Faltam menos de seis meses pra Copa —se é que vai ter ("não vai ter Copa" = barricadas pra prender todo mundo na cozinha)— e, a julgar pelos últimos acontecimentos, o Brasil está virando uma POTÊNCIA em modalidades que vão além do futebol: a) atirar primeiro e perguntar depois; b) culpar as vítimas. Se essas duas coisas fossem esportes olímpicos, teríamos vários candidatos a Nadia Comaneci, dez-com-louvor.

Atirar primeiro e perguntar depois, como sabemos, é uma especialidade da polícia brasileira, muito boa em balear no peito e na virilha uma pessoa armada com estilete e cair matando em cima de craqueiro (nesse segundo caso, estou certo de que as inteligências iluminadas do meu país têm ótimos planos para "desmilitarizar" a Polícia Civil). E é claro que o treinamento diário na periferia deixa qualquer um craque.

Mas o esporte também é praticado de maneira metafórica pelos habitantes desarmados (graças ao bom Deus) da internet —capazes de julgar, condenar e executar em tempo recorde qualquer coisa que respire. Como já escrevi, hoje os aldeões com tochas têm Twitter e Facebook pra amplificar os gritos de QUEIMEM A BRUXA!.

No caso trágico da morte de Kaíque dos Santos, apareceu logo gente pra acusar a polícia de ter suicidado o adolescente e cretinos dizendo que o Congresso era cúmplice do assassinato homofóbico —seguidos por outros idiotas, quando se confirmou a versão inicial de suicídio (pois é, a polícia às vezes acerta), festejando o erro dos imbecis no polo oposto. Diz muito sobre o potencial vomitivo de 2014 que um menino que devia sofrer bastante seja visto não como um ser humano, mas como um morto útil numa guerra ideológica.

Chegamos também à perfeição em culpar as vítimas, aquele esporte em geral praticado por energúmenos para os quais a "responsabilidade" pelo estupro é da mulher que usa saia curta. Agora a modalidade ficou popular entre manifestantes para quem a culpa pelo incêndio do Fusca do serralheiro (foto), esse odioso representante da ELITE, é dele mesmo -não bastasse o absurdo que é pobre querer ter carro, como o cara ainda se atreve a circular com ele pelas ruas de São Paulo, né? Estava pedindo pra ser queimado, certeza.

E isso que ainda estamos em janeiro. Não sei se vocês concordam, mas hibernar pelo menos até o início de 2015 parece ótima ideia -de preferência, em outro planeta. Como diz um amigo, o ser humano é inviável.

Também circulou pela internet na semana passada um vídeo que é o melhor filme brasileiro dos últimos anos: Batman de Marechal Hermes x Esquerda Festiva do Leblon, com a Direitista Histérica e os Gringos Atônitos como coadjuvantes. O manifestante COLONIZADO do subúrbio, que prefere a roupa do homem-morcego imperialista estadunidense ao chapéu de Lampião, contra o cineasta que ganha bem, mas é tão gente boa que ATÉ bebe com o pessoal da Cruzada São Sebastião (e que fez "Dedé Mamata", com Guilherme Fontes, futuro diretor do não-filme "Chatô", no papel-título. Deus —esse roteirista— é um cara gozador e adora brincadeira).

Só faltou um anão gritando "o Terceiro Mundo vai explodir!" pra virar filme do Rogério Sganzerla. A realidade no Brasil, além de mais surreal que o surrealismo, é mais cinematográfica que o cinema —pelo menos, muito mais que "Até que a Calma nos Separe 2", "De Sorte pro Ar 2" e "Muita Perna Nessa Hora 2".

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RUY GOIABA é sócio-fundador da Federação Internacional dos Procrastinadores, que até hoje nunca promoveu seu Mundial, por razões óbvias ("ah, depois a gente vê"). Nunca deixa pra amanhã o que pode fazer depois de amanhã, exceto as colunas do "F5" (viu, chefe?).