Factoides

HUMOR: Atire no mensageiro

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Não chegamos a níveis sírios ainda, mas parece que ser jornalista no Brasil hoje —sobretudo se você tenta cobrir os protestos que acontecem no país desde junho do ano passado— é mais ou menos como sair à rua com um alvo pintado na nuca em tinta fosforescente ou uma plaquinha ME CHUTA pendurada nas costas.

Já vejo internautas ironicozinhos —porque hoje a ironia, embora incompreendida, é democraticamente exercitada por muitos idiotas— dizendo "ai, coitadinhos deles". Bom, amigo, sugiro que você saia de trás desse computador que o faz se sentir assim tão macho e vá pra rua ver como é gostoso ganhar uma porção de coisas: da polícia, tiro no olho e agressão durante o trabalho; dos manifestantes, rojão na cara e ódio por ser um representante da MÍDIA MÁ, como se o repórter que ganha piso salarial e o patrão dele formassem uma só entidade.

Se depois disso o jornalista tiver estômago para uma passeadinha pelas redes sociais, ainda vai apanhar virtualmente de uma multidão de amebas com acesso à internet: "Por que essas matérias ressaltando que jornalistas foram agredidos?" (Isso aí, tem que apanhar caladinho.) "Por que vocês pensam que são mais do que os outros? Por que manifestante (ou policial) pode levar bomba e vocês não? Que privilégio é esse?" (Vejam só, "privilégio" é pedir pra não apanhar no trabalho: revogaram a Lei Áurea e nem ficamos sabendo.)

É óbvio que NINGUÉM pode levar bomba na cara, e os jornalistas não são "mais cidadãos" que nenhuma outra pessoa —mas também não são menos. Têm o megafone do veículo de comunicação e geralmente o usam não pra falar de si, mas pra tentar contar o que acontece do modo mais objetivo possível ("objetividade" não existe, mas isso não dispensa ninguém de se esforçar no caminho dela). Sejam quais forem suas simpatias, não devem ser porta-vozes nem da polícia nem dos manifestantes —ao contrário, o trabalho deles é reportar os abusos, venham de onde vierem.

Crédito: Eduardo Anizelli/Folhapress Manifestantes do Movimento Pró-Fist Fucking, ou algo assim, são levados pra dar uma voltinha no busão da puliça
Manifestantes do Movimento Pró-Fist Fucking, ou algo assim, são levados pra dar uma voltinha no busão da puliça

E talvez seja esse o problema: num país polarizado cada vez mais burramente, em que adversários são vistos como inimigos a exterminar, pessoas acham que mídia boa é a que diz exatamente o que elas querem ouvir; é a que reforça suas simpatias e seus preconceitos, que permite aos imbecis gritarem de satisfação ("é isso aí, falou bonito, disse tudo!"). É a que está DO LADO CERTO —que só pode ser o seu. Não a que reflete uma democracia que, se funcionar direitinho, é a convivência possível com gente cujas opiniões você abomina.

Nesse sentido, agressões a jornalistas apontam para algo maior e mais ameaçador, que é o desrespeito à democracia; não à toa, sufocar a imprensa é uma das primeiríssimas providências que regimes autoritários tomam. Quem ataca assim repórteres dá a exata medida do seu autoritarismo e da sua incapacidade de lidar com a divergência sem ser dando na cara de quem discorda. E eu sei que é humano querer dar na cara de quem discorda, mas aquela coisinha démodé chamada civilização surgiu quando o "cerumano" CONTEVE esse impulso.

De todo modo, acho que os brasileiros já podem considerar como esporte olímpico o tiro no mensageiro —ou, pra usar uma metáfora fácil, a quebra do termômetro quando o paciente está com febre. O "gigante febril" pode morrer no final do processo, mas até lá vai CURTIR O BARATO de delirar a muito mais que 40 graus.


RUY GOIABA acordou atacadão e usou o espaço da coluna de humor pra escrever coisas que não são humor. E daí? Quer dar risada, vai cheirar uma meia com gás hélio dentro, amigo. Num gostô, pega eu.

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