Factoides

HUMOR: Médicos e monstros

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A indignação nas redes sociais vem em ondas, como o mar --cheias de cocô, papel de picolé, garrafas PET e às vezes uma água-viva queimando a sua perna. O que essas ondas têm de bom é que, se a "qualidade das praias" é sempre um horror, ao menos o lixo boiando varia; o problema é que, com isso, a indignação de anteontem fica mais velha que o Nelson Rodrigues escrevendo sobre o primeiro espartilho da Sarah Bernhardt.

No entanto, como os indignadinhos de ontem no Twitter e no Facebook estavam muito ocupados discutindo cor de mamilo --pensei até em mandar uma foto dos meus no lugar do texto, para estimular a POLÊMICA, mas o "F5" não topou porque eu não sou tão parecido assim com a Nana Gouvêa--, escrevo sobre o assunto que mais ocupou os indignadinhos de anteontem: Aquele povo que anda por aí de jaleco e estetoscópio.

Por mais que eu reclame, reconheço que a gente aprende à beça com o Twitter: Depois de me ensinar que gay é quem gosta de cupcake e frozen yogurt (eu tinha uma ideia TOTALMENTE diferente, juro), os tuiteiros me mostraram que todo médico é a) mercenário; b) "pobrefóbico"; c) chiliquento; d) corporativista; e) filhinho de papai; f) sofredor de classe média. Não importa que as opções E e F, por exemplo, se excluam mutuamente: Para o "tuiteiro médio", é tudo característico do mesmo tipo de escória, e a escória são sempre os outros.

Crédito: Tyler Olson/Shutterstock

Esse estado de espírito me fez lembrar uma tirinha antiga do Dilbert: O cachorro Dogbert tá lá tabulando uma "planilha para dominar o mundo", Dilbert olha por cima do ombro dele e pergunta "por que você está contando estudantes de direito como dois décimos de pessoa?". E o cão: "Não cai para zero antes de eles se formarem". Troque "direito" por "medicina" e você terá um retrato fiel das redeçociau na semana passada.

Antes que você me diga "veja bem": Sim, eu SEI que há médicos que se enquadram nas categorias acima e até em situações piores de abuso, que há erros médicos não punidos e carências enormes no nosso Brasil brasileiro (pouca saúde e muita saúva, desde sempre). E nem entro no mérito das medidas do governo, que daqui, da perspectiva de quem fez humanas --portanto, não sabe fazer conta e tem uma ideia bastante vaga de onde fica o pâncreas--, parecem tentativas às vezes equivocadas de resolver essas carências.

Mas é óbvio que a profissão não tem só senhores Hyde de jaleco, como se não houvesse diferença nenhuma entre o "médico" e o "monstro" do livro. Só posso atribuir essa generalização ao coquetel de ressentimento e recalque que alguns barmen das redes sociais são mestres em servir --e nenhum deles é gente pobre, que precisa desesperadamente de atendimento público ou já sofreu nas mãos de maus médicos.

Só espero que essa turma aplique a si própria os mesmos altíssimos padrões morais e também se autoflagele toda vez que ganhar bem pelo seu trabalho. E que, quando alguém da família precisar de cirurgia, marque a operação com o açougueiro do bairro. Coerência é uma virtude, certo?


RUY GOIABA tem vasta experiência médica --apenas na condição de paciente--, mas gostaria de ter brincado mais de médico quando era moleque. Escolheu ser jornalista porque é fresco e desmaiaria vendo sangue aos borbotões. Acha que a solução pro Braziu é anestesia geral e o melhor do Carnaval.

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