HUMOR: O segundo sol chegou
Então o beijo gay na novela aconteceu, e a família brasileira continua igualzinha: na sala, a mãe se emociona com Mateus Solano e Thiago Fragoso enquanto, no quarto, o filho adolescente se arruma antes de sair pra bater em uns gays com o skate. Mas, OK, já é alguma coisa –e, sem dúvida, muito mais inédita que novela do Manoel Carlos sem Helena, sem Leblon e sem alguém assassinando alguma bossa nova na abertura (acho, aliás, que o João Gilberto vive escondido no apartamento dele no Rio para se proteger dessas coisas).
O que vai acabar mesmo com a família brasileira —e com os brasileiros sem família— é o calor (ou vai dizer que, sem ventilador ou ar-condicionado bombando, você sente aquela vontade de se REPRODUZIR?). O tal segundo sol que Nando Reis e Cássia Eller previam enfim chegou, e esse negócio de "vida ardendo sem explicação", que parece muito poético quando cantado, é um troço horroroso. Atingimos um ponto em que o clichê "calor senegalês" deixou de fazer sentido, porque o clima em Dacar anda muitíssimo mais ameno.
As redes sociais concentraram suas microrreclamações no clima "forno de padaria" que a gente sente quando sai à rua, embora sempre haja almas equivocadas que curtem a EXPERIÊNCIA de viver a vida do ponto de vista de um pãozinho assando. E na segunda à tarde, enquanto escrevia este texto, pessoas comemoravam a breve e mixa chuvinha em SP como se fosse um gol. Mais grave ainda, aquela lenda urbana –"acordei sem os rins numa banheira de gelo"– começa a ser vista como algo DESEJÁVEL. Onde isso vai parar, Brasil?
(Fora os danos colaterais. Vocês, que gostam de ver mulheres circulando por aí com pouca roupa, esquecem que o verão também aumenta exponencialmente a presença do que um amigo chama de Abominável Homem dos Pelos –sempre suando em bicas numa camiseta regata uns dois números menor, em algum lugar perto demais de você. E, mesmo que esteja longe, uma vez visto, você não consegue desver. Pense nisso.)
Se você não tem um trabalho que lhe permita viver pelado sob temperaturas agradáveis (o único que atende a esses requisitos, que eu lembre, é o de ator pornô), o jeito é apelar para saídas criativas. Acho, por exemplo, que o pessoal que vende equipamentos de mergulho está marcando ao não inventar o ESCAFANDRO URBANO, que poderia ser preenchido com gelo –como uma bolsa– e manter sua elegância nesse clima lokão.
Quanto a mim, já que é impossível dormir com o calor que está fazendo de madrugada, decidi me mudar para as gôndolas de laticínios do Pão de Açúcar 24 horas. Afinal, não é justo que um queijo camembert, que além de tudo é fedorento, seja mais bem tratado que um ser humano. Lugar refrigerado é lugar de gente feliz.
RUY GOIABA também defende a canonização de Willis Carrier, o inventor do ar-condicionado (alô, Vaticano: tudo bem que o cara não era católico, mas não sejam tão inflexíveis). Acredita, sim, que civilização é possível no calor, mas acha a civilização superestimada e prefere ficar só de cueca velha em casa.
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