatos de moradores, o padre recebia centenas de pessoas em sua paróquia, todas com algum problema que a medicina não conseguia solucionar.

O "NP" esclarece, em texto de 28 de outubro, que "possessão" é o evento em que uma pessoa é dominada por um espírito maligno. Geralmente o doente apresenta desmaios, alteração radical de personalidade, surtos de loucura e, quando libertado, tem uma convulsão. Em alguns casos de "loucura espiritual", como também é conhecida a possessão, a pessoa pode ver fatos futuros e passados ou que estão ocorrendo em outro lugar. É comum também apresentar força descomunal.

Crédito: Folhapress
O drama de uma detenta nas Filipinas atormentada por demônios dentuços foi o assunto da reportagem no "Notícias Populares" no dia 10 de novembro de 1974

Um dos casos mais famosos protagonizados pelo padre Stefanello foi, na verdade, um fracasso, relatado em reportagem de 29 de outubro. Duas irmãs, Lídia e Maria, estavam possuídas e foram levadas à igreja para serem tratadas, mas, segundo testemunhas, pintaram o sete no local: gritavam, corriam e resistiam a serem tiradas de lá.

Antônio R., dono da pensão em que o padre residia, disse ao "NP" que viu a dupla levitar de ponta cabeça até o teto da igreja, mas suas saias pareciam endurecidas e imunes à gravidade. Também conta-se que cantavam em latim, língua que as duas desconheciam. Padre Luís se dizia incapaz de ajudar as moças, pois cada uma delas estava possuída por uma legião de demônios. "Eles me venceram. Que vão para o diabo e elas também", teria dito o sacerdote.

Além da língua solta, o padre Stefanello era conhecido por métodos extravagantes. Segundo o "NP", ele "fazia expelir os espíritos com a boa palavra ou na base do sopapo". Suas porradas nos doentes causavam polêmica, e alguns frequentadores da igreja de Cascalho às vezes o denunciavam ao bispo ou autoridades locais. Se para uns era herói, para muitos outros era um carrasco pior que Satanás.

De acordo com Moacyr Jorge, que mergulhou no assunto do exorcismo em nove reportagens publicadas entre 8 e 20 de novembro de 1974, a prática de expulsar espíritos era comum entre católicos, espíritas e evangélicos. A cura pode ser feita através do toque do religioso, palavras, sessões com médiuns e até imersão em água.

Os padres e pastores consultados pela reportagem admitem que, muitas vezes, o problema é um surto de histeria e nada tem a ver com possessão. Mas isso não exclui, segundo eles, o fato de que houve casos que demandavam o ritual do exorcismo.

Um desses eventos, relatado em 10 de novembro, envolveu uma detenta em uma antiga prisão de Manila, capital das Filipinas. Uma noite, em 1953, a presidiária de 18 anos, condenada por prostituição, sofreu cerca de 20 mordidas de um ente invisível. Ela afirmou ter sido atacada por dois espíritos que passaram a voltar com frequência e, além das mordidas, causavam histeria e desmaios na moça.

Crédito: Folhapress
Reportagem do "Notícias Populares" em 28 de outubro de 1974 contava a história do padre Luís Stefanello, que realizava controversos rituais de exorcismo no interior de SP

Assustados, os médicos da prisão pediram ajuda a dois pastores norte-americanos, especialistas em exorcismo. Diante deles, a detenta, que mal tinha cursado o primário, começou a falar inglês fluentemente. Através de seus lábios os espíritos diziam ter o direito de habitá-la, já que era impura. Ela precisou de autorização para ser levada a um templo evangélico, onde foi finalmente curada.

Um dos entrevistados por Moacyr Jorge foi o médico psiquiatra Inácio Ferreira, diretor clínico do Sanatório Espírita de Uberaba (MG). Autor de diversos livros sobre a relação entre espiritismo e medicina, ele defendia a diferenciação entre loucura física, causada por lesão, e loucura espiritual, que se apresenta mesmo quando a pessoa não tem nenhum defeito orgânico. Neste caso, só a intervenção de um religioso pode ajudar.

O médico contou à reportagem o caso de uma mulher que passou a apresentar desequilíbrio mental e alteração drástica de personalidade: tornara-se alegre demais, falava sem parar e revelava segredos de amigos e desconhecidos. Tinha delírios e precisou ser amarrada algumas vezes pelos familiares.

Foi internada no sanatório e, durante uma sessão mediúnica, um espírito se manifestou. Contou aos presentes que fora um trapezista de circo e que tinha sido casado com a doente. A mulher tramou sua morte em cumplicidade com um dos palhaços do circo, seu amante, e os dois sabotaram os equipamentos para que o agora falecido se espatifasse durante uma apresentação.

De acordo com o doutor Ferreira, a cura se dá na base da conversa: os médiuns presentes conseguiram convencer o espírito a abandonar suas intenções de vingança e finalmente partir dessa para melhor. Nada de sopapos, água benta ou cabeças girando 360º.

Apesar do ceticismo e da disputa com a psiquiatria, muitos religiosos apostavam nessa diferença entre loucura física e espiritual. Entre eles, o famoso padre inglês Christopher Neil-Smith (1920-1995), citado nas reportagens do "NP" como um dos expoentes do exorcismo e que teria praticado mais de três mil "curas". Verdade ou fanatismo, o exorcismo ainda hoje rende assunto para Hollywood, e, claro, para alguns religiosos adoradores de um bom espetáculo.

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