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Spinners não têm eficácia científica comprovada

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Num piscar de olhos, eles apareceram. Em bancas, lojas de brinquedos, anúncios on-line, na escola, na mão de alguma criança ou adolescente na sala de espera do dentista.

A fórmula dos spinners é simples: basta encaixar um deles entre os dedos polegar e indicador e girar. Um rolamento no centro permite o movimento, enquanto pesos iguais equilibram as pontas.

Intuitivamente, você gira de novo, de novo, resmunga quando o objeto cai e comemora quando gira mais do que o esperado. Num ciclo vicioso, você roda mais uma vez... Se algum dia você já rodopiou um caderno sobre a a ponta de uma caneta, já entendeu como funciona.

A terapeuta ocupacional Ana Luiza Andreotti explica que o spinner é um "fidget toy", brinquedo manipulável indicado para quem é inquieto, que não consegue organizar o comportamento ou se manter atento.

O brinquedo, que é febre no mundo todo, chegou ao Brasil com a mesma promessa com que é vendido lá fora: auxiliar crianças com deficit de atenção ou do espectro autista. Há quem diga também que ele pode combater a ansiedade e o estresse.

"De todos os 'fidgets toys' que existem, ele não é o melhor. Não mexe muito com as mãos nem usa outros estímulos sensoriais. É um objeto da moda, como foi o 'beyblade' (tipo de pião, originado a partir de um desenho de mesmo nome, com lançadores, hastes de plástico e pista de combate). Não é um brinquedo que faz uma grande diferença no comportamento de uma criança, que a deixa menos ansiosa, menos estressada ou mais atenta em determinadas situações", diz Andreotti.

A ideia do "mecanismo de ação" do objeto é dar um destino à inquietude das mãos. "Se você dá um estímulo sensorial para uma criança ou para um adulto, isso canaliza aquela 'porta sensorial', o que permite que as capacidades tensional e motora melhorem", diz Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da criança da Universidade de São Paulo (USP).

Algo semelhante acontece quando se utiliza uma música de fundo para ajudar na concentração no trabalho ou em alguma leitura. "A gente presta atenção na música. Ela nos dá um estímulo sensorial e, com isso, conseguimos desempenhar a tarefa com mais facilidade", diz Polanczyk.

ORIGEM

Sem patente, o spinner é fabricado e comercializado por diversas empresas, muitas sem o registro do Inmetro, que não o recomenda para crianças com menos de 6 anos. Mas, mesmo sem registro oficial, esse recente "boom" fez emergir uma possível criadora do artefato.

A americana Catherine Hettinger, que tem miastenia grave, doença autoimune que causa fraqueza muscular, diz ter criado o objeto em 1993 para interagir com a filha Sarah, hoje com 30 anos. Ao jornal britânico "The Guardian", Hettinger diz que está satisfeita com o sucesso e que o fato de não ganhar dinheiro com o que seria sua invenção não a entristece.

"Estou emocionada. Talvez, se fosse algum tipo de produto de exploração e minha única motivação fosse fazer dinheiro, eu teria uma atitude diferente."

As tais propriedades benéficas à saúde seguem como incógnita. Sem qualquer estudo científico que esmiúce as promessas, muitos especialistas consultados pela Folha se recusaram a falar sobre o assunto alegando desconhecimento ou que o brinquedo não tem aval para tal.

"Não tem como concluir, de forma categórica, se eles funcionam ou não. Mas a ausência de evidência não é evidência de que não tem efeito", pondera Polanczyk.

A explicação de Enio Roberto de Andrade, psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês, segue a mesma linha. "Vendem como um produto para tratar estresse, ansiedade, deficit de atenção e hiperatividade e autismo, mas não há estudo científico na literatura médica que valide isso. É um modismo sem respaldo, mas pode ser que, no futuro, surja alguma evidência."

Para Andreotti, o spinner fracassa no principal objetivo, que é mexer a mão e ativar a musculatura. "É um brinquedo muito passivo."

DIVERSÃO

Mas, como um passatempo qualquer, o spinner cumpre sua função de entreter e ainda agrada pais que se sentem aliviados de verem os filhos se divertindo com uma brincadeira que não seja virtual. É o caso de André Luiz Silva Santos, 7, que, desde que conheceu o brinquedo com um amigo da escola, não o largou mais.

Em uma oficina organizada pela Oficina Mundo Maker no Lar das Crianças, instituição beneficente m São Paulo (SP), acompanhada pela reportagem, ele aprendeu a fazer seu próprio spinner com madeira e parafusos. "É muito legal e eu gosto de deixá-lo girar no nariz", diz. Por isso é necessário supervisionar a brincadeira.

Crianças gostam de empiná-los nas extremidades do rosto, no joelho, nos pés e nos cotovelos, entre outras manobras. Se não houver cuidado, as hélices do objeto podem atingir os olhos e demais partes sensíveis do corpo.

Para pais de crianças com deficit de atenção ou autismo, o cuidado deve ser redobrado. O tiro pode sair pela culatra se a criança se irritar facilmente com o movimento.


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