Factoides

HUMOR: Os bons e velhos tempos

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Eu nasci bem depois dos bons e velhos tempos.


Disso tenho certeza. O que não tenho certeza é quando foram --nem o que foram-- os bons e velhos tempos. Há quem diga que foi na virada do século 19 pro 20. Era tudo tão bacana que chamam a coisa de "Belle Époque".


O mundo era modernidade, eletricidade e ação. Novas ideias políticas! Novas ideias científicas! Novas ideias artísticas! Novas ideias! E Machado de Assis era nosso maior escritor!


Tá. Por outro lado, todos os homens eram hipsters e usavam barba. O povo saía quebrando tudo por qualquer motivo, até pelo direito de não tomar vacina e pegar varíola, como aconteceu no Brasil (sempre fomos umas bestas). E se tinha Machado, também tinha o chato do José de Alencar falando sobre a ma-ra-vi-lho-sa lança do índio Pirarucu. Ah, fala sério.


Há outra corrente, entretanto, que situa os bons e velhos tempos nos anos 50. Os Anos Dourados. A televisão havia sido lançada, João Gilberto comparecia aos shows e Nelson Rodrigues era nosso maior escritor!


Tá. Mas também tinha os Irmãos Campos começando as concretinices deles. E foi justamente nessa época que alguém teve a infeliz ideia de criar a Bienal de Artes de São Paulo que, 60 anos mais tarde, viraria abrigo pra artistas que desconhecem os prazeres da água encanada e iluminação pública. Não, né? Primeiro faz instalação elétrica. Depois faz instalação artística, cazzo.


Mas, horror dos horrores, foi naquela época que JK decidiu construir Brasília! Aquela maquete tamanho família obrada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer! Se Brasília não existisse, o Rio não seria a bosta que é e o país certamente estaria melhor. Anos dourados? Ah, vá catar coquinho!

Crédito: Edson Aran

Anos 70. Tem gente que garante que aí, sim, foi legal. Tinha "O Pasquim", tinha o Raul Seixas, tinha... hãã... tinha censura. Tinha tortura. Tinha ditadura militar. Tinha hippies barbudos feito hipsters, mas ainda mais piolhentos. Esqueça.


Também ignore os 80 do Lobão, Legião, Biquíni Cavadão e inflação. Os 90 foram um baticundum eletrônico misturado com um roquezinho grunge muito do irritante. E também já não tinha mais Machadão nem Nelsão, só mulher chata reclamando de homem e homem chato fazendo média com mulher. A isso se reduz toda a literatura produzida nos anos 90: um Momento DR grupal.


E assim chegamos aos dias de hoje que não são nada bons, embora já estejam velhos. Antigos. Ultrapassados. Ninguém aguenta mais Facebook, Twitter e Instagram. Nem YouTube, Netflix e BlackBlock. Tudo muito chato.


Mas as coisas são assim mesmo. Talvez daqui alguns anos, você olhe para trás e diga "Ai, Jorjão, para!". Não, não é nada disso. Sacaneei, desculpa aí. Vamos retomar de onde paramos. Talvez daqui alguns anos, você olhe para trás e diga "Ah... os anos 2010... aqueles sim foram os bons e velhos tempos!"


Quando você disser isso, espero que seja atacado por uma horda de zumbis apocalípticos comedores de cérebro. Vai ser bem feito pra você deixar de ser tonto.


EDSON ARAN é autor de cinco livros. O mais recente, "Delacroix Escapa das Chamas" (Editora Record), é uma sátira futurista passada na São Paulo de 2068. Sua série de cartuns "O Totalmente Dispensável Almanaque Inútil do Aran" é publicada mensalmente no "Folhateen". Ele foi diretor das revistas "Playboy", "Sexy" e redator-chefe da "Vip". É um tuiteiro compulsivo e sua conta é @EdsonAran.

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